Monica Yanakiew
Correspondente da EBC na Argentina
Buenos Aires – O conflito entre produtores rurais brasileiros, conhecidos como brasiguaios, e trabalhadores sem terra paraguaios está longe de ser resolvido. Esta semana começou o ano letivo no Paraguai e o governo montou tendas para que professores da rede pública possam dar aulas para cerca de mil crianças, filhos dos carperos, como são chamados os sem-terra paraguaios, que estão acampados em Nacunday, no Alto Paraná, perto da fronteira com o Brasil. O acampamento está montado nas terras de Tranquilo Favero, um fazendeiro brasileiro naturalizado paraguaio conhecido como “rei da soja”. Mas, hoje (28), o governo do Paraguai convenceu os carperos a se mudar para o Parque Nacional de Nancuday.
O líder dos sem-terra, Vitoriano Lopez, diz que os títulos de propriedade dos produtores brasileiros são falsos. Favero, assim como muitos dos 370 mil colonos brasileiros no Paraguai, compraram terras baratas durante a ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989). De acordo com denúncias dos movimentos sociais ligados à defesa da reforma agrária no país vizinho, o ditador, que morreu exiliado no Brasil, vendeu terras públicas que os carperos agora querem recuperar. “Favero desmatou até o Parque Nacional Nancuday, onde estamos agora”, acusou Lopez, em entrevista à Agencia Brasil.
Mas os colonos brasileiros e seus descendentes, muitos nascidos no Paraguai, garantem que compraram as terras de boa-fé há décadas e que investiram tempo e trabalho para torná-las produtivas. Hoje, o Paraguai está entre os maiores produtores e exportadores de soja do continente.
San Carlos, a 100 quilômetros de Foz do Iguaçu, é um exemplo da confusão legal e diplomática que hoje envolve os governos dos dois países. As terras pertenciam à empresa Arcádia S.A, de um amigo do ditador Stroessner. Quando o ditador caiu, em 1989, foram invadidas por sem-terra paraguaios. O dono da empresa decidiu, então, doar 4 mil hectares (ha) aos invasores. Mas com a condição de que eles não poderiam vendê-las ou abandoná-las por, pelo menos, vinte anos.
Dos 4 mil ha doados, 2,446 mil ha foram ocupados pelos carperos e só 330 ha foram escriturados. A maioria dos assentados não reclamou os títulos de propriedade porque preferiu vender as terras a produtores rurais do Paraguai e do Brasil. Entre eles estava Celestino de Almeida, de 70 anos. “Estou no Paraguai há 34 anos. Tenho filhos, netos e bisnetos nascidos aqui”, contou em entrevista à Agencia Brasil.
Em 2002, alguns desses novos proprietários formaram uma cooperativa, que hoje conta com 138 famílias paraguaias e 25 de brasiguaios. Os colonos entraram com processos para obter, da empresa, os títulos das propriedades e, em 2009, conseguiram escriturar 2.116 ha.
“Mas, em 2009, no meio da colheita de soja, nossos lotes foram invadidos novamente por outro grupo de sem-terra paraguaios. Eles só ocuparam as fazendas dos colonos brasileiros”, explicou à Agencia Brasil Odir Gobbi, vice-presidente da cooperativa. “Obtivemos ordem judicial para desocupar as terras, mas a polícia não conseguiu retirar os sem-terra porque diz que não tem apoio do governo e não pode usar a violência. Desde 2009 não podemos mais plantar. Quando tentamos, somos ameaçados com tiros”.
Edson Andolfatto, um dos colonos brasileiros, mostrou os dois tiros que levou nas costas, quando tentou pulverizar as terras que garante ter comprado legalmente. A filha dele, Andrea, de 15 anos, abandonou os estudos este ano por medo de andar sozinha até a escola, no meio de vizinhos armados. Mas a família não quer voltar ao Brasil.
“Nasci aqui. Fui registrado em Foz do Iguaçu, mas nunca saí de San Carlos. Não saberia viver em outro lugar. Minha vida é aqui”, lamentou Edson Andolfatto. Os colonos dizem que obtiveram da Justiça permissão para continuar cultivando as terras até que haja uma decisão sobre a legalidade dos documentos de posse das fazendas. Mas, como os sem-terra não permitem o cumprimento das decisões judiciais, os brasiguaios não têm mais a quem recorrer.
Em entrevista à Agencia Brasil, o ministro do Interior do Paraguai, Carlos Filizola, reconheceu que o governo tem a obrigação de cumprir as ordens do Poder Judiciário. Mas que não pode retirar os carperos de um dia para o outro. “É um processo que leva tempo, porque a polícia tem que investigar cada caso, ver quem está nas terras e em que condições vivem”, explicou o ministro. “Preferimos atuar com cautela para evitar violência”.
Quanto à posse das terras, Filizola explicou que cabe à Justiça decidir quem tem o direito de ocupá-las. “Mas a Justiça é lenta, apesar de termos cobrado que atuem com maior rapidez”. Segundo ele, se os títulos forem inválidos, as terras serão expropriadas.
Edição: Vinicius Doria