STF retoma julgamento de demarcação da Raposa Serra do Sol

10/12/2008 - 5h20

Marco Antônio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) retomahoje (10) o julgamento de ação que contesta ademarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol(RR) em faixa contínua. Está em jogo a permanênciade um grupo de grandes produtores de arroz e de aproximadamente 50famílias de agricultores brancos em parte da área de1,7 milhão de hectares, homologada pelo governo federal emabril de 2005, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang. Há, ao todo, no STF 33 açõesque contestam a demarcação. A que está emanálise foi protocolada pelos senadores de Roraima AugustoBotelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB), mas a decisão seráextensiva às demais. O julgamento foi iniciado em 27 de agostodeste ano e suspenso por um pedido de vista do ministro Carlos AlbertoMenezes Direito, após o relator, ministro Carlos Ayres Britto,ter votado pela manutenção da demarcaçãocontínua, com a saída de todos os não-índiosda reserva. Britto rejeitou argumentos quanto à suposta falsidade do laudo antropológico e a proliferaçãoestimulada de comunidades na área. Ressaltou ainda existirem Roraima terra em abundância para toda a populaçãodo estado, ao rebater a tese de que a reserva teria dimensõesexageradas e comprometeria o desenvolvimento da economia estadual. .“Só a demarcação peloformato contínuo atende os parâmetros da Constituição,para assegurar aos índios o direito de reproduçãofísica, de reprodução cultural, de manter seususos, costumes e tradições. A mutilação,com demarcação tipo queijo suíço,fragmentada, inviabiliza os desígnios da Constituição”,assinalou o relator. “A presença dos arrozeiros subtrai dosíndios extensa área de solo fértil e degrada osrecursos ambientais necessários à sobrevivênciados nativos da região”, acrescentou. Diante da posição do relator, osarrozeiros, políticos locais e índios ligados àSociedade de Defesa dos Indígenas Unidos de Roraima(Sodiu-RR), que apóiam a permanência dos brancos,comemoraram o pedido de vista, sob o argumento de que ganhariam tempopara convencer os demais ministros do STF. O líder dos arrozeiros e prefeito dePacaraima - cidade nos limites da reserva -, Paulo CésarQuartiero, atacou o voto do relator e disse sentir vergonha de pagarimpostos no país. A produção de arroz  representa 6% do PIB [o Produto Interno Bruto] do estado e gera cerca de 2 mil empregos diretos, segundo o governo estadual. Já as lideranças do ConselhoIndígena de Roraima e a direção da FundaçãoNacional do Índio (Funai) classificaram o voto de Britto comohistórico para a consolidação dos direitosindígenas no Brasil.Os votos dos outros dez ministros do STF devem pôrfim à polêmica e estabelecer parâmetros parafuturos julgamentos relativos ao reconhecimento de áreasindígenas no país. Desde o início do ano foi instalado umclima de tensão em Roraima em relação aoassunto, que motivou coberturas especiais da Agência Brasil.Uma operação da Polícia Federal (PF) esteveprestes a ser deflagrada em abril para a retirada à forçados não-índios. Na época, pontesde acesso à terra indígena foram destruídase uma basede resistência armada foi montada na Vila Surumu pelos quese negavam a deixar a reserva. Uma liminar do STF evitou o confronto. Centenas de agentes daPolícia Federal e da Força Nacional de Segurançamonitoram a área. Em maio, Quartiero chegou a ser preso depois queíndios foram baleados por funcionários doprodutor quando construíam malocas nos limites de sua propriedade. Em outubro, o líder arrozeiro foi derrotado nas urnas ao tentar sereeleger na prefeitura de Pacaraima.As comunidades indígenasse dividem entre o apoio e o repúdio aos produtores de arroz, sentimentos potencializados pela influência religiosa.Comunidades evangélicas não se opõem àpermanência dos arrozeiros, enquanto as católicas querema expulsão. Uns dizem que os produtores geram emprego, outrosque eles degradam o meio ambiente e ameaçam as tradiçõesindígenas. Os dois lados acompanharam apreensivos pela televisão, na Vila Surumu, o julgamento em agosto.