Especialistas dizem o que fazer para combater racismo por meio do Judiciário

23/11/2008 - 13h54

Pedro Peduzzi
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Processaralguém por crime de racismo ou por injúria racial épossível e, segundo especialistas em direito, necessáriopara reforçar o debate sobre o assunto no Poder Judiciário. Mas nemsempre as pessoas sabem exatamente quais são os procedimentosque devem ser adotados. Muitas vezes a dificuldade está em identificar situações que podem configurar crime, mas, de tão comuns na sociedade,parecem normais. Advogadoe professor de cursos de direito, Douglas Martins enumerasituações que podem indicar práticas racistas:“Ao ser impedido de ingressar em determinado espaçofranqueado a todos, por razões de origem racial; ao serpreterido em processo seletivo devido à cor da pele; ou ao serdiscriminado na prestação de serviços e práticasdo gênero, a vítima deverá comunicar o fato aoMinistério Público para que seja distribuídaação penal”.Odiretor executivo do Centro de Estudos das Relações deTrabalho e Desigualdades (Ceert), Hédio Silva, sugere que aprimeira coisa a fazer nessa hora é manter a calma paraanotar o máximo de informações. Ele reconhece não ser fácil, mas diz ser necessário"que nesse tipo de situação de violênciainominável, que obviamente tira a pessoa do estado emocionalnormal, não se deixe de anotar dados, circunstâncias enomes de pessoas que se disponibilizem a testemunhar no inquéritopolicial ou no processo criminal”.“Quantomais informação, detalhes e dados forem registrados,melhor. Anotem em qualquer pedaço de papel, porque aexperiência nos mostra que é grande o risco de, depois,eles caírem no esquecimento. E eles serão de grandeutilidade no encaminhamento do inquérito policial e naprodução de provas e darão margem a açãopenal, cível, trabalhista ou o que for”, explica Hédio,que é doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica e foi secretário deJustiça de São Paulo entre 2005 e 2006.Militando há 30 anos contra a discriminação racial, o advogado destaca que primeiro é importante o indivíduo acreditar que as ações contra práticas racistasestão a favor da pessoa que é discriminada.“Nãodeixe de levar o problema ao conhecimento do Judiciário. Édurante os primeiros dias que a pessoa se sente mais violentada.Depois, com o passar do tempo, ela pode acabar desistindo da ação,o que em nada ajuda. Não desista nunca. Assim, a gente levarácada vez mais o debate para o Judiciário. E um dia alegislação contra o racismo no Brasil terá aaplicação que qualquer lei deve e merece ter”,completa.A advogada Vera Santana Araújo, militante há 25 anos nomovimento negro, também reforça a importância de denunciar as situações de preconceito e racismo para fortalecer a atuação da Justiça nessa área.“Acada ocorrência de manifestação do preconceito, amáquina judiciária deve ser acionada. Neste sentido, aprimeira dificuldade a ser derrubada é quanto ao corretoenquadramento jurídico do fato. Apesar de a criminalizaçãodo racismo ser fruto de disposição constitucional,ainda hoje toda a mídia – e o que é mais grave,muitos profissionais do direito – continuam se reportando àLei Afonso Arinos, que tratava do preconceito de raça ou corcomo contravenção penal, o que significa uma condutamenor, sem a gravidade das condutas criminosas”, argumenta.A advogada alerta que as vítimas não devem se omitir, mesmo quando abaladas em função da discriminação sofrida, para não reforçar a atitude do agressor e a impunidade na sociedade. “Aexposição às mais diversas formas de preconceitoe discriminação acabam se confirmando e, nãoraras vezes, o abalo da pessoa ofendida é tamanho, que a mesmanão reage. Essa omissão resulta por alimentar noagressor a confirmação de que o fato não érelevante, não tendo por que ser punido”, complementaVera.Segundo ela, a vítima do preconceito racial deve procurar uma delegacia de polícia, o MinistérioPúblico ou o Ministério Público do Trabalho,quando “a dignidade for ofendida nas relações detrabalho e, especialmente, se for vedado acesso a emprego, ascensãofuncional, ou qualquer circunstância decorrente dopreconceito".Vera Araújo destaca que nas relações de trabalho,várias medidas devem ser acionadas além doaspecto criminal, comum, pois o caso também pode configurar faltaadministrativa, agravada se cometida no âmbito da administração pública. "Além da sanção criminal,deve-se, em qualquer hipótese, fazer ajuizamento de açãopor danos morais e materiais, conforme cada caso, avaliadas todas ascircunstâncias que envolvam o fato”, ressalta.A militante lembrou ainda que em algumas cidades as organizações do movimento negro contam com estrutura de atendimento jurídico a vítimas do preconceito, mas frisou que mesmo no caso de nãoexistir qualquer entidade dessa natureza, “as manifestaçõesde racismo devem ser denunciadas sempre, inclusive levando aos meiosde comunicação, como forma de repulsa e combate àprática”. Hédio Silva sugere que as vítimas procurema Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem representaçãoem todos os estados. "As comissões de direitos humanos estãosempre atentas a esse tipo de problema", informou. Modeladocom o objetivo de ampliar o conceito de segurança pública,econômica, política e jurídica, o Programa deSegurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado pelo governo federal e operacionalizado com a participação de estados e municípios, tambémpode ser um instrumento útil a quem quer buscar seus direitos. “Temos um conjunto de advogados quepodem atuar de forma similar à defensoria pública. Elesestão à disposição, bastando procurá-losnos Núcleos de Justiça Comunitária do Pronasci”,informa o secretário executivo do programa, RonaldoTeixeira