Um ano após entrar em testes, Brasil não definiu sistema de rádio digital

28/08/2006 - 20h27

Gabriel Corrêa e Paulo Montoia
Da Agência Brasil
São Paulo - Quase um ano após a autorização para o início dos testes de mercado,as transmissões de rádio digital ainda não decolaram no Brasil. O paísnão definiu se adotará a tecnologia Iboc, que está sendo testada porquinze emissoras desde setembro passado com autorização do Ministériodas Comunicações. As entidades do setor discutem o que pode ou deve serfeito para escolher a tecnologia e também acelerar a transição para onovo padrão.Na semana passada, a Associação Brasileira deEmissoras de Rádio e Televisão (Abert) lançou um movimento, a AliançaBrasileira para o Rádio Digital, que pretende estimular a mudança paraa nova tecnologia. Mas a escolha do padrão a ser adotado ainda recebecríticas de entidades de defesa das rádios comunitárias, da comunidadeacadêmica e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação(FNDC), entre outras.Nesta entrevista, concedida à RádioNacional após a fundação da aliança, o coordenador-geral do FNDC, CelsoAugusto Schröder, fala dos benefícios que a nova tecnologia pode trazerpara a sociedade, defende o apoio financeiro do governo nessatransição, mas critica a falta de debate sobre o padrão que seráadotado. Schröder, que é professor da Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul, afirma que o custo do padrão Iboc é muito elevadoe poderá inviabilizar a digitalização dass rádios de pequenas cidades, acenando para umanova fase de concentração de transmissões pelas grandes redescomerciais no país.Agência Brasil - Muito tem se falado sobre TV Digital, mas a digitalização também é assunto de rádio. O que muda no rádio?CelsoAugusto Schröder - Vai depender do modelo que o Brasil adotar. O modeloIboc está sendo implementado e não está sendo discutido na amplitudeque achávamos que tinha de estar. Esse modelo está sendo implantadoa partir de interesses muito pontuais da grande radiodifusãobrasileira. A televisão brasileira foi razoavelmente bemdiscutida, segmentos importantes da população brasileira pelomenos se inteiraram disso. No rádio acabou acontecendo meio que naprática, algumas experiências foram liberadas. O rádio ainda éum elemento nacional de integração, é um elemento importantíssimode contato com populações que ainda não tem outras condições de contato com a situação nacional, temos queestar atentos para isso.Abr - Que implicações e custos têm a mudança?Schröder- Temos feito um levantamento de que há um custo razoávelpor parte das rádios. Isso nos preocupa, porque se não forfeito com cuidado, pode comprometer o mercado de rádio, que é muito frágil do ponto de vista de arrecadaçãode financiamentos, em comparação, por exemplo, à televisão e aopróprio jornal. O rádio hoje só tem 4% da verba publicitária e porisso precisa de uma política pública que não permita que eleentre em colapso. Há um custo tanto para as empresas que vãoadquirir os novos equipamentos quanto para a população, que dealguma maneira é quem vai financiar essa transição. Temos alertado que essa é uma transição cara, que além dos interesses óbvios e necessários donegócio da radiodifusão, é preciso levar em conta que é um serviçode enormes possibilidades de integração nacional e de faixasimportantes da população. É umapossibilidade muito interessante, desde que não seja desarticulada, que não seja feitasimplesmente a partir de uma visão comercial,mas que existem outras implicações que, se não forem levadas em conta,colocam em perigo o próprio negócio.ABr - A digitalização chega tanto para AM quanto para FM?Schröder- No primeiro momento, me parece que é no AM. Nós temos uma previsão deque em torno de dez anos não teremos mais nada analógico. Achamos que é preciso complementar muito rapidamente e de umamaneira muito radical a convergência que pode ser advindada digitalização. É uma chance de nos alinharmoscom os países industrializados.ABr - O senhor disse que essa é uma tecnologia que não é barata, que apenas 4% do bolo publicitário alcança as emissoras de rádio. O que está em estudo para queo empresário de rádio possa ter essa tecnologia?Schröder - Pelo menos nas negociações há uma disposição dogoverno em produzir uma linha de financiamentos com isenções na área industrial. Dizíamos que essa baseindustrial da digitalização é uma base fundamental para aindústria do século 21. Então, mais do que a possibilidade deimportar ou não com maior facilidade, para as empresas que exercerãoesse serviço é importante saber se conseguiremos ter umabase industrial de semicondutores, por exemplo. O paísprecisa pensar como política pública, o governo tem que pensarnisso como um investimento, e colocar financiamento à disposição, tanto dasempresas que queiram exercer o negócio, quanto da população. Esta é uma das buscas de qualquer governo moderno quequeira efetivamente retirar as camadas das populações dascondições de marginalidade.Abr - Quanto será o custo do conversor? Para a TV, fala-se em R$ 80 a R$ 120. Será um valor menor para o rádio?Schröder- Eu acho que sim. É mais simples, tem outro tipo de codificador. Masnão é uma transição inócua, haverá um custo social nacional parafazer isso, e é por isso que tem de ser pensado comopolítica pública. Não há possibilidade de imaginarmos que apopulação vá fazer essa transição sem nenhum tipo de estímulo, semnenhum tipo de vantagem. O que poderia acontecer se deixássemos aoespontaneísmo do mercado é o que aconteceu em outros países, ondea adesão à TV digital foi muito menor do que se esperava, por exemplo, nos Estados Unidos, na Europa, naInglaterra. Isso atrasou por mais de dez anos o processode digitalização. Então é um tipo de atividade econômica, mastambém é um tipo de atividade social e política que precisa ter ocomando do Estado para ser feita. Não é uma adesão tecnológicasimplesmente a um outro patamar  de negócios. Muda o paradigma, eportanto o estado, a nação, precisa ter controle sobre o processo,sob o risco segmentos importantes da economia que fazemparte da atividade de radiodifusão entrarem em colapso. E seria umdesastre para o Brasil, seria um desastre para todos nós.ABr -Como coordenador-geral do Fórum Nacional para Democratização daComunicação, qual a avaliação do senhor em relação ao rádio?Schröder - Houve uma política exagerada deimplementação da televisão no Brasil. Isto acabouproduzindo uma disfunção, que é a diminuição dramática de verbasnesse segmento de rádio. Precisamos reverter issode alguma maneira e acho que é preciso uma política que reorganize omercado e injete um pouco mais de recursos. Nãopodemos fazer um processo de digitalização que comprometa aspequenas rádios do Brasil. A grande maioria das rádios são rádioscomunitárias e rádios comerciais pequenas. Temos de ter um cuidado muito grande nisso, porque concentraríamosmuito mais a propriedade do rádio no Brasil.