As Esquecidas avisam aos políticos: elas têm boa memória

05/09/2006 - 13h30

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Poço das Trincheiras (Alagoas) - Já eram quase quatro da tarde quando começaram, no comício de ontem (4), os discursos dos candidatos e de seus apoiadores na região. Ao nosso lado, perfumadas, maquiadas e vestindo roupa de festa, as moradoras da "rua dos Esquecidos", que apresentamos na reportagem de ontem. A convite da Agência Brasil, elas comentaram a performance dos políticos em seus discursos.Para quem se habituou a dizer que o brasileiro não tem memória, Gisele Soares de Oliveira avisa: "Não é qualquer um que a gente vê e vai votando, não". "Nós somos humildes, mas precisamos é de dignidade e respeito", diz ela, quando pergunto se ela sabia quem era Fernando Collor de Mello, ali presente para promover a candidatura a senador. E o que aconteceu no governo dele? "Diz que ele ficou meio atrapalhado lá fazendo coisa errada", brinca. "A Bíblia já diz: a gente não pode dar ouvidos aos falsos profetas." "Esse pessoal vem pedir voto e promete de tudo, mas quando passa a política, nada chega. Agora, ele está aqui, mas duvido que um dia chegue lá em casa pra conhecer como a gente vive", diz Terezinha Maria da Conceição. Um candidato fala, acolá, no palanque, dos bandidos que assolam a região e não respeitam nem o feijão que as pessoas guardam no quintal de casa: "Isso é uma verdade. No ano passado, me roubaram quatro sacos. Ninguém descobre quem é, não. Vem no meio da noite".  O ex-prefeito é louvado pela generosidade. A Terezinha, no ano passado, deu uma cuia de feijão, para que ela pudesse plantar. "Até caixão pra defunto ele traz para dar ao povo", diz Maria Silvânia Silva Lima. Outra atitude do prefeito bem vista é convidar as pessoas pobres para almoçar, caso estejam na casa dele para fazer algum pedido: "Tem uns aí, duvido que ia comer com a gente."Terezinha conta uma história emblemática. Com filho doente que a cabeça abria de se ver os miolinhos, já grávida de outro, tinha de ir todo dia a pé até Santana do Ipanema, a cerca de 12 quilômetros dali, para o tratamento no hospital. Um dia, sob sol quente, passou a cerca de uma propriedade para beber água de um açude. "Quem lhe deu ordem pra entrar aí e pegar água? Levante-se e saia imediatamente de dentro do meu terreno", ouviu. Indignada, atravessou a estrada e desmaiou de sede, com filho nos braços e tudo. Uma amiga que passava foi quem acudiu. Tempos depois, esse Zezinho Camilo foi candidato a prefeito. Numa reunião em tempo de campanha, foi lhe pedir o voto: "Minha amiga...". "O senhor não se lembra de mim? Eu sou aquela que um dia o sr. expulsou de sua propriedade.  Pois agora vá pedir voto à água da sua barragem. Bote um foguetão no fundilho, toque fogo que o senhor sobe e, quando descer, desce de cabeça pra baixo. O homem desceu do palco, de vergonha. Hoje, ele está lá, aleijado." Lá no palanque, um candidato promete "perenizar as microbacias" para que o produtor não tenha uma, mas até quatro safras por ano. "Aí ele disse uma mentira. Como quatro safras, se só tem um inverno?", pergunta Terezinha. "Perenizar as microbacias? Eu não falo essa língua aí muito bem, não", emenda Gisele. "Esse fala bonito. Mas, se eleger, duvido que volte aqui." Chega a vez de Collor no palanque, o ponto alto do comício, às cinco e tanto da tarde. Para nossas comentaristas políticas, ele já começa mal, quando cita Frei Damião, homem santo famoso na região, morto em 1997. "Tá incluindo santo na política? Não pode não. Frei Damião ajuda a todos, não é só a ele", sentencia Gisele. O discurso prossegue, e o ex-presidente diz que quer voltar ao Senado porque foi essa a Casa Legislativa que o retirou do poder (em 1992), apenas por ele ser nordestino. "Tirou é porque você pegou muito, tava catando muito pra você", responde Terezinha. O Congresso ainda está cheio de "safados", continua Collor. "Isso aí não dá não: falar mal dos outros. Se quiser ganhar, ganhe com dignidade".Nós nos despedimos logo, para não pegar o congestionamento das caminhonetes pau-de-arara na saída da cidade. "Ele que não dê uma de sabido, de esperto, que nós estamos de olho nele", finaliza Gisele. "A gente é pobre, mas se informa. Eu assisto todo dia o jornal da manhã, do almoço e da noite."