Especial:
Segurança
de Barragens
Empresas investem em tecnologia e gestão para reduzir acidentes
leia o especialAs barragens de rejeitos de mineração são empregadas amplamente em todo o mundo pela indústria. Além de essa tecnologia apresentar riscos inerentes consideráveis, o destino dos resíduos da atividade tende a ser uma preocupação menor das empresas do setor, visto que não são a fonte de seu faturamento – como destaca o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) Mine Tailings Storage: Safety Is no Accident (Armazenamento de Rejeitos de Minas: a Segurança não É um Acidente). Motivadas por tragédias ambientais e humanas, como a ocorrida em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019, entidades internacionais que representam a exploração mineral avaliam padrões mais rígidos para barragens e tecnologias alternativas mais seguras.

REUTERS/Washington Alves/Direitos Reservados
Neste especial, você vai saber o que são as barragens de rejeitos e o que as tornam tão arriscadas, especialmente quando se fala daquelas construídas a montante. A Agência Brasil fará ainda uma comparação com as barragens de água, que sofrem bem menos acidentes que as usadas na mineração, e abordará as tecnologias existentes para substituir as atuais barragens de rejeitos.
Para que servem e como funcionam as barragens de rejeitos
As barragens são estruturas usadas pelas mineradoras para armazenar rejeitos de minérios - os resíduos da produção mineral. Geralmente, os minérios explorados são encontrados misturados com outros tipos de rochas e substâncias sem valor econômico. Por isso, a necessidade de as empresas separarem o material que será comercializado.
Existem várias formas para realizar o beneficiamento, que é como essa separação é chamada na indústria, mas os métodos mais aplicados utilizam grandes quantidades de água. Nesses casos, ao fim do processo, o que sobra é uma solução de água, lama e outros tipos de rochas, e as barragens são uma destinação para esse resíduo líquido.
Elas são classificadas de modo diferente a depender de como são construídas: a montante, a jusante ou em linha de centro. Essas categorias se diferenciam pela forma como os diques – os blocos que formam a estrutura – são empilhados uns sobre os outros.



À medida que a extração do minério progride, as barragens são abastecidas com os resíduos que sobram da atividade e ampliadas de modo a abrir espaço para que novos rejeitos sejam depositados. Esse processo pode durar várias décadas.
Mas, afinal, qual é o problema com as barragens de rejeitos?
O relatório da ONU Mine Tailings Storage: Safety Is no Accident (Armazenamento de Rejeitos de Minas: a Segurança não é um Acidente) aponta:
“Nos últimos 40 anos, as falhas [em barragens de água] tornaram-se muito raras, enquanto as barragens de rejeitos continuaram a falhar”.
Segundo o relatório, a técnica de construção desse tipo de barragem ao longo dos anos contribui para o menor número de acidentes. As barragens de água geralmente são construídas a partir de estruturas de concreto ou outros materiais mais resistentes. Também são erguidas até sua altura máxima e só depois preenchidas com água e operadas.

Componente | Barragem de rejeitos |
Barragem de água |
---|---|---|
Material estocado | Rejeitos sólidos e água processada em vários níveis de contaminação | Água |
Vida-útil em operação | De 5 a 40 anos | Tipicamente projetadas para durar 100 anos |
Período de construção | Ampliada durante o tempo de operação das minas | Usualmente de 1 a 3 anos |
Responsabilidade pelo projeto | Dono e engenheiro podem mudar com frequênca durante o período de construção | Usualmente, um engenheiro responsável pelo design e construção |
Garantia de qualidade e controle de qualidade | Geralmente bom no início, mas variando em graus durante o período de construção | Alto nível |
Consequências em caso de falha | Vazamento de rejeitos resultando em danos físicos e contaminação ambiental | Inundação |
Já as barragens de rejeitos são construídas progressivamente, à medida que surge a necessidade. Desse modo, uma mesma estrutura pode passar pelas mãos de equipes e gestões diferentes durante o período de construção. O risco de haver inconsistência na qualidade e continuidade do trabalho de uma geração a outra é maior e impõe desafios de gestão.
Outro problema é o fato de que os rejeitos de mineração não são a atividade-fim, e, portanto, não vão garantir o faturamento das empresas de mineração. Diferentemente do que ocorre nas barragens de água, cuja estrutura serve precisamente ao fim daquela atividade econômica – seja a geração de energia ou o abastecimento. O relatório diz:
“As barragens de água são consideradas um ativo, geralmente para uso comum, enquanto as barragens de rejeitos são vistas como um custo – um meio de armazenar resíduos em vez de uma forma de prover um serviço”.
O relatório da ONU reúne também os estudos de casos de alguns dos principais acidentes com barragens de rejeitos no mundo – incluindo o rompimento em Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015 –, as atuais tecnologias do setor, e propõe recomendações para que a segurança seja ampliada. Como o relatório é de 2017, Brumadinho não entra nessa análise. No caso da barragem do Córrego do Feijão, de acordo com estudo técnico divulgado em dezembro de 2019, as razões para o rompimento estão relacionadas a deformações resultantes da constante pressão e à liquefação estática, que é quando o material sólido passa a se comportar como líquido.

Antonio Cruz / Agência Brasil
Desativação de barragens de montante
O cenário é mais grave nos casos das barragens construídas a montante. Esse método é mais econômico: o gasto com o concreto usado na fabricação dos diques é bem menor justamente por usarem como base de sustentação os próprios rejeitos. Além disso, a construção e o acréscimo de novos níveis nesse tipo de barragem podem ser feitos de forma bem mais rápida, evitando, desse modo, atrasos à atividade mineradora.
As barragens de minério do Fundão e do Córrego do Feijão, que se romperam causando dois dos maiores desastres em barragens de rejeitos de mineração no mundo, ocorreram em estruturas construídas a montante.
O pesquisador e geólogo Alex Bastos, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), defende a completa desativação de todas as barragens construídas com essa técnica. “Essas barragens não são mais feitas no mundo. Já tem algum tempo que foram condenadas. Acontece que existe um passivo muito grande e o correto teria sido desativar todas elas.” Bastos foi o responsável por realizar a análise do caso do rompimento da empresa Samarco, em Mariana, ocorrido no final de 2015, para o relatório da ONU.
Após a tragédia em Mariana, a Vale já havia iniciado a desativação das barragens a montante.
“Desativar uma barragem dessas gera muito custo e, por isso, as empresas vão levando isso devagar para não impactar economicamente”.Alex Bastos
Os prazos para a desativação das barragens de rejeitos estabelecidos pela Resolução 04/2019 da Agência Nacional de Mineração (ANM), publicada em fevereiro de 2019, foram ampliados pela Resolução 13/2019, de agosto. A justificativa foi o fato de que um prazo muito curto poderia ampliar os riscos de acidentes. Antes, o período máximo para a descaracterização no caso das barragens a montante de maior volume estava fixado em agosto de 2021 e, com a nova resolução, ficou para setembro de 2027.
A descaracterização envolve a drenagem dos líquidos da barragem e o plantio de vegetação no local, fazendo com que a estrutura deixe de ser considerada uma barragem. Já o descomissionamento desfaz a estrutura completamente, com a drenagem e retirada dos rejeitos do local. Atualmente, o Brasil tem 61 barragens a montante, segundo dados da ANM.
Por que a gestão importa?
Para o presidente da Academia Nacional de Engenharia, Francis Bogossian, a governança e o gerenciamento dos sistemas de rejeitos com a adoção das melhores práticas disponíveis são o grande diferencial dos países mais avançados em segurança de barragens.
Bogossian entende que a cooperação entre empresas, órgãos públicos, organizações não governamentais (ONGs) e comunidades contribui para o alinhamento das diferentes áreas do conhecimento com a política do sistema de rejeitos da empresa. A ideia é investir no treinamento continuado de equipes e comunidade, bem como uma comunicação clara e direta com os públicos de interesse.
O professor destaca os exemplos do Canadá e do Chile. O vizinho sul-americano sofreu com o rompimento de várias barragens em decorrência de terremotos, o que motivou a modernização de suas práticas de gestão. “O Chile foi o primeiro país a proibir a construção de barragens de mineração por alteamento de montante”, pontua o professor.
“Na minha opinião, o sucesso alcançado pelo país no enfrentamento dos riscos associados à mineração deveu-se a implantação de um processo de comunicação transparente com a sociedade civil organizada do país”.Francis Bogossian
No que concerne ao Canadá, o professor destaca uma publicação da Mining Association of Canada (Associação Canadense de Mineração) que estabelece diretrizes para boas práticas de gerenciamento na área.
Nesse caso, explica o professor, as grandes decisões que envolvem riscos para a sociedade e para o meio ambiente são discutidas com as partes interessadas – como acadêmicos, ONGs, comunidade, governo e imprensa – antes de serem implantadas. Desse modo, é possível identificar os possíveis impactos, a aceitação ou não daqueles riscos, mitigação e compensações.
Segundo ele, um modelo eficiente de gerenciamento de resíduos deve ter uma política do sistema de gerenciamento de rejeitos, uma matriz de responsabilidade, o emprego de um profissional para exercer e função de engineer of record (engenheiro de registros, em tradução literal) e um documento que estabeleça parâmetros para o gerenciamento de mudanças.


Menos é mais: a água e as tecnologias alternativas
Bogossian ressalta que as tecnologias mais modernas de disposição de rejeitos reduzem a quantidade de água da polpa, permitindo o reaproveitamento dela no beneficiamento do minério. “Isso diminui o volume do reservatório e pode até mesmo eliminar a necessidade de barragens”, esclarece.
Por outro lado, as técnicas de disposição de rejeitos a seco usam um equipamento denominado filtro prensa para liberar o rejeito de um modo que permite ser empilhado e compactado com equipamentos de terraplanagem, como se fosse um solo usado na construção de aterros.
Segundo ele, a maioria dessas tecnologias já é aplicada no Brasil, embora de forma não tão intensa quanto nos lugares onde a exploração mineral está mais avançada. “Muitas mineradoras já implantaram essas novas tecnologias e outras estão migrando para esses sistemas. Entretanto, requer tempo para aquisição dos equipamentos, mudança de processos, treinamentos e adaptação às características de cada minério processado”, observa.
Tecnologias alternativas: rejeitos desaguados
Uma alternativa que pode eliminar a necessidade do uso de barragens é a de, após o beneficiamento do minério, aplicar tecnologias que reduzam a quantidade de água da polpa.
Saiba mais sobre algumas tecnologias aplicadas com esse fim:
Disposição em pasta
1Essa tecnologia permite a retirada da água dos rejeitos por meio de um equipamento chamado de filtro tambor.
2O filtro tambor funciona a vácuo e possibilita a secagem do rejeito até que o teor de sólidos supere os 60%.
3O resultado final é um resíduo em forma de pasta, que é disposto ao ar livre para secagem por evaporação.
Empilhamento a seco
1Com o auxílio de outra máquina, chamada de filtro prensa, o teor de sólidos dos rejeitos pode chegar a 80%.
2O filtro prensa é mais eficiente porque usa pressão hidráulica sobre o rejeito para tornar a filtragem mais eficiente.
3Ao final, os rejeitos podem ser dispostos ao ar livre, onde são compactados com o auxílio de equipamentos de terraplanagem.
Disposição de resíduos: em busca de padrões
Os desastres como os que aconteceram no Brasil em Brumadinho e Mariana contribuíram para despertar tanto nas empresas do setor quanto em órgãos e entidades ambientais e nas Nações Unidas a necessidade de estabelecer padrões de segurança unificados para exploração mineral. Isso inclui parâmetros para a segurança nas barragens e destinação dos rejeitos.
Um documento com esse objetivo está sendo elaborado pela ONU Meio Ambiente, pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais, do qual a empresa Vale faz parte, e da organização Princípios para o Investimento Responsável.
“Um dos grandes pontos que se colocam é que não há uma uniformidade no modelo ou na forma de segurança dessas barragens no mundo”.Alex Bastos
Os caminhos que se desenham, segundo o pesquisador Alex Bastos, são tanto o do aumento da segurança das barragens quanto o do desenvolvimento de novas tecnologias para destinação de rejeitos de minérios, a exemplo da estocagem a seco.
O grupo lançou um primeiro rascunho com as propostas de padrões que ficou disponível entre 16 de novembro e 31 de dezembro de 2019 para consulta pública. O documento final será publicado em 2020 e definirá parâmetros que deverão ser seguidos por todas as empresas que compõem o Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), bem como aquelas que pretendam se juntar à organização. As informações foram divulgadas no site do Conselho.
O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, matou 17 pessoas e liberou um total de 32 milhões de metros cúbicos de lama que destruiu Bento Rodrigues, distrito da cidade. No acidente em Brumadinho, morreram 259 pessoas. Ainda existem 11 desaparecidos, por isso, as buscas do Corpo de Bombeiros continuam na região.

Divulgação / Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Como proceder se moro perto de uma barragem?
O Relatório de Segurança de Barragens (RSB), lançado pela Agência Nacional de Águas em dezembro de 2019 com dados referentes ao ano de 2018, traz orientações para pessoas que moram perto de barragens.
- Para saber a situação de uma barragem acesse o site do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB).
Atualmente existem 1.052 barragens de contenção de rejeitos de mineração registradas. - No site é possível saber por meio de painel e mapa interativo se as barragens estão cobertas pelo Plano Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), os empreendedores responsáveis, quem as fiscaliza, a classificação quanto ao Dano Potencial Associado (DPA) e à Categoria de Risco (CRI) e a existência do Plano de Segurança da barragem e seus componentes. Com essas informações, é possível ter uma visão geral da segurança dessas estruturas.
- O DPA diz respeito aos impactos socioeconômicos, ambientais e a perdas de vidas que o rompimento de uma barragem poderá causar. O CRI, por sua vez, refere-se ao quão grave são as vulnerabilidades da barragem que o empreendedor deve sanar para evitar um rompimento.
- Se as informações não forem encontradas no site, o respectivo órgão fiscalizador deve ser contatado. Uma lista com os órgãos responsáveis pela fiscalização de acordo com a destinação da barragem pode ser encontrada no Relatório de Segurança de Barragens (RSB).
- O canal para denúncias envolvendo barragens é o 0800 644 0199, disponível 24 horas, ou o e-mail plantaocenad@gmail.com.
Acidentes em barragens de rejeitos pelo mundo
Local | Minério | Volume liberado | Impactos | |
---|---|---|---|---|
1 | Mariana Brasil 2015 |
Ferro | 32 milhões de m³ | 158 casas destruídas no distrito de Bento Rodrigues 17 mortos 2 desaparecidos 663 km de rio poluídos |
2 | Polley Canadá 2014 |
Cobre e Ouro | 7,3 milhões de m³ de rejeitos 10,6 milhões de m³ de água 6,5 milhões de m³ de água intersticial (presente nos poros das rochas) |
Rejeitos poluíram o Lago Polley, passando pelo riacho Hazeltine e chegando ao Lago Quesnel. |
3 | Romênia 2000 |
Ouro | 100 mil m³ de líquido contaminado com cianeto | Contaminação do córrego Szamos, tributário do rio Tisza, matando toneladas de peixe e envenenando a água de mais de 2 milhões de pessoas |
4 | Los Frailes Espanha 1998 |
Zinco, chumbo, cobre e prata | 4 a 5 milhões de m³ de água tóxica e chorume | Milhares de hectares de áreas cultivadas cobertas de chorume |
5 | Ilha Marinduque Filipinas 1996 |
Cobre | 1,6 milhão de m³ | Retirada de 1,2 mil pessoas 18 km de rio preenchidos de rejeitos Danos estimados em US$ 80 milhões |
6 | Stava Itália 1985 |
Fluorita | 200 mil m³ | Rejeitos alcançaram 4,2 quilômetros abaixo do acidente 268 mortos 62 construções destruídas |
Fonte: Cronologia das maiores falhas em barragens de rejeitos/WISE Uranium Project |