Alex Rodrigues*
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Oitenta e sete famílias removidas ontem (15) das margens de uma estrada vicinal ocuparam, na manhã desta quinta-feira (16), parte de um terreno baldio em plena região central de Brasília. Ligados à Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), os líderes do grupo ameaçam levar mais 2 mil famílias para o local, caso suas reivindicações por terra não sejam atendidas.
O terreno ocupado hoje fica ao lado do prédio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), onde também funciona a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), a poucos quilômetros do Congresso Nacional. Há meses a Fetraf negocia com a SPU a transferência de um terreno da União, situado próximo à região administrativa de Itapoã, para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo da Fetraf é obter do Incra a destinação do terreno ao programa de reforma agrária para assentamento de famílias de trabalhadores rurais. A área do terreno é calculada em 360 hectares (o equivalente a 360 campos de futebol).
As 87 famílias estavam acampadas desde o último dia 27 às margens da rodovia BR-330, próximo a Itapoã, a cerca de 30 quilômetros do centro de Brasília. O grupo voltou ao local – onde já estivera acampado -, após o governo do Distrito Federal (GDF) ter removido quase 500 famílias da área pertencente à União. Destas, cerca de 150 famílias são ligadas à Fetraf.
“Estávamos [na estrada] aguardando que a superintendente da SPU no Distrito Federal [Lucia Helena de Carvalho] cumprisse o compromisso assumido de transferir a área para o Incra para que o assentamento seja feito. E isso não é por um tempo indeterminado, mas apenas pelo prazo de tramitação do processo ”, disse à Agência Brasil o coordenador-geral da Fetraf, Francisco Miguel de Lucena, o Chiquinho.
De acordo com Chiquinho, nas duas últimas operações de desocupação, os agentes do GDF e policiais militares que acompanharam a ação não apresentaram mandado judicial. “Estamos percebendo que o crime organizado da grilagem de terra tem não apenas a conivência, mas a cumplicidade das autoridades do DF”, afirmou.
“Queremos retornar à área onde estávamos e permanecer aguardando [a eventual transferência do terreno para o Incra]. Só que, se não resolverem isso logo, vamos trazer outras 2,5 mil famílias de Brazlândia e aguardar mais bem acomodados dentro do prédio”, disse Chiquinho.
Maria Zelia Leite, de 58 anos, estava no acampamento quando os agentes chegaram. Segundo ela, a maior parte dos homens estava trabalhando e algumas crianças, nas escolas. “As mulheres pediam para que eles [agentes] esperassem ao menos a gente tirar as coisas, mas eles chegaram rasgando as lonas dos barracos, passando por cima de tudo”, contou Zelia, moradora do Itapoã, onde diz já ter uma casa “pequena”. “Estou aqui porque quero uma terra para trabalhar honestamente. Ninguém mais dá trabalho para alguém na minha idade.”
Procurado pela reportagem, o secretário de Ordem Pública e Social (Seops), Agrício da Silva, garantiu que, por a rodovia ser um espaço público, o estado não precisa de mandado judicial para retirar as pessoas da área. Em matéria da Agência Brasil publicada no dia 1º, o chefe da Delegacia Especial de Proteção ao Meio Ambiente, delegado Hailton da Silva Cunha, informa que o recente crescimento das operações de desocupação em áreas públicas resulta de orientação do GDF para que os órgãos locais "não tenham nenhum tipo de tolerância” em relação às “invasões’, que devem ser “extirpadas” já em sua fase inicial.
Conforme a Agência Brasil revelou, mais de 1,1 mil casas, barracos e abrigos construídos irregularmente em áreas públicas foram derrubados no mês de janeiro, o que equivale a um terço do total de edificações removidas durante todo o ano passado, quando cerca de 3 mil construções foram destruídas.
A reportagem esteve na SPU, mas não conseguiu falar com a superintendente no Distrito Federal, Lucia Helena de Carvalho, que estava em reunião. Mais tarde, a assessoria da SPU informou que as negociações com a Fetraf sobre a transferência do terreno, que vem sendo feitas há algum tempo, vão continuar.
*Colaborou Pedro Peduzzi
Edição: Nádia Franco