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Fique por dentro dos mitos e usos das constelações indígenas
Criado em 24/02/16 19h00
e atualizado em 25/02/16 14h50
Por Leyberson Pedrosa
Edição:Amanda Cieglinski
Fonte:Portal EBC
Olhar para o céu sempre aguçou a imaginação dos povos. O ocidente se acostumou às constelações criadas na Grécia Antiga a partir da junção de estrelas: Áries, Capricórnio, Leão, Escorpião e muitas outras. Usadas na astronomia e na astrologia, essas constelações ocidentais não são unanimidade
Povos indígenas de todo o mundo - do Egito à América, sempre utilizaram as estrelas como uma espécie de agenda do clima e como bússola para orientação. Normalmente associadas aos rituais das tribos, as constelações indígenas foram fundamentais para a sobrevivência de diferentes etnias.
“As constelações são usadas durante todo o ano. Algumas tem finalidades religiosas, outras são mais por curiosidade, mas elas servem, principalmente, como calendário agrícola”, explica Germano Afonso, pós-doutor em etnoastronomia e que já mapeou mais de 100 constelações indígenas Tupi-Guarani. As flutuações sazonais indicadas pelas constelações influenciam no período da pesca, caça, plantio e colheita. Cada imagem formada no céu permitia aos índios identificar que uma nova estação do ano estava por vir.
O astrônomo explica que, ao saberem do inverno, os indígenas poderiam garantir sobrevivência das crianças indígenas e dos índios mais vulneráveis. As tribos planejavam qual era o melhor momento para plantar, caçar, pesçar e até para engravidar. Afinal, uma criança que nascesse no inverno (Constelação da Ema) teria poucas chances de vencer as adversidades climáticas.
Para conhecer mais sobre a cosmologia indígena, detalhamos a Constelação do Homem Velho (Verão), do Cervo (Outono), Anta do Norte e Colibri (Primavera) e, por último, a da Ema (Inverno). Todas são relacionadas aos Tupi-Guarani.
Representa uma anta que caminha pela Via Láctea que, por sua vez, é de Caminho das Antas.
O missionário francês Claude d'Abbeville publicou em 1614 que “Tuivaé, Homem Velho, é como chamam outra constelação formada de muitas estrelas, semelhante a um homem velho pegando um bastão”, a partir de relatos indígenas brasileiros
Representa um homem cuja esposa estava interessada no seu irmão. Para ficar com o cunhado, a esposa matou o marido, cortando-lhe a perna. Os deuses ficaram com pena do marido e o transformaram em constelação.
Como fica totalmente dentro da Via Láctea (chamada pelos indígenas de Caminho da Anta), é chamada de Anta do Norte pois há outras constelações com nome de anta na astronomia Tupi-Guarani.
Os Tupinambá no Maranhão afirmavam que a ema procura devorar duas outras estrelas que ficavam perto do bico da ave. Quando Claude D'Abbeville entrevistou a tribo em 1612, ele chamou a constelação de Avestruz Americana. Mas como não havia avestruz no Brasil, a ave passou a ser chamada de ema.
O valor da mitologia como método de aprendizado
Assim como os gregos, os indígenas sempre valorizaram o papel da mitologia em sua cultura, a começar pela relação com o sol. “Para nós, o sol e a lua são irmãos gêmeos que deram origem de tudo. É o princípio de tudo, assim temos que conhecer a origem, que é o mito do sol e da lua”, comenta Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes), líder indígena da etnia Mbiá Guarani, que vive no Sul do país.
As histórias envoltas de cada constelação tinham um papel pedagógico para que as crianças indígenas se interessassem pelas constelações. “De todas, eu gosto mais da Ema, que significa a ave da sabedoria. A partir dela, temos conhecimento de todas as outras constelações”, destaca Kerexú.
De acordo com o mito, a Ema no céu quer devorar duas outras estrelas que ficam em frente a seu bico. Além disso, o Cruzeiro do Sul é responsável por segurar a cabeça da ave que, uma vez solta, poderia beber toda a água da Terra.
Seja ao amanhecer ou ao anoitecer, os povos indígenas buscam manter uma relação cotidiana com o céu. “No dia a dia, quando vamos fazer o nosso ritual à tarde, a gente se orienta muito pelo Cruzeiro do Sul”, conta Kerexu.
De acordo com o astrônomo Germano Afonso, os indígenas não separam o céu da Terra e muito menos a fé da ciência. Para os indíos, tudo que eles fazem tem algum tipo de aplicação prática. “Quando o ser humano parou de ser nômade, eles precisaram cultivar e, pra isso, tinham que ter uma agenda. Então, eles olhavam para o céu e faziam as coisas na Terra”, relaciona o astrônomo.
Contudo, Afonso alerta que, devido à globalização, esse saber corre o risco de se perder em pouco tempo. Afonso destaca como uma das causas a diminuição do interesse das novas gerações indígenas em relação ao conhecimento que os mais antigos mantém sobre o céu.
Na visão de Kerexu, a transmissão das informações astronômicas depende muito do local em que os jovens estão. "Quando a criança é criada em uma aldeia, ela recebe o conhecimento e não esquece. Mas quando moram fora e veem apenas outros conteúdos didáticos, elas perdem essa parte, sim", compara.
Primeiros estudos no Brasil
Por volta de 1612, o missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville acompanhou os indígenas Tupinambá do Maranhão e registrou 30 constelações conhecidas pelos indígenas da ilha (São Luís do Maranhão). Essas informações foram publicadas no livro “Histoire de la Mission de Pères Capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisins” em 1964 na cidade de Paris e é considerado umas das mais importantes fontes da etnografia dos Tupi.
A partir desses dados, Germano Afonso conseguiu encontrar semelhanças entre as constelações conhecidas pelos índios da América do Sul e pelos aborígenes australianos. Até hoje, indígenas de várias regiões brasileiras também reconhecem a maioria das constelações descritas pelos Tupinambá (extintos) ao missionário frânces.
*Trechos do documentário Cuaracy Ra’Angaba – O céu Tupi Guarani, dirigido por Lara Velho e Germano Bruno Afonso.
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