Flávia Villela
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Um mês após a inauguração de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Rocinha, zona sul do Rio, moradores e representantes do Poder Público conversaram hoje (1º) sobre as principais necessidades da comunidade. Além do lixo acumulado nas encostas, valas e calçadas da favela, a falta de políticas públicas para crianças, adolescentes e jovens que moram ali foi a principal queixa dos moradores presentes.
“Nossos adolescentes estão aí perdidos, uns zumbis dentro da comunidade”, lamentou o líder comunitário Paulo Cezar Valério, que supervisiona o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Rocinha. “Essas crianças são nossa preocupação constante. No fim do ano, as mães me procuram pedindo vaga para os filhos na escola, mas só tem lá embaixo. Aqui na Rocinha não têm”.
A conselheira tutelar da zona sul, Marli Souza, disse que o drama da prostituição de menores na comunidade, divulgado no domingo passado (28) pelo programa Fantástico, da Rede Globo, não é novidade. “Basta irmos a Copacabana e Ipanema no verão para testemunhar esse problema. Os nossos jovens e adolescentes estão desprovidos de cuidados e as famílias estão desestruturadas”, denunciou.
De acordo com o comandante da UPP na Rocinha, major Edson Santos, a investigação das polícias Militar e Civil sobre prostituição infantojuvenil na comunidade apurou que a maioria das adolescentes nessa condição havia sido cooptada anteriormente pelo tráfico de drogas e, com a chegada da UPP, suas famílias acabaram perdendo a fonte de renda.
“Elas foram desvirtuadas pelos traficantes, mas, com a saída do poder econômico do tráfico, essas meninas ficaram órfãs. É neste momento que a UPP Social entra para criar oportunidades para essas pessoas”, disse o major. Ele informou que um dos trabalhos dos policiais da unidade tem sido, em cooperação com o conselho tutelar, auxiliar mães que estão com os filhos fora da escola a matricular as crianças.
O comandante da UPP admite que ainda há desconfiança por parte dos moradores em relação aos policiais. “A Polícia Militar nasceu para defender o cidadão, mas antes ela só entrava aqui para agredir. Essa é a visão de 50 anos que o morador tem e não vamos conseguir mudar isso de um dia para o outro”.
Para a presidenta do Instituto Pereira Passos (IPP), Eduarda La Rocque, que coordena a UPP Social, políticas públicas eficazes para adolescentes e jovens são um desafio nacional. “Já temos estratégias de erradicação da pobreza, estamos melhorando muito a parte educacional, mas atender a esses jovens que se perderam no meio do caminho é o grande desafio”, admitiu. Segundo ela, as próximas fases incluem projetos de cultura, esporte e empreendedorismo.
Embora a UPP Social esteja atuante no local há um ano, Eduarda acredita que o evento de hoje representa a entrada oficial dos gestores públicos na comunidade. “Neste primeiro momento, entramos com a prestação de serviços públicos municipais. Já existem muitas iniciativas, o que falta é um planejamento integrado e é isso que estamos propondo, também com parcerias com a iniciativa privada e o terceiro setor”.
Morador há cerca de 20 anos na comunidade, o ator e dramaturgo Aurélio Mesquita dirige desde 1992 a encenação Via Sacra da Rocinha, espetáculo que percorre ruas e becos da favela apresentando a Paixão de Cristo. Ele cobrou mais transparência dos governantes e propostas de intervenções culturais na Rocinha, além de questionar o baixo número de moradores no encontro.
“Quando compro um pão ou um cigarro, estou pagando o mesmo imposto que um morador de São Conrado. Não temos que vir aqui agradecer, mas participar com espírito crítico. Precisamos mudar a cultura da comunidade, mas não com esta meia dúzia de moradores”, disse o ator. “Vamos chamar os comerciantes, pôr carro de som na rua. Senão, vamos sempre falar para as mesmas pessoas com as mesmas ideias”.
A Rocinha, que já foi a maior favela da América Latina, possui cerca de 70 mil habitantes, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com mais de 23 mil moradias ocupando uma faixa territorial de 143 hectares (cerca de dez estádios do Maracanã), a favela passou décadas dominada por traficantes de drogas e abandonada pelo Estado.
Edição: Davi Oliveira