Quilombolas e ativistas lançam movimento em defesa da titulação de terras

31/01/2010 - 10h08

Juliana Cézar Nunes
Repórter da Radioagência Nacional
Brasília - Líderesquilombolas, ativistas que atuam em defesa da igualdade racial erepresentantes do movimento social lançaram durante o Fórum SocialMundial, em Porto Alegre, um Movimento Nacional em Defesa daTitulação e Desenvolvimento Sustentável dos TerritóriosQuilombolas. O manifesto de criação, assinado por entidades como oMovimento Negro Unificado (MNU) e o Instituto de Assessoria àsComunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul(Iacoreq), critica o ritmo de andamento dos processos deregularização.O documento classifica como uma ameaça aosdireitos quilombolas a ação direta de inconstitucionalidadeapresentada pelo partido Democratas no Supremo Tribunal Federal (STF)contestando decreto presidencial de 2003 que estabelece normas para aregularização das terras.Os quilombolas e ativistasdefiniram uma agenda de mobilização e articulação com plenáriasestaduais entre os dias 21 e 31 de março e definiram 22 de abrilcomo o Dia de Jornada de Luta Quilombola. “É uma agenda deluta para tirar da morosidade institucional a titulação dosterritórios quilombolas”, define a presidente do Movimento NegroUnificado (MNU) Vanda Gomes Pinedo. “Começamos essa mobilizaçãoaqui com quilombolas do Sul, mas nossa intenção é ampliar paramovimentos e articulações quilombolas e negras do Brasil todo.”De1995 a 2008, 106 comunidades quilombolas receberam o título dasterras. As associações quilombolas estimam, no entanto, que existamquase 5 mil comunidades no país. O Instituto Nacional de Colonizaçãoe Reforma Agrária (Incra) é o responsável pelo processo deregularização. De acordo com a Secretaria de Promoção dePolíticas de Igualdade Racial (Seppir), questionamentos judiciaisfazem com que os processos de titulação sejam mais lentos. “Noano passado começamos o processo de desapropriação de 30 áreasquilombolas. Não podemos, em nome dessa ansiedade de algunssegmentos da sociedade, atropelar a legislação e jogar por terratodo um trabalho feito com às comunidades”, diz o ministro daSeppir, Edson Santos.Para ele, cabe ao movimento social fazer“pressão”, até porque a regularização das terras não dependeapenas do Executivo, mas também envolve o Judiciário. “Temoscerteza que estamos indo no caminho certo. Estamos concertando errosdo passado e não vamos, mesmo levando em conta a pressão, tratarirresponsavelmente a questão da terras quilombolas.”MariluzMarques, líder da comunidade quilombola Paiol de Telha Fundão, deGuarapuava, no Paraná, acredita que parte dos entraves está na influência de políticos e agricultores interessados em nãoperder terras. Pelos cálculos dos quilombolas, a comunidade do Paiolreúne cerca de 500 famílias em 3,6 alqueires. Parte dessas terrasestaria ocupada por agricultores. “Os quilombolas sãodescendentes de africanos que não tiveram voz e nem vez quando foramtrazidos pra cá e continuam sem voz nem vez."Emmanuel Farias, um dos pesquisadores do projeto NovaCartografia Social, afirma que a ausência de titulação deixavárias comunidades quilombolas vulneráveis a ameaças e violência.Doutorando em antropologia, ele atua no mapeamento das comunidades apartir de depoimentos dos próprios quilombolas.“O Brasil éum país construído com bases racistas, escravocratas e as pessoasprecisam lutar para dizer que existem, que têm problema com oterritório, que pessoas, empresas multinacionais e mineradoras estãoinvadindo o território. Por isso, é tão importante que osquilombolas da Amazônia, da Região Sul e de todas as regiões seunam nesse movimento para reivindicar seus direitos”, avaliaFarias. Carlos Artur Bittencourt, da comunidade quilombola deCasca, a 140 quilômetros de Porto Alegre, conta que as famíliasestão ansiosas pela titulação da terra. De acordo com ele, acomunidade abriu mão de parte dela, inclusive em área de praia,para chegar a um consenso com o setor imobiliário local e acelerar oprocesso de titulação. “Nosso sustento vem da plantação dearroz e cebola. Somos felizes aqui. A comunidade tem cerca de 100famílias que desejam esse título para honrar os antepassados.”