Mais de 300 mestres da cultura popular transformam encontro em celeiro de histórias

05/12/2008 - 18h50

Morillo Carvalho*
Enviado Especial
Crato (CE) - Com a oralidade ou com as mãos, o corpo, a voz ou o sagrado, eles se tornaram mestres da cultura popular. Mais de 300 deles estão no Cariri, região verde no meio do sertão do Ceará, onde ficam as cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Até amanhã (6), esses municípios sediam o 4º Encontro Mestres do Mundo e o 3º Seminário Nacional de Culturas Populares. Na programação, todas as manhãs, acontecem em Crato as chamadas rodas de mestres.São momentos de diálogo com a população e de troca de saberes entre os mestres. Num clube da cidade, distante 10 quilômetros de Juazeiro do Norte, eles interagem livremente em cinco rodas – que correspondem às linguagens que desenvolvem. Mestre Raimundo Anicete é um deles. Comunicativo, conduz a Banda Cabaçal dos Irmãos Anicete, uma das mais populares da cidade. E ela existe há duas gerações: são 175 anos de existência.“A minha banda foi meu pai quem fundou. Ele faleceu com 104 anos de idade. Deixou seis filhos aqui, todos tocadores. Esses meninos são todos mestres, artistas da nossa região. Antes de falecer, ele pediu que nós não deixássemos a banda acabar”, conta Raimundo, que, embora chame os irmãos de meninos, é o mais novo, com 75 anos.Bandas cabaçais são formadas por instrumentos rudimentares como o pífano e a zabumba, normalmente confeccionados pelos próprios músicos. Mestre Raimundo trabalha com a linguagem do corpo e do som – entre as rodas de mestres, esta é a mais animada, já que a população e os participantes do evento se empolgam e dançam ao som dos folguedos.Na roda dedicada aos mestres que fazem arte com as mãos, uma senhora de 77 anos chamava a atenção. Vestida de papéis de balas, embalagens e pedaços de tecidos, mestra Efigênia Ramos brinca com todos os que atravessam sua barraca, em que coloca à venda obras de arte feitas de todo tipo de material reciclável. Ela é de Curitiba (PR), e desenvolve este trabalho há quase 20 anos. Em sua cidade, fundou o Museu Vida do Papel de Bala.“Eu sou uma alta defensora do planeta, defendo todos os animais, defendo tudo. Dou vida ao planeta Terra. Por um papelzinho de bala que encontrei numa rua, que pensei que era uma jóia, descobri que posso fazer tesouros e ajudar a salvar o planeta”, diz. E a relação dela com a confecção das peças de material reciclável vai além da mera criação. Ao encontrar cabeças de bonecas no lixo, ela constrói o restante do corpo e cria histórias sobre elas.Ela desenvolve, ainda, uma relação quase religiosa com o trabalho: diz escutar vozes interiores que a conduzem e a fazem criar. Mas as histórias e saberes religiosos mais marcantes estão entre os mestres que participam das rodas de mestres do sagrado. Um deles é o pajé Luiz Caboclo, da aldeia dos tremembé de Almofala, em Itarema (CE). Ele diz que já expulsou perturbações diabólicas do corpo de pessoas, mesmo estando longe delas.“Tentamos sensibilizar e dialogar com as pessoas para que elas não se sintam infelizes. Orientamos mulheres grávidas a não dizerem palavras feias, porque tudo influencia na formação do filho. Quando o cérebro está se formando, no seio da mãe, pode ser bem-sucedido ou mal-sucedido, dependendo do que ele escutar”, argumenta.O Cariri tornou-se um celeiro de histórias como essas nestes dias de encontro de mestres.