Sarney relembra últimos momentos de Tancredo Neves

20/04/2005 - 18h13

Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Na véspera dos 20 anos de morte do presidente Tancredo Neves, o senador e ex-presidente, José Sarney (PMDB-AP), ocupou hoje a tribuna para contar sua versão sobre o processo de transição da ditadura militar para a democracia. Segundo ele, após a derrota da emenda constitucional das Diretas Já, em 1984, Tancredo assumiu o comando da "engenharia política" capaz de eleger um civil, no Colégio Eleitoral, quando resolveu colocar em jogo sua própria vida.

" Ele (Tancredo Neves) prega mudanças, promete a convocação de assembléia nacional constituinte, pede união e condena o sentimento de represália. O projeto é a democracia. Tranqüiliza todos, militares e civis. Faz o que adora fazer: política. A grande política", afirmou o senador que, em 1984, foi escolhido pela Frente Liberal, dissidência do PDS, para ser vice-presidente na chapa encabeçada por Tancredo.

Com o agravamento da sua doença, segundo Sarney, Tancredo passou a temer a possibilidade de uma crise política que desembocaria num retrocesso político se fosse operado antes da posse. O então presidente eleito tinha informações "fidedignas", nas palavras do senador, de que o então presidente João Figueiredo não daria posse ao vice de Tancredo Neves.

Já internado no Hospital de Base de Brasília, com uma "dor implacável" e a 15 horas de sua posse, Tancredo Neves não admitiu ser operado antes de sua posse e fez um último apelo aos médicos: "Eu peço, pelo amor de Deus: me deixem até amanhã e depois de amanha façam de mim o que vocês quiserem. Mas eu tenho uma obrigação. É um compromisso que eu tenho. Eu sei, de fonte fidedigna, que o Figueiredo não dá posse ao Sarney".

Ao sobrinho e já escolhido ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, Tancredo reafirmou sua decisão de não operar antes da posse. Na ocasião, Francisco Dornelles disse ao presidente eleito que acabara de ter uma conversa com o então chefe da Casa Civil da Presidência, Leitão de Abreu, que lhe garantira que o presidente Figueiredo transmitiria o governo a José Sarney. "Então, (Tancredo Neves) aceita a decisão de ser operado".

Após uma madrugada inteira na mesa cirúrgica do Hospital de Base, depois de despertar da anestesia, José Sarney lembra que a preocupação de Tancredo era a transição. "Suas primeiras palavras: 'Então, como foi? O Sarney tomou posse? Correu tudo bem?'", questionou aos familiares.

"Ele sabia o que custara chegar àquele instante. Se ele aceitasse hospitalizar-se dias antes, a transição não ocorreria. O problema institucional estava implantado. Por isso, no silêncio de sua dor, com as mãos frias que tantas vezes apertei, havia sofrimento", revelou José Sarney aos colegas senadores. Amanhã, o senador embarca para São João Del Rey (MG), onde várias personalidades da "Nova República" e autoridades do governo estarão presentes para homenagear o primeiro presidente civil após a ditadura militar de 1964, que jamais tomou posse.