Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - O cinema brasileiro, que ficou famoso nos anos 1960 e 1970 com uma modalidade de arte de intervenção social, vive agora uma fase de “ensimesmamento”, com diretores preocupados em focar problemas de sua própria existência ou de pequenos grupos, disse à Agência Brasil o crítico cinematográfico José Carlos Monteiro, professor de cinema brasileiro da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para ele, o país está a ponto de se tornar uma potência econômica, mas mostra um cinema que é do "terceiro mundo". As tendências do mercado nacional de cinema estão sendo debatidas no Festival do Rio 2011, que ocorre até o próximo dia 18.
Segundo Monteiro, os filmes do passado testemunhavam os problemas, as dificuldades e contradições do país. Isso elevou o cinema nacional no ranking de filmes mais politizados, engajados e combativos, por meio do Cinema Novo (movimento cinematográfico brasileiro por um cinema com mais realidade, mais conteúdo e menor custo) e suas variantes. As produções que se seguiram ainda mostravam ao mundo a vitalidade e a força dos diretores brasileiros para abordar temas como migração, pobreza e violência urbana. “Esse tipo de intervenção social desapareceu na primeira década do século 21”, comentou.
Na opinião do crítico, os filmes agora têm as preocupações essenciais voltadas para problemáticas intimistas, enquanto o país ainda apresenta aspectos de uma realidade que mereceria foco mais combativo de profissionais que acham que cinema não é só entretenimento, opinou. “Os problemas cruciais estão longe da tela”.
Filmes como Tropa de Elite e Cidade de Deus, que retratam a criminalidade em abordagens fortes, ou os filmes de denúncia “são exceção em um panorama em que prevalece um tipo de cinema preocupado com o culto do eu”. Examinando-se o grosso da produção nacional, verifica-se que os filmes que tratam da realidade são documentários, observou.
Na análise de Monteiro, o cinema produzido hoje no Brasil acaba sendo igual ao de muitos outros lugares. “Perde até para as produções argentinas que, embora em menor escala, estão veiculando a dificuldade que é ser argentino nos dias de hoje”. Ele reconheceu que existem produções isoladas no Brasil que se preocupam em retratar a realidade. “Mas, no conjunto, a produção ainda é muito tímida em relação à realidade”.
De acordo com o professor da UFF, o governo federal já reconheceu que o cinema não é só mercado, é também cultura. Ele disse ser necessário que o governo apoie não só a produção, mas também a exibição desses filmes, para que possam chegar a um número cada vez maior de brasileiros. “Não há a circulação desse produto”.
O Brasil perde nessa área para outros países, como os Estados Unidos, que criou todos os mecanismos de incentivo para a difusão dos seus filmes, inclusive no exterior. “O cinema brasileiro só pode atingir o ranking de criatividade no qual estava décadas atrás se for um cinema autenticamente pessoal, um cinema de compromisso, um cinema-verdade. Porque, lá fora, eles têm tecnologia avançada, modalidades de financiamento e de circulação muito grandes”, apontou.
Sem diferencial, o professor disse que os filmes ficam em uma situação de total indiferença. Para ganhar visibilidade, o cinema tem que ter vigor e expressar a identidade do país. “E mostrar o filme aqui”.
José Carlos Monteiro enfatizou que o gargalo está em uma produção cinematográfica que é abundante, mas não é expressiva no sentido de mostrar a nossa identidade e de ser de alcance do público. Isso deve ocorrer, contudo, “sem obrigações draconianas”, mas a partir de negociações que incluam as televisões a cabo, sugeriu.
Edição: Graça Adjuto