Crise financeira deixa psiquiatras em alerta

17/10/2008 - 6h36

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A discussãosobre a crise financeira mundial ganhou espaço entrepsiquiatras do mundo inteiro reunidos em Brasília no CongressoBrasileiro de Psiquiatria. O sobe-e-desce das Bolsas de Valores, a incerteza no mercado, as grandes perdas de capital, paraespecialistas, podem ter efeitos graves sobre a sociedade, que vãodesde o agravamento de sinais de depressão e de distúrbiosmentais até o aumento de casos de suicídio. O tema nãochegou a ser título de alguma palestra, mas permeou váriasdiscussões. Entre os especialistas, há um consenso:quanto mais uma sociedade coloca o dinheiro como um valor maior, maistranstornos psíquicos ocorrem em tempos de crise financeira. “É sim umaquestão de valor. O indivíduo coloca o dinheiro como umgrande fim, como um valor maior, quando ele vê issodesmoronando, quando vê tudo isso ruindo, fica sem perspectiva,se vê sem saída”, disse o psiquiatra Marco AntônioBrasil, especialista no tratamento da depressão e professor doHospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ).“Já existemestatísticas que comprovam que há um aumento desuicídio em momentos de crise econômica. Durante aGrande Depressão em 1929 [quebra da Bolsa de Nova York]houve um aumento de suicídio. No Brasil, durante o PlanoCollor, que confiscou a poupança, também houve umaumento de suicídio”, citou o especialista. Para Marco AntônioBrasil, é necessário lembrar que as doençasmentais ocorrem por um série de fatores, inclusive, externos aoindivíduo. “O que ocorre é que pessoas que játêm uma predisposição para determinadosdistúrbios mentais, diante de uma situação deestresse e, sobretudo, de perda de perspectiva de saída, acabamcometendo suicídio. A sensação de se ver semsaída é o problema maior nessas crises. É quandoa pessoa não vê alternativa. Não vê a luzno final do túnel”, explicou o professor, quecoordena palestras gratuitas em cidades de todo país,informando a população, principalmente as pessoas que nãopodem pagar um tratamento psiquiátrico, sobre problemasmentais como a depressão e outros distúrbios psíquicos.No caso de uma crisefinanceira como a que vem se desenhando no cenáriointernacional e com efeitos sentidos nas negociações naBolsa de Valores no Brasil, as pessoas da classe média acabamtendo menos condições de lidar com a nova realidade.“Isso é comum na classe alta. Em pessoas que constroem todauma vida em termos de poder, de conquista, de ter ganhos e, derepente, perdem tudo. Quem investe na Bolsa, geralmente tem muitodinheiro e, de repente, se vê sem nada, e ainda devendo muito”,destacou o psiquiatra. Já as classesmais pobres da população, de acordo com o especialista,têm uma capacidade maior de lidar com as adversidades. "Muitasvezes vemos pessoas pobres, que perdem a casa, perdem todos osobjetos pessoais, sobrevivem a isso e ainda têm garra parareconstruir. Chega a ser tragicômico quando a gente vê natelevisão reportagens sobre enchentes. É comum vermos amulher falando que perdeu tudo e os meninos acenando para a câmeracomo se fosse o seu momento de fama”, exemplificou. A possibilidade deaumento de suicídio e de enfermidades mentais jápreocupa a Organização Mundial de Saúde (OMS),que lançou uma nota na semana passada. Durante uma reuniãocom especialistas em saúde mental, em Genebra, na Suíça,a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, disse que “nãodevemos nos surpreender ou menosprezar as perturbaçõese as possíveis conseqüências da crise financeira”.Para RonaldoLaranjeira, psiquiatra especialista em dependência química,a crise poderá ter um efeito no aumento do consumo de drogas,especialmente do álcool. Coordenador da Unidadede Pesquisa em Álcool e Drogas da Faculdade de MedicinaUniversidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), eleconsidera que os efeitos no Brasil ainda não foram sentidosnos consultórios, mas acha que, ao longo do tempo, mesmo entreos que não aplicam na Bolsa de Valores, a crise poderáprovocar casos de depressão.“Na medida em queessa crise provocar recessão, menor crescimento econômicoe, conseqüentemente, menos empregos, poderá ocorrer umaumento de casos depressivos". Quanto ao índice de suicídio,Laranjeira, que fez doutorado na Inglaterra, disse que considerainteressante analisar o que vai acontecer na Islândia, “umpaís muito rico, que quebrou e que já tinha umaltíssimo grau de suicídio”.O professor Milton Marques Sá, que dá aulas de psicologia clínica na Universidade Federal de Pernambuco, apontou as crises financeiras como uma grande“mola” para desencadear doenças psíquicas. “Tudoque aumenta o estresse pode cumprir esse papel e a crise financeirapoderá ser uma grande mola para aumentar doençaspsíquicas. Mas não só isso, poderá tambémter efeito em pessoas que já possuem traços deanormalidade ou hereditários e provocar também infartoe outros males.” Ele destaca um traçocultural do povo brasileiro que pode amenizar os efeitos: o bomhumor. “O bom humor está no gene do brasileiro que ri daprópria miséria. Muitas vezes, a gente se depara comaquela piada na qual a pessoa que está contando é aprópria vítima.”