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Marcos Pontes

Imagem: Nasa

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Marcos Pontes avalia ida ao espaço 10 anos depois da viagem

Criado em 29/03/16 12h38 e atualizado em 31/03/16 18h07
Por Leyberson Pedrosa Edição:Luiz Claudio Ferreira

Dez anos após entrar para a história a bordo da Soyuz TMA-8 e se tornar o primeiro astronauta brasileiro a vencer a atmosfera terrestre rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), o coronel da reserva Marcos Pontes se divide entre as melhores lembranças da experiência e as decepções com o programa espacial brasileiro. "Estamos muito aquém do que era o mínimo esperado para um país da categoria e intenções de desenvolvimento que é o Brasil", afirma o paulista de Bauru que passou 10 dias no espaço em entrevista ao Portal EBC. 

Formado em engenharia aeronáutica e com experiência como piloto de testes da Força Aérea Brasileira (FAB), Marcos Pontes ingressou em 1998 na Nasa, a Agência Espacial Norte-americana. Mas o governo brasileiro da época não arcou com os compromissos firmados e a parceria foi encerrada.

Quando tudo parecia não dar certo, em 2006 Marcos Pontes assumiu o seu papel de Especialista da Missão (em suas palavras, espécie de engenheiro de voo ou "o mecânico da missão"), junto aos cosmonautas russos podendo, enfim, concretizar sua missão espacial. Além de realizar a manutenção na ISS, Pontes ficou responsável por aplicar projetos comerciais, científicos e experimentos educacionais. No dia 8 de abril, o astronauta brasileiro voltou ao planeta Terra dentro da capśula de reentrada da Soyuz TMA-7, um dos momentos mais críticos de toda viagem espacial.

Leia também: Marcos Pontes inspirou milhares de jovens pelo Brasil", diz cientista brasileiro da Nasa

Depois de 10 anos da conquista brasileira ao espaço, Marcos Pontes relembra dos "demônios do negativismo", referindo-se a pessoas que tentavam dissuadí-lo do seu sonho. Confira abaixo a entrevista em que o astronauta brasileiro faz uma avaliação desses 10 anos e opina sobre o rumo da astronomia no Brasil e no mundo.

Viaje nessa história:

A viagem espacial | Efeitos no corpo | Volta à Terra | Programa Espacial Brasileiro | Novos "astronautas" | Diplomacia no espaço | Rumo à Marte

 

Há dez anos, o astronauta Marcos Pontes entrava para a história sendo o primeiro brasileiro a ir ao espaço. Batemos um papo com ele que você vê no vídeo abaixo e a reportagem completa com a avaliação de Marcos Pontes sobre uma década da missão espacial você confere aqui: http://bit.ly/1MChuhp

Publicado por EBC na Rede em Quarta, 30 de março de 2016

A viagem espacial

Em 1997, o Brasil havia feito um acordo com o Programa da Estação Espacial Internacional (ISS) por meio da Nasa e deveria produzir seis partes da estação e fornecer um astronauta para a equipe de manutenção e operação da estação.

Marcos Pontes, militar da Força Aérea Brasileira (FAB), participou de concurso público específico e foi selecionado. Nesse momento, viu-se obrigado a largar sua carreira militar, já que o programa não permitia qualquer tipo de envolvimento militar ou bélico.

Marcos Pontes descreve o exato momento que precisou optar pelo caminho civil: "Aquilo me deu um frio na barriga, era como abandonar um porto seguro, pois minha carreira militar estava indo muito bem, e embarcar em um projeto que eu não tinha certeza que iria ter sucesso. Havia muitas variáveis a serem definidas ainda."

Decidido, foi para a Johnson Space Center, em Houston (Texas), para participar de um curso de dois anos para obter o "brevê de astronauta". Achando que iria viajar em 2001, o astronauta relata diferentes problemas políticos que fizeram com que o país não cumprisse o acordo com a Nasa.

Posteriormente, a Agência Espacial Brasileira fez um acordo com a Rússia, também parceira majoritária da ISS, para que ele fosse escalado para um voo em 2006. 

"De repente, de acordo com a AEB, eu teria apenas 5 meses (o tempo normal para treinar um cosmonauta é de dois anos) para aprender tudo sobre os sistemas russos para incluí-los nas minhas tarefas técnicas a bordo e, de quebra, aprender a língua russa, em paralelo, nos primeiros 3 meses em Star City, Moscou, no Centro de Treinamento de Cosmonautas, para onde eu estava sendo transferido."

Entre suas missões, Marcos Pontes levou ao espaço quatro pesquisas tecnológicas com finalidade comercial, quatro pesquisas científicas e dois experimentos educacionais.

O fato de realizar experimentos com alunos do ensino fundamental virou alvo de crítica da imprensa brasileira. o que é rebatido veementemente por Pontes:

"No Brasil, a imprensa e alguns “cientistas” (as aspas são para ressaltar o meu espanto com a falta de visão científica e estratégica desses críticos) se limitaram apenas a criticar o custo da missão e citar, muitas vezes de forma irônica, os experimentos das crianças de São José dos Campos."

A pesquisa com os estudantes envolvia a germinação de sementes de feijão e a cromotografia da clorofila (medição da graduação da clorofila). As demais pesquisas envolveram testes sobre os efeitos da microgravidade na cinética das enzimas, danos e reparos do DNA na microgravidade, evaporadores capilares, minitubos de calor e nuvens de interação protéica.

 

Portal EBC: A sua ida ao espaço é resultado de uma longa trajetória dentro da Força Aérea Brasileira. Já tentaram desacreditá-lo do sonho de se tornar astronauta? Se sim, o que fez o senhor continuar? 

Pontes: Certamente. Foram muitos anos de trabalho, estudo e muita persistência para vencer os “demônios do negativismo” dentro da própria mente e a sua torcida externa. O que me fez e me faz continuar é perceber que a satisfação de vencer esses demônios é muito maior que o medo de enfrentá-los. 

Efeitos no corpo

A partir dos resultados de pesquisas e dos relatos dos próprios astronautas, a ida do ser humano ao espaço gera uma série de efeitos indesejáveis ao corpo, a maioria deles determinada pela falta de gravidade e da maior radiação sobre o corpo dos astronautas, já que não há atmosfera para agir como "filtro solar".

Recentemente, o norte-americano Scott Kelly retornou de uma missão de um ano a bordo da ISS, o maior período em que um astronauta ficou exposto aos efeitos da microgravidade. Scott chegou a "esticar" 5cm de tamanho por causa da falta de pressão em sua coluna vertebral.

A viagem de Marcos Pontes foi bem menor. Ele ficou dois dias a bordo da Soyuz e oito dias dentro da ISS. Mesmo exposto por menos tempo, teve que enfrentar muitos dos efeitos indesejados ao corpo por causa da falta de gravidade e contatos com a radiação.

A osteoporose, perda de células ósseas, é um dos efeitos mapeados. Já a fraqueza muscular é consquência da atrofia dos músculos que são menos usados em ambiente com microgravidade. No espaço, a desorientação espacial é acompanhada de dores na cabeça, coriza, alteração na pressão intraocular e desidratação.

Mas o que chama atenção do público é o envelhecimento precoce devido a maior radiação sobre as células, deteriorando-as e dificultando sua recomposição.

"O envelhecimento precoce é um dos efeitos na saúde. Durante o tempo no espaço não tive grandes problemas. O real problema é depois do voo: alterações no sistema hormonal, radiação, envelhecimento, perda de densidade óssea, alterações no sistema imunológico."

Portal EBC: Há alguma sequela que o senhor sentiu ou sente desde a sua volta à Terra?

Pontes: Isso se traduz em alguns inconvenientes como sangramento dos ouvidos, alergias, alterações de peso, além de ter acompanhamento médico constante para manter a boa saúde.

Volta à Terra

Depois de cumprir suas missão no espaço, Marcos Pontes, o cosmonauta Valery Tokarev e o turista espacial norte-americano Gregory Olsen precisaram se preparar para um dos momentos mais tensos da viagem, a volta.

O procedimento de volta do espaço ocorreu com a espaçonave Soyuz TMA-7 se desacoplando da Estação Espacial Internacional.

A aeronave é dividida em três partes. Uma dessas partes é uma capsula contendo os três tripulantes, que queima ao reentrar na atmosfera. Contudo, ela é feita de material que resiste até 2500 °C.  Mas não é só o calor que incomodou Marcos Pontes e seu colegas. A carga de pressão na capsula chega a ser 11 vezes maior do que o próprio peso na Terra. Ou seja, eles foram pressionados contra os assentos.

No roteiro da reentrada, paraquedas se abrem para diminuir a velocidade. Por fim, foguetes de pouso são acionados levantando a poeira do deserto do Cazaquistão. Mesmo assim, a cápsula atinge o chão a 50 km/h.

 

 

Portal EBC: A sua volta dentro da Soyuz TM-7 apresenta-se como um dos momentos marcantes da sua volta. Qual é a sensação de estar dentro da capsula "furando" a atmosfera do Planeta?

Pontes: A reentrada é o momento mais crítico do voo, sem qualquer dúvida. A sensação é de impotência, ja que não há praticamente nada que possamos fazer para resolver um eventual problema estrutural.

Portal EBC: No futuro breve, conseguiremos algum tipo de mecanismo de propulsão como aparecem nos filmes como Star Wars e outros? 

Pontes: No futuro breve teremos novos sistemas de propulsão, mas chegar a sofisticação do Star Treck ou Star Wars ainda vai demorar um tanto. 

Programa espacial brasileiro

O Programa Espacial Brasileiro é coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB). Mesmo tendo uma base de lançamento localizada em local propício (perto da linha do Equador), o Brasil precisou fechar uma parceria com a China para lançar satélite sino-brasileiros em território oriental.

O programa é alvo de críticas e necessita de recursos significativos para o projeto. Para o astronauta Marcos Pontes, há muito o que ser feito para recolocar o Brasil rumo à conquista do espaço

Portal EBC: O senhor tem acompanhado o Programa Espacial Brasileiro? Como o avalia?

Pontes: Sim. Estamos muito aquém do que era o mínimo esperado para um país da categoria e intenções de desenvolvimento que é o Brasil.

Portal EBC: Para que o Programa possa engrenar, o que precisa ser feito daqui em diante?

Em curto prazo, uma grande mudança estrutural do programa, incluindo gestão; parceria racional com países líderes do mercado internacional e intercâmbio de pesquisadores. A médio prazo, a inclusão de Diretoria de Formação e educação; melhoria grande da divulgação do programa (tanto para o público como para autoridades); criação de cursos de formação técnica e otimização de portfólio de projetos. A longo prazo, são necessárias mudança nas leis de participação de setor privado em universidades públicas e centros de pesquisa; mudança de leis de licitação de produtos de alta tecnologia; reposição de recursos humanos do programa; otimização e ampliação das instalações técnicas; criação de laboratórios compartilhados com universidades e empresas; Centro de Lançamento de Alcântara via parceria comercial internacional.

Novos "astronautas"

Em maio de 2006, Marcos Pontes foi transferido para a reserva militar por motivos de regulamento e por ser mais útil ao campo civil, conforme explica em sua biografia. Contudo, reclama que parte da imprensa brasileira disse que ele teria se aposentando logo depois da missão para ganhar dinheiro com palestras.

"A repercussão negativa das calúnias foi tão grande (como sempre) que até hoje existem alguns idiotas que acreditam e repetem essa bobagem! Do meu ponto de vista, a repercussão daquelas calúnias teve lados bons e ruins."

Sem apoio dos órgãos públicos, Pontes afirma que contou mais com o auxílio do setor privado e de órgãos internacionais. Em 2010, criou a Fundação Astronauta Marcos Pontes para focar na promoção do setor espacial, da educação, ciência, tecnologia e sustentabilidade. 

Pontes também criou uma agência de turismo espacial e tem o executivo paulista Bernardo Hartogs, de 53 anos, como cliente. Ele será o primeiro turista espacial do Brasil a participar do projeto internacional Virgin Galatic. Contudo, ele não considera que um possível turista espacial possa ser chamado de "segundo astronauta brasileiro".

"Para ser astronauta profissional, é necessário fazer o curso na NASA ou em Star City, com duração de dois anos, e ser declarado pela NASA ou Roscosmos como astronauta ou cosmonauta profissional"

Sobre a formação desses novos profissionais, Pontes se mostra bastante preocupado:

Portal EBC: O senhor tem trabalhado bastante com educação e sustentabilidade. Nesse sentido, como vê o interesse dos jovens brasileiros pela astronomia?

Pontes: A astronomia é uma ótima ferramenta para atrair jovens para as carreiras de ciência e tecnologia, tão necessárias ao desenvolvimento do país. Contudo, obviamente nosso alcance é pequeno perante as necessidades do pais.

Portal EBC: Faltam profissionais mais dedicados nessa área? 

Pontes: O que me deixa triste e preocupado é ver praticamente  ausente a participação do governo em programas desse tipo para nossos jovens em grande escala.

Portal EBC: Se compararmos com outros países como o próprio Estados Unidos, os brasileiros de hoje seriam menos adaptáveis à uma exploração do espaço ou de Marte? 

Pontes: Não. Temos jovens brilhantes no Brasil. Espero poder ajudá-los a realizar essas missões.

Diplomacia no espaço

Yi So-yeon with NASA astronaut Peggy Whitson (right), Expedition 16 commander, and Russian Federal Space Agency cosmonaut Yuri Malenchenko (middle), flight engineer, at the International Space Station.A Estação Internacional Espacial possui os Estados Unidos e a Rússia, antigos inimigos de Guerra Fria, como parceiros majoritários. Montado por módulos desses e de outros países parceiros, a ISS não pode ter fins militares. Para Marcos Pontes, que treinou para viajar junto aos norte-americanos, e teve que se adaptar a uma viagem com os russos, o espaço se coloca como oportunidade para um novo arranjo político e social.

Portal EBC: A ISS une duas grandes potências mundiais (EUA e Rússia) que, na Terra, vivem em grande tensão. Essa tensão é sentida também no espaço? Ou a política ganha novos sentidos no espaço?

Pontes: Uma das belezas do programa da ISS é poder mostrar na prática que é possível convivermos em paz, independentemente de partidos políticos, religião, raça, etc. Todas essas divisões são criadas por pessoas ou organizações que, de uma forma ou de outra, lucram com os resultados ruins advindos (guerras, desentendimentos, etc.). O ser humano intrinsecamente foi criado para conviver bem socialmente. Coloque crianças de todos os países diferentes para brincar juntas e verá que em poucos minutos não há barreiras de cultura ou língua. As tensões políticas são criadas sempre com o interesse de alguém. Se esses pessoas realmente dependessem (ou tivessem a noção que realmente dependem) da vida umas das outras, isso não seria assim.

Rumo à Marte

Concepção artística de uma base humana em Marte. No corte, é mostrada uma área de horticultura interna. NasaCerca de 80 milhões de quilômetros separam a órbita terrestre da marciana. Mesmo assim, a Europa e a América do Norte realizam uma nova corrida espacial de colonização do planeta vermelho. A ideia é levar uma tripulação de novos colonizadores com passagem somente de ida. O projeto audacioso ganhou impulso com a descoberta da existência de água líquida salgada e corrente em Marte.

Mas quando falamos em sustentabilidade, será que não era melhor focar na Terra em vez de outros planetas? Sobre esses pontos, o primeiro astronauta brasileiro considera que os dois projetos estão interligados.

Portal EBC: A ida à Marte é o projeto principal da Nasa no momento. O senhor acredita que é esse o foco correto? Ou deveríamos olhar mais para como garantir uma maior sobrevida da Terra no universo?

Pontes: As duas coisas são diretamente interligadas. Quando desenvolvemos sistemas para chegar e sobreviver em Marte, também estamos desenvolvendo soluções para problemas essenciais da Terra: alimentação, água, energia, saúde, etc.

Portal EBC: Em Marte, o senhor daria alguma dica de como as pessoas precisariam se relacionar politicamente para serem capazes de, literalmente, sobreviverem ao novo? 

Pontes: Que o dinheiro seja proibido. Que o amor e a compaixão sejam os critérios. Que o conhecimento seja compartilhado com sabedoria. Que a igualdade seja parceira da meritocracia.


Imagens replicadas de sites oficiais da Nasa e de fontes Creative Commons. 

Creative Commons - CC BY 3.0

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