Para advogada, cor não impede acesso à universidade

28/07/2009 - 9h21

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - No dia 20 de julho aadvogada Roberta Fragoso Menezes Kaufmann protocolou uma ação demais de 600 páginas pedindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendaimediatamente a política de cotas para estudantes negros e indígenasda Universidade de Brasília (UnB). A ação foi encampada pelopartido Democratas.Roberta Kaufmann quer ainconstitucionalidade do sistema de cotas e avalia que é apenas “umapolítica simbólica”, que beneficia a classe média negra e nãocria mais vagas na universidade pública. A advogada diz ser a favor decotas sociais, mas não raciais e também deixa claro ser contra oracismo. “Práticas de racismo não podem ser toleradas. Devia sercrime hediondo. Uma pessoa racista deve ser banida socialmente eeticamente.”Mestre emdireito pela UnB – com a dissertação Ações Afirmativas àBrasileira: Necessidade ou Mito? Uma Análise Histórico-Jurídico-Comparativa do Negro nos Estados Unidos daAmérica e no Brasil –, a advogada teme a importação de políticasafirmativas e avalia que é muito difícil separar, no Brasil, quem é negro e quem é branco. Para ela, a cultura negra é central na identidade brasileira: “ossímbolos nacionais são relacionados à cultura negra”. Confira os principais trechos da entrevista concedida à Agência Brasil

Agência Brasil: Que motivos a levaram a entrar com uma ação contra as cotas no Supremo Tribunal Federal?Roberta Kaufmann: Essa é umaquestão que foi objeto de estudo de mestrado que defendi na UnB.Para mim essa é uma questão crucial na sociedade brasileira, elavem sendo tratada de maneira precipitada. Tanto o racismo quanto aignorância são extremamente prejudicais para o trato da matéria.Nesse sentido, eu me apresentei voluntariamente para ser advogada doDemocratas porque fiquei sabendo que o partido também era contrárioa essa política de cotas raciais. Então me apresentei ao senadorDemóstenes Torres (DEM-GO), expliquei o que foi a minha dissertaçãoe perguntei se tinha interesse. O partido político é um doslegitimados no STF [Artigo nº 103 da Constituição]. Eleaceitou a idéia e juntos nós estamos agora entrando com essaArguição de Preceito Fundamental [ADPF] para tentar acabar com ascotas raciais no Brasil.

ABr: Sua expectativa é queseja revista a aprovação do último vestibular e das matrículasque foram feitas recentemente?Roberta:  A questão é maisampla. O problema é o seguinte: o STF até hoje não se manifestouquanto à questão das cotas raciais apesar de já existirem mais de80 universidades com sistemas de acesso privilegiado. Havia antes umaAção Direta de Inconstitucionalidade [Adin nº 31/1997] que tratavadas cotas raciais lá no Rio de Janeiro. No entanto essa Adin perdeuseu objeto porque a lei foi revogada. Não temos as cotas raciaissendo discutidas na Corte constitucional. Não é possível que umdebate tão importante para o país não esteja sendo realizado pelotribunal constitucional. O que vemos hoje são decisões de juízesde 1º grau e de desembargadores de 2º grau, tanto nos tribunaisregionais federais quanto nos tribunais de justiças, decisõesdiscrepantes sobre o assunto. À medida que a discussão chegar aoSupremo será pacificada.

ABr: A legislação brasileiraprevê há mais tempo cotas para portadores de deficiência e para aparticipação das mulheres como candidatas nas eleições. Por que acota racial é que gera polêmica?Roberta: Isso são açõesafirmativas para integrar minorias. O que é minoria depende docontexto histórico, político, social de cada país. Jamais umapessoa que tenha um mínimo de esclarecimento acerca do direitopoderia ser contrário a uma política de ações afirmativas. Nósadotamos no Brasil um modelo de Estado social que é um modelo que sepreocupa com as minorias e quer integrá-las à sociedade. Uma pessoaque é cega não pode concorrer em igualdade de condições com umapessoa que tenha visão perfeita. Uma pessoa paraplégica, um portadorde uma deficiência mental ou deficiência física não pode jamaisser considerado igual. Infelizmente, eles tiveram algum tipo dedeficiência ao longo da vida e isso faz com que o Estado aja parasuprir essa deficiência. Ser a favor de políticas de açõesafirmativas como gênero não significa ser a favor de qualquerpolítica de ação afirmativa para qualquer minoria. Recentemente,analisei uma pesquisa que diz que 87% dos estudantes brasileiros têmpreconceito contra os homossexuais. Homossexuais são uma minoria.Isso quer dizer que necessariamente haverá uma política de cotaspara integração dos homossexuais nas universidades? Não. O fato dehaver preconceito não impede que eles por mérito consigam ter vagasnas universidades. O problema não é apenas saber se existepreconceito ou discriminação, a questão é saber se estepreconceito ou essa discriminação atuam de maneira que essasminorias não consigam atingir vagas. No Brasil, o negro nãoconsegue ter acesso à universidade por que ele é negro ou por queele é pobre? Por que ele não consegue a qualificação necessáriapara se preparar? Afirmamos a necessidade de açõesafirmativas, no entanto, acreditamos que o problema da integraçãodo negro no Brasil não decorre exclusivamente por conta da cor,apesar de reconhecer o problema de discriminação e preconceito nasociedade brasileira. Esses não atuam de maneira a impedir o acessodo negro à universidade.

ABr: Na sua opinião, ocritério socioeconômico seria mais objetivo e eficiente?Roberta: A escravidão trouxeuma consequência perversa: o negro é atrelado ao pobre. Setenta porcento dos pobres são negros. Na medida em que se faz políticas deassistência para os pobres, os negros são atingidos, assim se ataca averdadeira causa do problema , que é a pobreza e não a negritude, acor da pele, sem o ônus de racializar o país. Se nós formosanalisar as políticas de direito comparado que foram inseridas apartir de um Estado racializado - como o apartheid da África do Sul,como o estado segregacionista dos Estados Unidos e a políticaimplementada em Ruanda -, todas essas políticas que levaram a raçacomo critério de definir a distribuição de direitos forampolíticas que mais distribuíram ódio entre as pessoas do queefetivamente integraram. Eu consigo perceber isso claramente na UnB.Quando eu abro a boca para dizer que sou contra a cota racial, eupercebo o ódio expresso das pessoas que muitas vezes sequer meconhecem ou analisaram o que eu escrevi e vem dizer que o meudiscurso é racista. Para nós nos integramos temos que nos assumircomo brasileiros e não apenas brasileiro branco, brasileiro negro,brasileiro pardo. Mesmo porque não há um critério claro paradefinir quem é branco e quem é negro no Brasil.

ABr: Mas essa política fezcom que os Estados Unidos tenham hoje um presidente negro. A políticafoi eficiente, não?Roberta: De jeito nenhum. MartinLuther King sempre foi contrário à política de cotas. Ele queria aintegração dos pobres. A Marcha para Washington que ele comandoucom centena de milhares de pessoas não era marcha de negros era umamarcha de pobres. Ele queria a integração dos pobres. Barack Obamaem nenhum momento levou em conta o discurso racial. Em nenhum momentoele abriu a boca para dizer 'eu sou um negro competente'; ele disse'eu sou competente'. Já dizia o célebre discurso de Martin LutherKing: 'vai chegar o dia que os descendentes de escravo e osdescendentes de senhores de escravo conseguirão sentar-se na mesa dafraternidade juntos e servirem-se da mesma refeição sem ter quequestionar pela cor da sua pele, mas tão somente pelas qualidades doseu caráter'. Barack Obama é um gênio pelo caráter e não pelacor da pele.