Agência vira vidraça na cobertura de assuntos econômicos

27/02/2009 - 6h26

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Esta Ouvidoria tem recebido muitas mensagens questionando alinha editorial da Agência Brasil.As principais demandas sobre o assunto são aquelas que acusam a ABr de imprimir um caráter ideológicocontrário ao governo nas notícias sobre economia. Por exemplo, para o leitor José Ivan Aquino, gestorgovernamental, , as matérias sobre os índices de inflação: Inflação oficial tem em 2008 maior resultado dos últimos quatro anose Meirelles diz que controle da inflaçãoreflete política de juros adequada, publicadas nos dias nove e dez dejaneiro, “não diferenciam os repórteres ejornalistas da Radiobrás [EBC] dos demais no trato imprópriocontra o governo nas questões econômicas. São pessimistas e catastróficos paraalimentar o pânico como fazem O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo,apenas para enfraquecer o presidente Lula e para fortalecer a oposição.”Outro leitor que se referiu às notícias sobre economia foiJoão Franzin, jornalista e assessor sindical: “...para divulgar notícia negativa nós já temos O Globo, Estadão, TVGlobo e outros mais. Não precisa ser chapa-branca. Mas será que não há notíciapositiva a ser divulgada?”, referindo-se à matéria Indústria de máquinas e equipamentos sofrecom inadimplência e queda nas vendas,publicada no dia 15 de janeiro. No mesmo sentido, o leitor Luiz Moura protestou, dizendo-seassombrado com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)do Ministério do Trabalho e Emprego, sobre demissões e geração de empregos noano de 2008, publicados na matéria Paíscria 1,4 milhão de postos de trabalho em 2008. Para ele “o repórter deve prestar mais atenção ao quelê e escreve“ e pergunta: “Será quenão é suficiente termos que tolerar a mídia golpista deste país manipulandoinformações a torto e a  direito?”. Em resposta aos leitores a ABr informou que: "Por definição-  dentro de sua missão deproduzir informação pública voltada ao cidadão- a Agência Brasil não pode sepautar, como os leitores sugerem, por uma visão ideológica , de defesa ouataque as políticas de governo: o nosso jornalismo é pautado pelanotícia que vai influir na vida do cidadão, seja na cobertura de um assunto deeconomia, de meio-ambiente, de gestão pública, de direitos civis,de etnias etc.É nosso dever produzir informação -sem qualquer tipo deinterpretação- de acordo com a realidade dos fatos e com opiniões de todas aspartes envolvidas, dentro de uma prática cidadã."Em todos os casos citados a Agência limitou-se a divulgar dados estatísticos produzidospor órgãos governamentais. Em nenhuma das matérias publicou qualquer opinião oujuízo de valor. As fontes ouvidas foram apenas institucionais desses mesmosórgãos (presidente do Banco Central, ministro do Trabalho e técnicos do IBGE).A única exceção, que não pertence ao governo, foi o vice-presidente daAssociação Brasileira de Indústrias de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), CarlosNogueira, que falou sobre os efeitos da crise financeira internacional para ofaturamento do setor que representa. Sequer especialistas que poderiam,eventualmente, apresentar alguma crítica à política econômica do governo,  foram ouvidos.Então devemos nos perguntar: do que reclamam os referidosleitores? O que eles querem ler? Será que querem que as informações queconsideraram “negativas” para ogoverno sejam omitidas e que a ABr publique apenas “asnotícias positivas”, como sugere um deles?   A Agência Brasilsempre tem apresentado ao lado de uma notícia “negativa”, outras “positivas", oupelo menos, matérias em que autoridades governamentais explicam os dados e osjustificam, ressaltando o lado positivo do fato. Na questão dos índices deinflação o presidente do Banco Central aproveitou a oportunidade parajustificar a política de juros elevados; na do emprego, o ministro do Trabalhoressaltou que o resultado foi o terceiro melhor da série histórica; e na dacrise do setor de máquinas foi ouvido, no mesmo dia 15 de janeiro, o própriopresidente Lula que reiterou que “oBrasil é o país mais preparado para enfrentar a crise”.As queixas dos leitores parecem mais relacionadas às suasexpectativas e desejos quanto ao posicionamento da Agência Brasil do quea uma tendência "golpista" objetivamente observável nas matériascitadas. No entanto, não se pode negar que o modelo de cobertura de assuntoseconômicos possa inspirar as mais diversas leituras, assim sendo, talvez oproblema seja outro. Dados, estatísticas e pesquisas não falam por si só.Permitem diversas leituras e interpretações a partir do uso político ouideológico que se fazem deles. Do ponto de vista do interesse público, da vida,do cotidiano do cidadão, dizem pouco ou mesmo nada. A sua divulgação geralmenteé pautada por quem os produziu ou encomendou, que por sua vez emprestará suaversão aos números obtidos. São pautas nas quais é ouvida apenas uma fonteinstitucional, uma autoridade de plantão, portadora da verdade unívoca que ficaem seu gabinete esperando que o repórter vá buscá-la. O emprego e o desemprego são tratados apenas como cifras,números estáticos que fazem parte de uma realidade virtual deslocada e descoladado cotidiano dos trabalhadores, da qualidade do emprego, do nível de renda,principalmente daqueles mais de 50% empregados informalmente, e que asestatísticas oficiais insistem em ignorar. Talvez os índices de inflação,objetos de adoração de economistas e autoridades, possam explicar tudo paraeles mesmos, mas não refletem a carestia e as dificuldades que o cidadão sentepara colocar um alimento de qualidade na mesa de sua família.  A própria crise financeira internacional é servida ao leitorsempre sob o ponto de vista de banqueiros, autoridades monetárias, financistas,empresários e especuladores, apresentando-se de maneira quase incompreensívelpara o cidadão. Este último, leitor da ABr,parece estar procurando certezas em meio a tantas informações desencontradas.Em quem confiar? No que diz o presidente ou o ministro? No que diz oempresário? No que diz o banqueiro? No que diz a mídia “golpista”? Todas essas dúvidas parecem agravar-se principalmente quandoa linguagem (ou seria um dialeto?) utilizada nas matérias é totalmenteincompreensível para a maioria dos mortais. É o “economês”, puro e sofisticado,amplamente utilizado pela academia e pelos círculos financeiros. É umalinguagem que aparta, que exclui o cidadão desses assuntos, como a lhe dizer –mantenha-se afastado, não se preocupe, deixe que os especialistas e asautoridades pensem por você!”. Como exemplo do que estamos falando, diversos leitores semanifestaram sobre a matéria: Analistasprevêem queda de 0,75% na taxa de juros nesta quarta-feira, publicada nodia 19 de janeiro.  Em apenas 15 linhasa notícia apresenta 25 índices e 19 siglas ou termos econômicos, que vão desdea taxa básica de juros até a Dívida Liquida do Setor Público, passando por doisindicadores de inflação, estimativas de investimentos estrangeiros e daprodução industrial, dentre outros. Tudo isso para o leitor processar em alguns segundos e, provavelmente,concluir que não sabe nada sobre economia. Então perguntamos: para que serveuma notícia dessa? Com quem a ABr  está falando? Com economistas? Combanqueiros? Certamente não. Esses têm fontes especializadas para se informar,até porque, segundo o leitor Luciano Meira, a matéria contem “uma tonelada de erros”.Até que ponto não foi exatamente esse tipo de cobertura, queexclui a opinião pública dos assuntos econômicos, uma das principaisresponsáveis para que o chamado “mercado” construísse o caos financeiro em queestamos atolados? Uma crise sem precedentes, provocada por poucos que lucrarammuito com a conivência de governos e de Estados, e que agora estamos todossendo chamados para pagar a conta.A Agência Brasil,como espaço público, tem a missão de prover o cidadão de informações úteis para as decisões que ele toma nodia-a-dia, ao ter que administrar a escassez de recursos, para formar umaopinião crítica sobre a realidade, e para entender sua existência no mundo emque vive. Se não facilitar essa compreensão, para que serve a cobertura deassuntos econômicos na ABr? Aresposta a essa pergunta precisa estar clara, pois as pedras virão de todas asdireções e a ABr será apenas mais uma vidraça. Até a próxima semana.Leia aqui a resposta da Agência Brasil:"O notíciário de economia, de fato, tomou mais espaço naspáginas da Agência Brasil pela dimensão da crise financeira internacional.Entendemos como uma obrigação informar ao leitor todas as decisões adotadaspelas autoridades na área fiscal e monetária. Apenas para ilustrar um de seusaspectos,  pode trazer consequências graves sobre o empregos e a renda daspopulações mais pobres. O cidadão tem o direito de ser informado sobre decisõesdo aumento dos juros, que pode influir nos seus compromissos financeiros oumesmo sobre a queda dos empregos. Aí temos um grande desafio. Como uma Agênciaem tempo real somos obrigados a publicar imediatamente as decisões de juros,inflação, desemprego etc. Em geral são textos mais objetivos dando ainformação, como fazem todos os veículos. O que procuramos fazer, em um segundomomento, é contextualizar a decisão de governo fazendo uma apuração com asdiversas partes envolvidas. Na última semana publicamos um amplo material, a partirde conversas com trabalhadores, empresários e economistas, sobre os números deempregos do Caged, do Ministério do Trabalho. Da mesma forma, Agência Brasil vem registrando todos os indicadores relativosaos efeitos da crise mundial no Brasil. São informações de órgãos do governo(Banco Central, Ministério da Fazenda, institutos de pesquisa (IBGE, Ipea,Iedi), organismos internacionais (OIT, FMI, Banco Mundial OCDE), entidadesempresariais (CNI, Fiesp, associações setoriais), sindicatos de trabalhadores.&-Um caso interessante foi a notícia Economia brasileira foi a menos atingidapela crise econômica mundial, diz OCDE (http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/01/12/materia.2009-01-12.5997088441/view),veiculada no dia 12 de janeiro de 2009. Os jornais de grande circulação ignoraram a notícia de uma entidade (a OCDE)que está fora da discussão política interna brasileira. O único a publicar anotícia foi o Valor Econômico, que reproduziu na íntegra o material da AgênciaBrasil.