Denúncia de preconceito contra ciganos em escola no DF permanece sem solução

24/05/2011 - 9h25

 

 

Daniella Jinkings e Marcos Chagas
Repórteres da Agência Brasil

Brasília – A Justiça do Distrito Federal tenta esclarecer um caso que envolve a diretora de uma escola pública e uma criança cigana e que acabou afetando uma comunidade de 150 pessoas na zona rural de Planaltina, a cerca de 40 quilômetros de Brasília. Registrada em 14 de abril de 2010, a denúncia ficou parada durante mais de um ano na Polícia Civil do Distrito Federal. Na semana passada, o delegado responsável enviou as informações colhidas para o Juizado Especial Criminal de Planaltina, que decidirá se abre processo penal contra a diretora ou arquiva o caso.

Na última sexta-feira (20), o juizado encaminhou o inquérito para análise da Promotoria de Justiça de Planaltina, que elaborou parecer e encaminhou o documento conhecido como termo circunstanciado ao fórum da cidade no mesmo dia. Como a vítima é uma criança, hoje com 10 anos de idade, o inquérito correrá em segredo de Justiça.

No dia 13 de abril de 2010, uma aluna cigana, à época com 9 anos, presenciou a diretora da escola na qual estudava reunir um grupo de crianças, na hora do recreio, e pedir para que elas não se aproximassem dos ciganos acampados na área ao lado. Segundo relato da menina, incluído na ocorrência policial, a diretora afirmou que os ciganos “arrancavam olho, cabeça, pernas e braços, cozinhavam e comiam”. Para mostrar quem eram os ciganos, a diretora apontou para Olívia Camargo do Amaral, avó da aluna de 9 anos.

No dia seguinte, a família da criança foi à 31ª Delegacia de Polícia de Planaltina registrar ocorrência sobre o episódio. A secretária da Associação dos Ciganos Calons do Distrito Federal, Marlete Pereira de Queiroz, assinou o documento uma vez que a mãe da menina é analfabeta.

Apesar de o caso ter ocorrido há mais de um ano, a Polícia Civil só começou a colher os depoimentos há duas semanas, um dia depois de a reportagem da Agência Brasil ter ido à delegacia para pedir informações sobre o andamento das investigações.

Segundo o líder da comunidade, Elias Alves da Costa, as cinco crianças ciganas que frequentavam a escola deixaram de ir às aulas depois do episódio. “Ela [a criança de 9 anos] não quis ir mais para a escola, ficou com medo. Depois, a gente conversou com a diretora, mas ela disse que não fez nada.”

Em entrevista à Agência Brasil, a diretora Rosângela Falcão negou qualquer ato de discriminação. “Eles disseram que eu falei que cigano arrancava olho, arrancava braço, isso não aconteceu”, afirmou. Ela contou ainda que, ao tomar conhecimento de que havia uma ocorrência policial envolvendo seu nome, foi à delegacia espontaneamente por considerar “uma coisa muito grave”.

Segundo Rosângela, o grupo de ciganos ocupou parte da área interna do colégio e usava a água destinada à comunidade escolar. “Uma das barracas estava ao lado janela da professora e a fumaça ia toda para a sala”, reclamou a diretora, que permanece no cargo.

Ela disse ter fotos que comprovam a sua versão de que os ciganos ocuparam parte da área pertencente à escola. Entretanto, alegou que essas imagens estavam com a vice-diretora, afastada por problemas pessoais.

A professora Cristina Ribeiro, que prestou depoimento à polícia no dia 11 de maio, também nega que a diretora tenha feito qualquer ofensa aos ciganos ou proibido as crianças de se aproximar da comunidade. “Foi um dia normal e todo mundo da escola se surpreendeu quando chegou uma denúncia tão grave como essa. As aulas foram dadas normalmente durante os dias em que os ciganos [alunos] estiveram nas salas de aula”, contou a professora, que é responsável por acompanhar as crianças na hora do recreio.

De acordo com a Administração Regional de Planaltina, os ciganos tinham autorização para permanecer acampados no terreno ao lado da escola por 90 dias. O então administrador da cidade, Manoel Abadia Sobrinho, disse que enviou uma equipe ao local assim que soube do episódio. Segundo ele, os funcionários não encontraram nenhuma ilegalidade com relação à permanência dos ciganos no terreno.

“Eles ocuparam sempre o lado externo da escola, apesar de estarem perto da cerca. Não chegou ao meu conhecimento que tenham ocupado a área interna”, disse o ex-administrador.

Há cerca de oito meses, a comunidade deixou o acampamento em frente à escola e se mudou para um assentamento no Córrego do Arrozal, área rural de Planaltina.

A assessora parlamentar Marta Pinto, que acompanhou todo o conflito até que os ciganos deixassem o terreno ao lado da escola, confirmou a versão do ex-administrador. “Segundo verifiquei, estavam muito perto do colégio, mas depois da cerca”, disse Marta, que à época era assessora da deputada distrital Érica Kokay (PT-DF), hoje deputada federal.

Na esfera judicial, os próximos passos incluem audiências nas quais devem ser ouvidas a mãe da menina, autora da denúncia, e a diretora do colégio. Após essas audiências preliminares, caberá ao juiz decidir se arquiva o caso ou reenvia à Promotoria de Justiça da cidade.

No caso de a promotora oferecer a denúncia, será instaurado o inquérito judicial. Da mesma forma que o juiz, a promotoria pode recomendar o arquivamento do caso. O inquérito policial foi encaminhado pelo delegado Élio Carafelli como investigação em aberto, sem qualquer tipificação de crime.

A denúncia também foi encaminhada pela Associação dos Ciganos Calons do Distrito Federal à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF). A seção de protocolo informou que o ofício foi encaminhado ao presidente da OAB-DF, Francisco Queiroz Caputo Neto, no dia 15 de abril de 2010, mesma data em que foi entregue. A Comissão de Direitos Humanos, no entanto, não soube informar à reportagem o andamento das apurações.

 

 

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo