Para procuradora, provas do mensalão do DEM não correm risco de serem anuladas

26/09/2011 - 14h12

Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A procuradora responsável por acusar os envolvidos no esquema de corrupção no governo do Distrito Federal (DF), Raquel Dodge, garante que os dois anos de investigação, liderados pelo Ministério Público, não correram em vão. De acordo com Dodge, eles serviram para firmar a convicção que, de fato, havia um esquema de pagamento de propina instalado no DF, conhecido como mensalão do DEM e revelado pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Agora, a procuradora corre contra o tempo para provar como isso ocorreu.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Raquel Dodge diz que espera oferecer a denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) até o final do ano e afirma que não há risco de as provas serem anuladas, como vem ocorrendo em diversas operações da Polícia Federal, analisadas pela corte. De acordo com a procuradora, o rigor para garantir a legalidade das provas, foi, inclusive, um dos motivos da demora nas investigações.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil - Por que o Ministério Público está demorando tanto para oferecer a denúncia sobre o caso do mensalão do DEM?
Raquel Dodge - As provas ainda estavam sendo reunidas, avaliadas e periciadas para complementar o convencimento do Ministério Público Federal (MPF) a respeito dos fatos, que são complexos e envolvem uma série de pessoas. Ao longo deste ano e do ano passado, pedi diligências complementares em aspectos que a prova precisava ser mais bem esclarecida antes do oferecimento da denúncia. Foram solicitados de diferentes lugares, entre eles, o próprio GDF [governo do Distrito Federal], contratos com empresas, pagamentos feitos, cheques que o Banco de Brasília pagou. Há uma morosidade de alguns órgãos para encaminhar alguns documentos. Esses contratos que materializam o vínculo jurídico entre empresas e o GDF, por exemplo, passamos a ter acesso [a eles] a partir deste ano, quando o secretário de Transparência [Carlos Higino, do governo do DF] nos atendeu com mais prontidão.

ABr - Depois de o STJ ter anulado tantas provas obtidas em operações da Polícia Federal, há algum receio de que o mesmo ocorra neste caso?
Raquel - Esse inquérito difere dos precedentes porque não houve interceptação telefônica. Em algumas operações, que o STJ anulou recentemente, grande parte da convicção a respeito da ilicitude dos fatos decorreu de conversas telefônicas interceptadas. Já a interceptação de dados telefônicos – não de conversas – foi feita por meio judicial. A [quebra de sigilo] fiscal também foi feita pelo tribunal, assim como os pedidos de busca e apreensão. O que eu achei foi que, diante de nulidade que já tinha ocorrido na Castelo de Areia [operação, desencadeada em 2009 pela Polícia Federal, para investigar crimes financeiros envolvendo executivos da construtora Camargo Corrêa], era o caso de adotar uma estratégia diferente, assoberbando o tribunal com pedidos de autorização judicial.

ABr - Esse cuidado pode ter influenciado a demora para o oferecimento da denúncia?
Raquel - Isso acaba fazendo com que haja demora em detrimento de uma celeridade, mas porque a lei exige essa cautela. Embora a lei autorize a quebra e outras medidas, o tribunal está entendendo que não. Preferi não correr esse risco. Preferi não brigar com essa interpretação nessa fase.

ABr - Depois de todo esse tempo, foram confirmadas suspeitas que surgiram no início do inquérito?
Raquel - Há grande coerência em todos os fatos. As provas não são contraditórias entre si, como ocorre em muitas operações. Elas também chegam revestidas de todo o rigor. Quando eu vou examinar um vídeo, eu peço à pericia que faça a identificação de autenticidade, da idoneidade da prova, para não ficar baseada em algum tipo de interpretação. A jurisprudência brasileira indica que, em caso de dúvida, [a Justiça] tem que absolver, para que a acusação tenha firmeza em relação ao que ela imputa a alguém. Qualquer pessoa quer ser tratada assim.

ABr - A demora para o oferecimento da denúncia abre brechas para a prescrição das punições?
Raquel - Estamos muito bem. A prescrição tem mais possibilidade de ocorrer quando a pena é pequena, e quando é um crime só. Mas estamos diante de um caso em que há multiplicidade de conduta criminosa, e que a previsão da pena permite a tranquilidade no nosso trabalho. Alguns [envolvidos] integram uma parte mais de liderança, outros estão mais na linha de executores, outros são coniventes e beneficiários. Cada grupo é composto de mais de cinco pessoas.

ABr - Em quanto tempo a denúncia deve ser apresentada?
Raquel - Espero ser capaz de finalizar a redação no mais breve tempo possível. Darei prioridade absoluta a esse caso. Talvez antes do final do ano. É assim que eu espero. É muito difícil processar crimes de colarinho branco no Brasil, são crimes sofisticados, cuja materialidade é difícil de ser exposta com clareza, com concatenação das evidências. As pessoas que praticam esses crimes procuram dissimular essas condutas, dando aparência de legalidade.

ABr - Como é lidar com a pressão para que o MP ofereça logo a denúncia?
Raquel - É muito saudável que todo mundo esteja acompanhando e atento. A população tem acordado e está exigindo que as instituições funcionem para evitar que o patrimônio público seja dilapidado para satisfazer interesses ilícitos. Acho muito saudável esse movimento.

Edição: Talita Cavalcante//Matéria alterada para esclarecer informação às 13h22.