Jorge Wamburg
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a Lei Maria da Penha pode ser usada para enquadrar judicialmente autores de agressões domésticas, independentemente de queixa da vítima, foi considerada “uma grande conquista” pela conselheira da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) e do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, a advogada Marília Gallo.
Ela lembrou haver mais de 33 mil processos na Justiça brasileira envolvendo agressões cometidas no seio familiar, o que demonstra, a seu ver, a gravidade do problema.
No Congresso Nacional, a deputada Dalva Figueiredo (PT-AP) foi hoje (10) à tribuna da Câmara dos Deputados e comemorou o resultado do julgamento como um grande avanço para os direitos femininos. “O que não quer dizer vai resolver o problema da violência doméstica”, acrescentou.
A deputada lembrou que é autora de um projeto, apresentado em 2009, que tem o mesmo conteúdo da decisão do Supremo e que está em tramitação na Câmara dos Deputados. Ontem (9), os ministros decidiram que não apenas a vítima de violência doméstica é parte legítima para registrar ocorrência contra seu agressor. O STF entendeu que qualquer pessoa pode comunicar a agressão à polícia e o Ministério Público poderá apresentar a denúncia contra o agressor mesmo contra a vontade da mulher.
A decisão do STF traz nova interpretação da Lei Maria da Penha, que, antes, permitia apenas à vítima a autorização para denunciar o agressor em caso de lesões corporais leves. O que ocorria na prática era a desistência da mulher de levar o nome do agressor à polícia ou à Justiça, fazendo, assim, com que o caso fosse arquivado.
Segundo Marilia Gallo, conselheira da OAB, alguns tribunais vinham aplicando, nos casos de violência doméstica, não a Lei Maria da Penha, mas a Lei 9.099, que rege os juizados especiais e permite a chamada “transação penal”, em que uma pena de prisão pode ser substituída por uma punição leve, como distribuição de cestas básicas ou serviços comunitários.
O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, avaliou que “o Supremo, mais uma vez, prestou um grande serviço à nação, no sentido de combater a discriminação e garantir a igualdade de direitos no país”. Ele lembrou que a OAB participou como assistente da Advocacia-Geral da União (AGU) do julgamento da ação no STF que analisava a validade da lei. A ação foi proposta pelo ex-presidente Lula para o reconhecimento da constitucionalidade do artigo sobre o tratamento diferenciado de mulheres e homens.
O Supremo entendeu, tal como defendido pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que a mulher agredida pelo marido ou companheiro não registra queixa, muitas vezes, com medo de sofrer mais violência. Por isso, prevaleceu a interpretação de que qualquer pessoa que tomar conhecimento do fato pode dar queixa contra o agressor.
Marília Gallo ainda enfatizou que há estatísticas segundo as quais a violência doméstica pode ter consequências até a terceira geração de uma família, “quando essa violência é praticada na frente dos filhos, que, muitas vezes, também são vítimas. Essa situação pode gerar abusos sexuais e até estupros contra as crianças, que, mais tarde, poderão também se tornar agressoras quando adultas”.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) classificou a decisão do STF como “certa, correta e sábia”. Ela completou com uma pergunta sua análise sobre a questão: “como poderia ser inconstitucional uma lei que tem o objetivo de proteger os direitos da mulher?”.
Na opinião de Benedita, “a violência fere os direitos da mulher, maltrata e humilha, mas “agora ela se sentirá encorajada para denunciar todo tipo de agressão que sofrer, seja moral, corporal ou patrimonial”. Para a deputada, a decisão do Supremo também tem um caráter didático para o agressor, pois, quando não há punição, ele se sente livre para agredir. “Mas, sabendo que pode ser punido, ele vai pensar duas vezes antes de praticar uma violência contra a mulher”.
Edição: Lana Cristina