Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A distribuição de terras por meio da reforma agrária não inviabiliza a existência de uma agricultura de exportação forte. Os dois modelos podem coexistir, como ocorre no Brasil. A análise é do ex-ministro de Agricultura do Chile no governo de Salvador Allende, Jacques Chonchol, que participa da 10a Reunião Especializada de Agricultura Familiar do Mercosul (Reaf). O encontro começou ontem (22) e vai até o dia 27, reunindo cerca de 300 representantes da sociedade civil, integrantes de governos e ministros de sete países sul-americanos no Rio de Janeiro.“Ao contrário dos seus vizinhos, o Brasil tem muita terra agrícola. Pode ter simultaneamente a agricultura de grande exportação e uma agricultura familiar com mais disponibilidade de terras”, afirmou Chonchol, que dirigiu o Instituto de Altos Estudos da América Latina da Universidade de Paris. Ele considera que o tema reforma agrária saiu da pauta da maioria dos países da América Latina, com exceção do Brasil, Bolívia, Paraguai e Venezuela, onde governos de esquerda incentivam a discussão. Segundo ele, em alguns países, como Argentina e Uruguai, jamais houve qualquer iniciativa de reforma agrária. “Sequer durante o peronismo [dos ex-presidentes Juan Domingo Perón e Isabelita Perón]”, frisou.Chonchol destacou o processo por reforma agrária que ocorre atualmente no Paraguai, país que registra o maior percentual de pequenas propriedades do Mercosul. Cerca de 93% dos estabelecimentos rurais paraguaios são de agricultura familiar, comparados a 85% no Brasil ou a 78% na Argentina.“Sempre houve uma pressão social muito significativa no Paraguai, que não tinha nenhuma possibilidade de êxito, com os governos anteriores. Este presidente [Fernando Lugo] quer fazer uma reforma agrária, mas tem uma dificuldade, pois não tem maioria no Parlamento. Outro problema são os brasiguaios, latifundiários [brasileiros] que ocupam parte importante da fronteira”, analisou Chonchol.Segundo ele, outro país que desenvolve um processo de reforma agrária é a Bolívia, onde o presidente Evo Morales tenta reassentar milhares de indígenas pobres em terras férteis do Departamento de Santa Cruz, dominado por latifundiários de origem européia.“Nos Andes já houve, em décadas passadas, reforma agrária. O desafio agora é dividir a terra da planície, que está nas mãos dos latifundiários”, explicou.Chonchol rebate a tese de que a agricultura de exportação, como soja e cana-de-açúcar, só é viável em grandes propriedades. “Isso não é verdade. Essa afirmação sempre foi defendida pelos grandes capitalistas, de que só eles teriam condições de investir em maquinário e tecnologia. Nos latifúndios, os ganhos de produtividade têm custo muito alto, com uso intensivo de fertilizantes e de maquinário”, criticou.A agricultura familiar é responsável por 9% do Produto Interno Bruto (PIB) do Mercosul e responde por quase 70% da produção de alimentos, envolvendo 20 milhões de pessoas, segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).Para o ex-ministro de Allende, o processo de distribuição de terras e apoio à agricultura familiar não pode parar no Brasil, independentemente de qual seja o próximo governo. “Qualquer que seja o futuro presidente, temos que acelerar a reforma agrária. Uma boa parte do emprego agrícola vem da agricultura familiar. Se ela tiver apoio, poderá ser uma base de estabilidade muito importante para permitir o equilíbrio entre o urbano e o rural”, afirmou.