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Imagem: Jaider Esbell

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Artista apresenta conceito de arte indígena contemporânea em exposição itinerante

Criado em 08/07/16 11h10 e atualizado em 08/07/16 11h44
Por Leandro Melito Fonte:Portal EBC

Brasília - O artista Jaider Esbell, indígena mucuxi de Roraima, iniciou nesta semana uma exposição itinerante que vai percorrer sete estados apresentando o conceito da Arte Indígena Contemporânea, que desenvolve no seu ateliê em Roraima. A ideia da exposição itinerante surgiu com intuito de "socializar com o mundo a visão do artista que carrega em suas obras referências ancestrais no contexto da contemporaneidade", explica em entrevista por email concedida ao Portal EBC.

A exposição "It Was Amazon!" (Isso Foi a Amazônia), apresenta 16 obras em preto e branco que retratam os usos e abusos da natureza na região da Pan-Amazônia - termo utilizado para identificar a floresta amazônica nos diferentes países que ela abrange: Brasil, Suriname, Guianas, Bolívia, Equador, Venezuela, Colômbia e Peru. A exploração da pessoa, o alto impacto na vida selvagem, os contrabandos e desmandos na floresta são os temas abordados em sua obra.

It Was Amazon! Jaider Esbell
Creative Commons - CC BY 3.0 - It Was Amazon! Jaider Esbell

Arte Indígena Contemporânea

A discussão sobre a arte indígena contemporânea resultou de uma articulação entre artistas, artesãos, lideranças, comunidades e a sociedade em geral tendo como espaço seu ateliê, a Galeria de Arte Indígena Contemporânea. No local, Jaider realiza o trabalho de articulação e fazeres coletivos comunitários desenvolvidos com o povo Xirixana, habitantes da Reserva Indígena Yanomami, região de floresta amazônica, além de atividades com os povos indígenas do lavrado e das montanhas. "Quero acreditar que os índios percebem e fazem arte desde sempre, mas hoje ela serve para propósitos atuais, que podem agir naturalmente com ela na vida plena alcançando dignamente o mundo possível", explica.

Esbell viveu até os 18 anos na área que hoje é a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Saiu de lá aos 19 anos para trabalhar como funcionário público na Eletrobrás, ocupação que manteve até o mês passado, quando pediu demissão para se dedicar exclusivamente ao trabalho artístico. "Hoje vivo da arte e me considero um livre pensador, um artista autônomo", conta. Com gosto pela escrita e o desenho desde a infância, Esbell se formou em Geografia em 2007. A dedicação à escrita como atividade profissional começou em 2010 com uma bolsa da Funarte, que resultou no livro "Terreiro de Makunaima – Mitos , lendas e estórias em vivências". publicado em 2012. A pintura veio na sequência e resultou em exposições nos Estados Unidos e Europa. Confira abaixo a entrevista completa.

Como surgiu a ideia da exposição itinerante?

Da necessidade de dar maior visibilidade e acesso ao meu trabalho, que completou cinco anos em 2015 e compreende vários fazeres, saberes e contextos coletivos em linguagens pares. Da necessidade de expandir o entendimento sobre a compreensão maior do fazer artístico no que se entende com Arte Indígena Contemporânea no campo prático e contextual. De mostrar o que eu compreendo como relação Local-Global. De socializar com o mundo a visão do artista que carrega em suas obras referências ancestrais no contexto da contemporaneidade. De buscar o protagonismo amplo em termos de pensamento livre e autônomo, dialogando franca e diretamente com todas as áreas do conhecimento, sejam as academias científicas, a sociodiversidade e o argumento maior qual seja, construir coletivamente um mundo viável para toda a humanidade. E, após viver e dar aulas por oito meses nos Estados Unidos, estar entre os artistas mais importantes da cena atual brasileira e ainda permanecer "invisível" são boas razões para a itinerância em todo o território nacional. 

Qual o trajeto e porque a escolha desses lugares?

A itinerância será intercalada em períodos médios de 5 meses, entre estes períodos retorno ao meu estado de origem, Roraima. A etapa I compreende a abertura pelo estado do Maranhão e segue na ordem geográfica - PI, CE, RN, PB e PE. Escolhi o estado do Maranhão por razões específicas. Pela relação histórica que liga estes dois estados. No período da escravidão índios Makuxis e de outros povos da região foram trazidos como escravos para o trabalho no Pará e Maranhão. Esse fato pouco é citado na história oficial, e logo, séculos depois, políticos levaram contingentes de maranhenses e gente de outros estados nordestinos para trabalhar em serviços braçais no ainda território de Roraima, sendo já uma estratégia para a formação de "curral eleitoral". Esses eventos possibilitaram a ligação histórica, social e cultural entre os estados e obviamente o maranhense contribuiu para a formação base da identidade cultural do estado de Roraima. Por o Maranhão ser entrada/saída para a Amazônia assim como Roraima e ainda dividirem ou compartilharem desafios e oportunidades semelhantes em diversas perspectivas.   

Desde quando você se dedica à arte?

Minha relação com a consciência artística, ou seja a noção sobre o meu talento e habilidades remetem-me aos meus 6 anos de idade. Deixei a casa dos meus pais aos 18 pra morar na capital Boa VIsta (Roraima), para estudar, criar uma estrutura básica para a minha vida de artista, assim, em 2010 inicio minha carreira como escritor premiado pela Funarte/Minc. Desde então considero-me artista propriamente dito. No mês de junho de 2016 demito-me do Sistema Elétrico Brasileiro, onde estava concursado desde os 19 anos se idade. Hoje vivo da arte e me considero um livre pensador, um artista autônomo.

Quem foram seus principais professores nesse processo?

Nenhum. Meu avô que me contou as lendas e me disse que o mundo era um encanto. Sou autodidata, desenvolvo-me dos contatos e livres observações. Eu sou geógrafo, a academia me ajudou a organizar metodologicamente meu pensamento, mas sou fluido e não me categorizo.

Que outros artistas você tem como referência?

Gosto da vida de Frida Khalo, outros não se fixaram na minha memória.

Quais temas você costuma abordar nos seus trabalhos?

A vida plena, a falta dela, a natureza expandida, viva, morta, agonizante, na maldade da natureza humana, a loucura total que meu imaginário alcança.

It Was Amazon! Jaider Esbell
Creative Commons - CC BY 3.0 - It Was Amazon! Jaider Esbell

Em que tipo de materiais você prefere trabalhar?

Tudo que eu consigo alcançar pode virar arte, mas eu gosto mesmo é de escrever em português e desenhar livremente em tudo, pintar tudo.

Qual a importância do Encontro de Todos os Povos nesse processo?

O encontro surgiu da minha perplexidade em enxergar o mar de possibilidades, magia e mistério que a arte pode proporcionar, de achar uma forma de dizer: "tá tudo aí". Por entender que o artista, se quiser, pode poder. Foi para mostrar como cativar a união, a transformação maior que se pede diariamente mas nunca se alcança. Foi uma forma de mostrar: "vejam vocês todos, pode ser que seja por aqui, querem? Você podem, tá tudo aqui!"

Você sempre desenhou e escreveu mas começou a trabalhar oficialmente com a arte por meio da literatura. Como você concilia esses dois fazeres artísticos e como um influencia o outro?

Hoje pra mim tudo é arte, categorizar não me compete, eu sou artista, não sou ciência.

Como são as vivências coletivas indígenas em arte contemporânea e como isso contribui para o seu processo artístico?

Eu vou onde me convidam, entendo que nada pode ser impositivo, eu sempre quero acreditar que a arte deve ser vista como uma possibilidade. Quero acreditar que os índios percebem e fazem arte desde sempre, mas hoje ela serve para propósitos atuais, que podem agir naturalmente com ela na vida plena alcançando dignamente o mundo possível. Não concordo com o modo de educação ocidental, tampouco quero ser tido como professor.

Novamente eu digo: todos são capazes, e a arte não é nada sem o artista. Sempre é uma relação de prazer e dor, ver quão distante as pessoas estão de ver-se na íntegra.

É gostoso quando uma mulher vê-se além que suas funções culturais e biológicas servir, de gerar e parir mais um pra guerra, quando ela pinta-se para uma festa onde ela nunca pensou ser importante. E é só, a arte nas comunidades é de cada um em particular e eu não alcanço o pensamento deles, são outras maravilhas e lá é sagrado, mas não segredo, talvez. Só eles, os alcançados ou os excluídos, sim, pois arte exclui, podem falar de seus sentimentos, para mim enquanto artista, claro, é a gloria. 

Você viveu até os 18 anos onde hoje é a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Qual a importância da demarcação dessa área?

Um exemplo para o mundo da necessidade de se respeitar o que existe desde sempre, antes de qualquer lei moderna, ou seja, as pessoas e suas relações indissociáveis com a terra, com a memória e a ancestralidade. Sobre este assunto cabe outra entrevista. Eu defendo, apoio e acho que sim, valeu, não será em vão a morte por assassinato de centenas de pessoas na defesa de seus tudos, a vida plena e em paz no seu berço sagrado.

Creative Commons - CC BY 3.0

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