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"O movimento secundarista é 100% horizontal", defende aluno que ocupou colégio em SP
Criado em 01/06/16 17h36
e atualizado em 01/06/16 18h23
Por Leandro Melito
Edição:Leyberson Pedrosa
Fonte:Portal EBC
Desde o fim de 2015, estudantes secundaristas voltaram a fazer parte do noticiário político brasileiro após ocuparem escolas e prédios públicos em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás. Na capital paulista, a mobilização estudantil ganhou mais força após o anúncio do projeto de reorganização escolar feito pelo governador Geraldo Alckmin. A ocupação de centenas de escolas em todo o estado fez com que o executivo adiasse a proposta de reorganização.
Em entrevista ao Portal EBC, o presidente do grêmio do Colégio Caetano de Campos, Lucas Penteado Kóka, analisa os impactos das ocupações que ocorreram em São Paulo. O colégio, localizado na Avenida Consolação, ficou ocupado por dois meses no final de 2015 como protesto contra o projeto de reorganização escolar.
Confira a entrevista completa aqui.
Este ano, os estudantes paulistas voltaram a ocupar escolas e espaços públicos. O Centro Paula Souza, autarquia responsável por administrar as Etecs (Escolas Técnicas Estaduais) e as Fatecs (Faculdades de Tecnologia), está tomado desde o dia 28 de abril.
No dia 3 de maio desse ano, em ato na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a ação dos movimento garantiu o pedido de urgência na abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de desvio de verba das merendas nas prefeituras e governo do Estado.
Influências históricas
A estratégia de ocupar espaços públicos como forma de protesto frente aos poderes municipais, estaduais e federais se popularizou com os movimentos que lutam por reforma agrária e urbana no país e já foi utilizado por estudantes universitários na ocupações de reitorias.
O integrante do movimento por moradia no centro de São Paulo, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, começou a fazer ocupações há mais de 30 anos ainda no governo de Orestes Quércia. Ele chegou a visitar algumas ocupações de estudantes secundaristas em São Paulo e considera fundamental a mobilização estudantil.
"Como militante político desde muito jovem, sempre tive as ocupações como o princípio da forma forçar a barra para o diálogo e acredito que hoje, no Brasil, as ocupações ainda têm essa utilidade para conversar com os governos”, avalia Gegê.
Uma diferença entre as ocupações dos movimentos de moradia ou de terra em relação aos secundaristas é a forma de organização. Enquanto movimentos de moradia tem uma hierarquia mais rígida em relação à coordenação das ocupações, responsabilidades são mais compartilhadas entre os secundaristas.
“As informações deliberadas são resumidas em assembleias gerais, são debatidas e deliberadas. Não existe representação, é um movimento horizontal”, afirma Kóka.
Confira a entrevista com o presidente de grêmio Lucas Penteado Kóka
Como foi o início desse processo? Por que vocês adotaram a estratégia de ocupar as escolas?
A ocupação é uma estratégia política. A gente se baseou um pouco nas ocupações do MST e também das reitorias das universidades. São bem antigas, só que gente abordou de uma maneira que, se estivermos ocupados nas nossas escolas, elas não vão fechar.
Você considera o anúncio da reorganização estudantil como um marco na organização dos secundaristas?
Claro, aliás, foi um marco pra mim. Me direcionou muito mais forte à luta. A luta contra a reorganização estudantil fez com que eu ficasse dois meses sem voltar pra casa. Muitos outros estudantes fizeram isso. Fez eu largar o teatro. As ocupações estão saindo em diversos jornais no mundo, em uma conjuntura na qual a política está sendo discutida de uma maneira muito abrangente, independente se está sendo manipulada pelas mídias. Alguns veículos, as maiores mídias, realmente manipulam a informação, mas está tendo um reconhecimento muito grande de que há algum tipo de mudança.
Acho que isso vai ser lembrado por muito tempo. É uma revolução, uma mudança de âmbito de conjuntura, uma mudança de conhecimento. Os pensamentos são diferentes. É uma aula de cidadania o que os secundaristas estão fazendo.
Vocês conseguiram adiar o projeto de reorganização escolar com as ocupações. Qual é o foco esse ano?
Ele foi adiado, mas ainda acontece por baixo dos panos. Salas de aulas fecharam, períodos inteiros fecharam, escolas fecharam e o governo disse que foi uma demanda menor de alunos. Não existe isso, ela é maior a cada ano. Teve uma reorganização disfarçada. Essa é uma das nossas reivindicações para as ocupações esse ano. Também o roubo da merenda, por merenda nas Etecs, nas universidades públicas. Pelas cotas nas universidades públicas. Pelo direito dos LGBTs.
A conjuntura nacional mudou de uma maneira muito grande, e eu acho que está meio unificado, tem as mesmas reivindicações no Brasil inteiro. Não tem muita diferença entre as ocupações de São Paulo e as ocupações do Rio, de Goiás, a ocupação da Funarte pelo direito ao Ministério da Cultura.
Defendemos o fim desse plano acadêmico que é implantado há tanto tempo. Uma evolução educacional. Uma consciência política de ver implantada na educação a própria Constituição. Que o estudante saia do ensino médio com a consciência da Constituição, que estude a conjuntura e vote com consciência. É a evolução do proletariado. A ideia é a evolução do proletariado, o fim do capitalismo e, se a gente for aprofundar, que se descubra o ladrão da merenda, por merenda nas Etecs, pelo fim do vestibular na universidade pública, é pelas cotas nas universidades públicas, entre outros.
E como tem sido o debate político dentro das ocupações?
Não existe representação, é um movimento horizontal. Então as informações são deliberadas em assembleia, assim como as pautas, as reivindicações.
Você já era presidente do grêmio (estudantil) antes da ocupação. Quando começou seu envolvimento com atividades políticas?
Eu comecei com seis anos de idade porque minha mãe era coordenadora da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo e eu entrei nesse meio político, fui estudar. Não quis seguir Trotsky nem Lenin. Ainda acho que tenho uma ideologia comunista, porém não acredito na hierarquia. A ideia da conjuntura nacional era pra ser presidencialismo democrático, mas o que a gente está vivendo é um parlamentarismo. Foi assim que eu fui desenvolvendo, vivenciando junto com a minha mãe e virei presidente do grêmio do Caetano de Campos na Consolação. Já era tesoureiro, antes disso fui diretor cultural, diretor de base, secretário geral...
Antes dessa mobilização que ganhou força contra a reorganização escolar, os secundaristas já participavam de outros atos como os protestos pelo passe livre...
O Movimento Passe Livre (MPL) tinha um movimento horizontal sem liderança, mas acho que, antes disso, já havia diversas outras organizações, ONGs, entre outros que não acreditavam na hierarquia de um presidencialismo, nem de uma direção. Acreditavam que o poder do povo, a voz do povo era unificada quando não havia uma hierarquia; a hierarquia era a assembleia geral, era a fala de todos, unificada.
Em que outros movimentos vocês se inspiram hoje em relação à prática de uma política horizontal?
É uma discussão muito abrangente porque no MPL há uma horizontalidade, mas se você for ver, de alguma forma há um representante, é colocado um representante pra falar, tem uma diferença muito grande. Na luta dos universitários agora também preferem fazer uma hierarquia, uma divisão, que em algumas unviersidade é o CA (Centro Acadêmico), o DCE (Diretório Central dos Estudantes). Os secundaristas não: sempre que iam se comunicar era em jogral, não davam entrevistas para mídias grandes... Então, há uma horizontalidade muito mais forte, e acho que não tem uma comparativo com outro movimento, acho que é o único movimento que é dessa maneira, que é 100% horizontal, é o dos secundaristas.
Vocês já tiveram uma discussão em nível nacional sobre as ocupações ou essas conversas são feitas pela internet?
A gente sempre tenta fugir um pouco das entidades para que tudo seja realmente horizontal, porém tem algumas entidades como a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) que está fazendo um trabalho nacional e tenta unificar essa luta. Mas quem tá autônomo, horizontal mesmo, tenta se comunicar de alguma maneira. A gente tem contato de todas as ocupações, sempre tem um ou todos. A gente tem o contato de quase todos que estão lá no rio de Janeiro, tem alguns secundaristas que vieram de Goiás, outros que vieram de Minas Gerais, tem alguns que vieram do Rio Grande do Sul. Está tendo esse diálogo.
Vocês criaram algumas coisas, músicas próprias de protesto. Como é esse universo de referências criativas de vocês?
É o seguinte, sou MC de rap, de funk, gosto de samba, rock, música em geral, principalmente música popular brasileira. E eu acho que a música é um combustível também da revolução; a arte em si é um combustível. “Roda Viva” atravessou gerações, “Trono do Estudar” também, “Ocupar e Resistir” que eu tive a honra de escrever e “Mãe, Pai” que foi a última que saiu, foi o funk, são músicas que vão atravessar gerações.
Daqui a 10, 20, 30 anos vão falar que houve uma época que a conjuntura era a galera reclamando do governo federal, a galera reclamando do governo estadual, ninguém sabendo o que fazer, e aí os secundaristas ocuparam a escola contra o governo estadual e a galera estendeu o impeachment, independente de como foi. Eu sou contra a maneira que foi estendido o impeachment, quem entrou no lugar, principalmente eu sou contra aquilo que está sendo feito, até porque eu prezo pela democracia e não foi democrático isso que aconteceu.
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