Durante quatro anos, Lugo governou com o parlamento mais arisco da América Latina

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O impeachment de Lugo e a crise no Paraguai

Criado em 11/12/12 15h37 e atualizado em 24/12/12 13h37
Por Leandro Melito - Portal EBC

No dia 15 de junho a reintegração de posse em uma fazenda disputada pelo Estado paraguaio e o empresário Blás Riquelme, resultou em um massacre na região de Curuguaty que teve como saldo a  morte de seis policiais e 11 camponeses [2]. O episódio rapidamente se tornou o principal assunto no parlamento paraguaio e,  uma semana depois do ocorrido, teve início o processo contra o presidente do país, Fernando Lugo, eleito constitucionalmente em 2008 [3].

A acusação formal foi feita pela Câmara dos Deputados às 18h do dia 21 de junho e declarava que o então presidente estava desempenhando mal as suas funções [4]. A defesa teria 17 horas para elaborar seus argumentos e duas horas para defendê-los diante do Senado. Com a população paraguaia dividida sobre o tema [5],  Lugo foi deposto pelo Senado na noite do dia 22 de junho e cerca de 10 mil pessoas foram até a capital federal para protestar contra a decisão. A notícia chegou aos demais chefes de Estado da região, que estavam reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20 e a Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu enviar uma missão ao país [6].

Confia imagens de protesto em apoio à Lugo realizado em frente a TV Pública do Paraguai

A presidenta Dilma Rousseff condenou a destituição de Lugo, considerando seu impeachment um processo de “rito sumário”. Em reação à decisão do Congresso paraguaio, Dilma convocou o embaixador do Brasil no Paraguai, Eduardo Santos, para prestar esclarecimentos [21]. No Paraguai, Fernando Lugo transformou sua casa em Lambaré, nos arredores de Assunção, capital do país, em uma espécie de quartel-general de um governo paralelo ao oficial e manteve a rotina de governo, mesmo depois da destituição [22].

No dia 24/06, presidentes do Mercosul anunciaram a suspensão do Paraguai do bloco regional por quebra da ordem democrática [23]. No dia 25/06,  em seu terceiro dia no posto de presidente do país, [24]Federico Franco [24] continuou a nomear a nova equipe ministerial, em meio aos protestos dos países vizinhos [24].

Confira fotos da primeira reunião de Franco com a equipe de governo

A crise política no Paraguai foi o tema principal de todos os organismos multilaterias que envolvem a região. Além de estar na pauta da União de Nações da América do Sul (Unasul) e da  Cúpula do Mercosul, o tema gerou uma sessão extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA) [30]. Em meio à tensão, Franco anunciou que iria deixar as relações internacionais do país em segundo plano para se dedicar à política interna [31]. Já o ex-presidente Fernando Lugo desistiu de participar da reunião de cúpula do Mercosul [32]. A reunião, que teve a crise no Paraguai como tema principal, definiu os termos da suspensão do país no bloco [33] e definiu a entrada da Venezuela como membro pleno [34].  A Unasul também manteve a suspensão temporária do país até a realização de eleições democráticas e transparentes [35]. Lugo, que já havia afirmado que não tentaria voltar à presidência do Paraguai após o impeachment, foi autorizado pelo Superior Tribunal do país a concorrer ao Senado [36].

Em agosto, o governo Franco pede que a situação do país seja analisada na OEA [37] e sinaliza que fará um referendo popular para definir sua permanência no Mercosul [38]. Apesar da missão da OEA enviada ao Paraguai para analisar a situação do país logo após o impeachment de Lugo, não houve consenso nas consultas internas sobre o assunto feitas informanente dentro desse organismo. Já a Unasul ratifica a suspensão temporária do Paraguai, após analisar relatórios específicos enviados pelas 11 embaixadas dos países que integram o grupo [39]. O ex presidente Lugo encaminha uma mensagem em tom poético à população em  que disse que é necessário tentar “olhar as flores” que nascem em agosto, mês em que completaria mês em que completaria quatro anos de mandato, e buscar a construção de um “país melhor”.  Na mensagem, Lugo sinaliza que deve voltar à política em 2013 [40], mas reafirma que não irá concorrer à presidência [41].

Após anunciar que enviará 500 observadores para acompanhar as eleições de abril de 2013 no Paraguai [42], a OEA condiciona a credibilidade do país à transparência na realização do pleito [43] e afirma que as autoridades do Paraguai atuam para o fortalecimento da democracia [44].

Novas movimentações

Tendo as eleições presidenciais de abril de 2013 como condicionantes para a volta do reconhecimento internacional da democracia no Paraguai, começam a se esboçar no país as articulações para definir o novo cenário de disputa nas urnas. No dia posterior ao informe da missão da OEA, o ex presidente Fernando Lugo é eleito o novo líder da coalizão de esquerda no país [45], formada por 20 partidos políticos. Na semana seguinte, durante visita ao Uruguai, Lugo denuncia perseguição política contra funcionários que integravam seu governo [46] e trabalhadores de ministério paraguaio anunciam greve devido à perseguição [47].

O governo de Federico Franco apresenta um protesto formal aos governos do Brasil, da Argentina e do Uruguai [48] pela suspensão do país no Mercosul, que completava três meses, e se posiciona contra a entrada da Venezuela no bloco. Ele apela à presidenta Dilma Rousseff [49], para que "ouça a opinião dos brasileiros que vivem no Paraguai" sobre o impeachment de Lugo. Como resposta, o assessor especial de assuntos internacionais para a Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, disse que o Paraguai deve evitar "instrumentalizar" os cidadãos brasileiros que vivem no país [50].

A ação de Fernando Lugo que questionava a constitucionalidade do processo de impeachment que o tirou do poder, é rejeitada pela Corte Suprema do Paraguai [51].

Assembléia da ONU

Em setembro, Franco inicia uma campanha na Assembléia Geral das Nações Unidas contra a suspensão do país no Mercosul [52]. O secretário-geral da ONU, Ban ki-moon, apelou a Franco para que seu governo promova o diálogo político no país [53]. Sem citar o Paraguai, a presidenta Dilma Rousseff ressaltou em seu discurso na abertura da 67ª Assembléia da ONU em Nova York, que o Brasil se empenha em favor da democracia e da paz na região e que a integração de uma região depende necessariamente do respeito à democracia [54]. Na sua vez de ocupar a tribuna da Assembléia, Franco reclama que os países vizinhos violaram princípio da não intervenção [55].

Nova versão

Um relatório da Plataforma de Estudos e Investigações de Conflitos Camponeses [56], apresentado em outubro, responsabilizou a repressão policial pela saldo trágico da remoção de camponeses no massacre de Curuguaty [57]. O estudo, apresentado pelo presidente da Plataforma, o dirigente político Domingo Laino, é acompanhado por vídeos, fotos e declarações de testemunhas do episódio ocorrido em junho e questiona a investigação oficial sobre o caso realizada pela Fiscália, espécie de Ministério Público do Paraguai.

Corrida eleitoral

A corrida eleitoral no Paraguai começa com divergências internas na Frente Guasú, coalizão de esquerda encabeçada por Lugo. O ex-presidente criticou publicamente o lançamento da pré-candidatura Mario Ferreiro [58]. Segundo Lugo, o nome de Ferreiro obteve o apoio de 11 dos 20 partidos que integram o bloco político, o que, para ele, é insuficiente e defendei a necessidade de consenso na coalizão para lançar um nome ao governo paraguaio.

Franco também enfrenta problemas. Após a revelação de irregularidades em sua declaração de bens, senadores paraguaios cogitam pedir o impeachment do atual presidente [59]. No início de novembro ONGs paraguaias encaminham à OEA denúncias de violações de direitos humanos no país [60]. Informe do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Assunção, aponta que o país deve fechar 2012 com o pior resultado econômico da América Latina [61]. Com a desaceleração da economia, o Produto Interno Bruto (PIB) do Paraguai deve fechar o ano em -1,5%.

No dia 20/11, o  Tribunal Superior de Justiça Eleitoral do Paraguai, por meio de seu assessor jurídico, Carlos María Ljubetic, reconheceu a realização da primeira grande fraude na falsificação do registro de afiliados [62] do Partido Colorado, uma das organizações tradicionais da política local. O episódio colocou em dúvida o processo eleitoral no país e o secretário-geral da OEA fornalizou o acordo para que a organização acompanhe as eleições no país [63]. Já o peruano Salomón Lerner, presidente do Grupo de Alto Nível da União de Nações Sulamericanas (Unasul) chegou ao país no dia 22, apesar da negativa do governo em receber representantes do bloco integracionista [64].

No dia 28/11, o ex presidente Fernando Lugo é oficializado candidato ao Senado [65] no Paraguai pela coalizão de esquerda Frente Guasú. O candidato à presidência será Aníbal Carrillo Iramain e o vice será o dirigente camponês Luis Aguayo.

País continua suspenso após nova rodada de discussões internacionais

Apesar da expectativa de ver sua suspensão revogada [66] durante a Cúpula da Unasul realizada no Peru em 30/11 [67], a suspensão foi mantida. Em seu discurso, o presidente Ollanta Humala falou sobre a "violação de processos democráticos" [68] como um dos desafios a serem enfrentados na região. O Paraguai criticou energicamente a decisão por meio de um comunicado [69] em que a classificou como “perseguição sistemática” do bloco regional e anunciou que iniciará uma campanha para torná-la pública, mobilizando todas as suas embaixadas. O ex-presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz, Oscar Arias, é o enviado da Organização dos Estados Americanos (OEA) ao Paraguai para fazer uma análise preliminar sobre a situação política no país [70].

Na Cúpula do Mercosul, a situação do país também esteve presente em todas as discussões. Apesar de suspenso do bloco, o Paraguai foi representando pela sociedade civil na Cúpula Social do Mercosul [71], evento realizado por organizações civis que antecedeu a Cúpula dos chefes de estado em Brasília. Marcela Gonzáles apresentou durante o evento um documento onde aponta violações de direitos humanos que ocorrem no Paraguai desde o massacre de Curuguaty [72]. A suspensão do Paraguai foi mantida no Mercosul [73]. Em seu discurso, Dilma ressaltou que a medida não irá prejudicar a população do país [74]. O Paraguai criticou novamente a decisão [75] e disse que vai insistir no fim das sanções ao país [76].

Direitos Humanos

Durante as comemorações do dia internacional dos Direitos Humanos em Assunção, o coordenador residente da Organização das Nações Unidas (ONU) no Paraguai, Lorenzo Jiménez, pediu ao governo de Federico Franco o esclarecimento do massacre de Curuguaty e o assassinato do líder camponês Vidal Viega [77], na mesma região, no dia 01 de dezembro.

 

 

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