Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Trinta anos depois da descoberta do vírus HIV no mundo, os pesquisadores brasileiros ainda sonham com condições competitivas para desenvolver uma vacina para o tratamento e prevenção da aids, mas o sonho da comunidade científica esbarra em questões de regulação, principalmente.
A afirmação é da pesquisadora-chefe do Laboratório de Aids da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marisa Morgado. Ela expôs a situação da pesquisa brasileira sobre a aids ao participar hoje (24), na unidade da Fiocruz em Manguinhos, da palestra do pesquisador francês Willy Rozenbaum, um dos integrantes da equipe que descobriu o vírus da aids em 1981.
Para Marisa, é preciso ter investimentos em infraestrutura de laboratórios, aquisição de equipamentos de ponta e capacitação e estímulo à formação de novos grupos de pesquisa laboratorial. Mas, antes de tudo, a pesquisadora revela que um dos problemas que os cientistas mais enfrentam é a dificuldade na importação de produtos usados nos estudos, como reagentes.
“É muito complicado importar no Brasil, leva muito tempo e o produto ainda para na alfândega. Enquanto em alguns lugares você diz que precisa do reagente de manhã e, à tarde, está no laboratório, aqui, a gente leva seis meses [para receber o produto]. É preciso também estimular a produção nacional [de reagentes]”, constatou a pesquisadora.
Apesar desse entrave, a chefe do Laboratório de Aids reconhece os avanços em pesquisas sobre a aids no Brasil. Segundo ela, as publicações sobre a doença têm importante papel na colocação do país como o décimo terceiro no ranking de pesquisas na área de saúde. Marisa destaca, principalmente, os estudos sobre a resistência a medicamentos e as descobertas sobre os vários subtipos virais.
O grande impulso para essas pesquisas foi dado em 1987, quando pesquisadores brasileiros isolaram, pela primeira vez, o vírus HIV. O pesquisador Bernardo Galvão, da Fiocruz/BA, coordenou essa equipe há 24 anos e reconhece, hoje, os resultados da vitória científica e o impacto das ações do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (DST/Aids).
Galvão reconhece que várias políticas públicas, no Brasil, são positivas, mas ele lamentou o fato de essas ações serem formuladas em nível central e, quando vão para a ponta, não são totalmente implantadas. "Temos um problema que transcende a aids, que é da saúde do Brasil em geral”.
Galvão destaca como exemplo o atendimento de obstetras a mulheres grávidas portadoras do vírus. De acordo com levantamentos recentes, nos atendimentos estaduais, apenas 70% dos obstetras seguiam as recomendações do programa nacional. Além disso, 64% dos médicos escolhiam a cirurgia cesariana para o parto, 38% recomendavam o isolamento da grávida e 58% indicavam a ligação de trompas no pós-parto.
Outra realidade apontada como preocupante por Galvão é o acesso tardio ao tratamento, constatado em pesquisas recentes na Bahia. “O tratamento está aí, disponibilizado gratuitamente através do SUS [Sistema Único de Saúde], mas existe um grupo de infectados que não tem acesso a esse tratamento e só vai ter acesso quando a doença está em estágio mais avançado. Alguma coisa precisa ser feita para que [essas pessoas] tenham acesso mais precocemente. Quanto mais cedo tratar, melhor resultado vai se ter”.
Para Galvão, essa constatação se explica, principalmente, pelo fato de o maior número de registros estar concentrado na população mais pobre do país, diferentemente do que ocorria quando o vírus foi descoberto no Brasil.
Edição: Lana Cristina