Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Representantes de instituições da área médica e de serviços comunitários de recuperação de viciados em drogas e álcool que participaram, hoje (20), de um ciclo de debates sobre o crack na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), do Senado, concluíram que a venda indiscriminada de bebidas a jovens, sem o devido controle por parte do Estado, além de funcionar como uma espécie de porta de entrada para o consumo de drogas, é argumento suficiente para derrubar qualquer iniciativa de liberação do consumo de drogas no país.
O representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, foi um dos mais enfáticos nesse aspecto. “Falar de liberação de drogas é uma piada. Se o governo não tem o mínimo controle no uso de bebidas alcoólicas e cola [de sapateiro], pelas crianças e adolescentes, não terá controle também sobre o consumo das drogas”, afirmou o médico.
Ele também criticou a ausência de profissionais de medicina qualificados para lidar com viciados, nos debates e na formulação de políticas públicas do governo federal. Silveira defendeu a execução integrada entre União, estados e municípios nas ações de combate às drogas.
O médico registrou que tem aumentado o consumo de crack no país e que, em Goiás, por exemplo, 60% dos julgamentos de crimes têm como réus usuários da droga. Ele não poupou críticas a uma “falta de controle” do governo sobre as indústrias químicas que fabricam éter e acetona, insumos fundamentais para o refino da cocaína e, por consequência, do crack, que é um derivado da droga.
O representante da ABP defendeu a estruturação dos postos de saúde da rede pública e de tratamento dos dependentes químicos, com a participação de uma equipe multidisciplinar preparada para esse atendimento específico. “Os serviços comunitários, geralmente realizados por religiosos, são precários e carecem de base científica.”
O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), José Luiz Gomes do Amaral, foi outro participante do debate que defendeu “restrições legais severas” ao consumo de derivados do tabaco e de bebidas alcoólicas. Ele reconheceu, entretanto, o forte poder de pressão das indústrias tabagistas e de bebidas sobre os legisladores brasileiros.
Amaral concordou com o colega da ABP sobre o fato do consumo de álcool e cigarro serem vias para a entrada de crianças e adolescentes no mundo do vício. “A liberação [do consumo de drogas no país] nada mais seria do que o agravamento da maciça propaganda para que os jovens usem tabaco e álcool”, afirmou.
Já o presidente em exercício do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, ressaltou que o consumo de bebidas deve ser a maior preocupação das autoridades públicas nas ações de combate ao tráfico de drogas. Por outro lado, ponderou como fundamental a presença de médicos e psicoterapeutas nos postos da rede pública de saúde, destinados a esse tipo de atendimento.
Corrêa Lima ressaltou que as escolas devem ser integradas no trabalho de reinserção dos jovens dependentes químicos na sociedade. Nesse sentido, ele afirmou que o trabalho “não deve ser jogado nos ombros do governo federal, mas [tem que haver] o envolvimento de toda a sociedade”.
Os dois representantes de instituições religiosas de atendimento e tratamento de dependentes químicos, no debate da CAS, consideraram fundamental a necessidade de se resgatar valores morais dos jovens no processo de tratamento e preparação para que eles sejam reinseridos no convívio social.
O frei Heinrich Stapel, fundador da Fazenda da Esperança, de Guaratinguetá (SP), defendeu a necessidade de revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para que permita aos jovens trabalhar e ter uma qualificação profissional.
“Se eles não sabem produzir [os jovens], quando deixarem o tratamento e voltarem ao convívio na sociedade, vão cair nas drogas”, disse Stapel. Ligada à Igreja Católica, a Fazenda da Esperança conta com outras 77 instituições espalhadas pelo país e 30 em construção. Outro ponto ressaltado por Stapel é a participação efetiva dos pais durante o tratamento dessas crianças e adolescentes. “Eu não aguento gente que fica da arquibancada assistindo o jogo, não entra em campo e, depois, quer dar palpite”.
Já o padre jesuíta, Haroldo Rahm, fundador em Campinas (SP) de instituição que leva seu nome, ressaltou que a maioria das vítimas tratada pelas entidades comunitárias para recuperação de dependentes químicos é de origem pobre. “Essas pessoas não têm acesso à psiquiatra e a psicólogos e, por isso, procuram nossa instituição”.
Apesar de defender a integração entre ciência e entidades religiosas no tratamento dessas pessoas, Rahm discordou da qualificação de doentes, dada aos dependentes químicos, pelos médicos e terapeutas. A seu ver, a recuperação e inserção dos jovens estão vinculadas ao fortalecimento de valores morais e de autoestima, geralmente perdidos por uma desestruturação no núcleo familiar, segundo ele.
Edição: Lana Cristina