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Jogos de Azar: "Você nunca vai ganhar. A palavra já diz: é um jogo", diz ex-compulsiva

29/07/16 18h36
Leandro Melito

A discussão sobre a legalização dos jogos de azar no Congresso Nacional levanta a preocupação com a compulsividade pela prática, doença tecnicamente denominada ludopatia. Recuperada há oito anos, após quase 15 de vício, Anna Riccitelli conhece bem essa realidade.

Jogos de azar: saiba o que dizem os projetos no Congresso Nacional 

Nascida em uma família de alto poder aquisitivo, ela perdeu tudo no jogo. Começou a jogar aos 35 anos e só conseguiu parar com tratamento. Hoje, aos 59, e com as dívidas quitadas após perder vários de seus bens, ela vê com preocupação os projetos que pretendem legalizar novamente esse tipo de entretenimento no país. "Entrei em depressão, tomava oito remédios por dia e tentei suicídio. Vivi um inferno", recorda-se.

Confira a entrevista completa:

PORTAL - Quando você começou a jogar?

AR - Há uns 20 anos, e o porquê até hoje não sei. Fui por convite de uma conhecida, por curiosidade, comecei a ganhar e obviamente me empolgue. Deixava minha filha na escola e não tinha o que fazer. Aí comecei nas cartelinhas e não gostei, queria mais. Comecei a ir para o computador, com mais adrenalina. De lá, fui parar nas máquinas caça-níqueis e essa foi a minha perdição. 

PORTAL - Com o que você trabalhava nessa época?

AR - Eu não trabalhava. Tinha um dinheiro disponível de herança, cuidava da minha filha, vendia algumas roupas ou coisas assim. Não me sentia útil pra sociedade. Foi nesse momento de vazio que comecei a jogar. Junto com o jogo veio a ilusão de que estava ganhando. Mas nunca estava, você joga 100 e perde 500. Perdi carro,  apartamento, minha filha e minha família. 

PORTAL - Com que dinheiro você jogava nesse período?

AR - Eu pedia dinheiro para todo mundo. Vendi todas as minhas joias, roubava tudo o que tinha da minha filha. Só não roubei na rua, o restante, dentro de casa, eu fiz. Vendi tudo que eu tinha. 

PORTAL - Quanto tempo se passou desde que você começou a jogar até começar a ter problemas com a prática?

AR - Aproximadamente cinco ou seis anos. Isso porque eu tinha dinheiro, fora tudo o que eu vendia. Quando perdi, foi de uma vez, já que ficava 24 horas no jogo. Tinha de pedir para o motorista me trazer sem pagar, eram agiotas me cobrando, humilhações indescritíveis. Entrei em depressão, tomava oito remédios por dia e tentei o suicídio. Minha vida era um inferno. Comecei a ser tratada totalmente como louca. Queriam me internar e ai consegui, com muita dificuldade, chegar a um tratamento.  

PORTAL - Como você chegou ao tratamento?

AR - Eu não consigo me lembrar. Eu não queria ir para lugar nenhum, não aceitava que tinha um problema. Mesmo quando cheguei lá, eu não aceitei. Demorei muito para chegar nessa fase. Minha família tentou me internar nesse período. Mesmo em tratamento eu continuava jogando, joguei por muito tempo. Saia do tratamento e ia para o jogo. 

PORTAL - Hoje, há quanto tempo você não joga?

AR - Já estou "limpa" [sem jogar] há cerca de oito anos. Não jogo nem na loteria. Segundo aprendi, a adrenalina dos caças-níqueis é a mesma das drogas. Nunca mais tive vontade de jogar, nem pretendo. 

PORTAL - E quanto tempo você levou para quitar as dívidas do vício, foi um processo demorado?

AR - Eu levei mais de cinco anos. Tive o apoio da minha família, mas precisei vender bens como meu apartamento e me desfazer do meu carro. 

PORTAL - Como você vê essa discussão no Congresso Nacional para a legalização dos jogos? 

AR - Um completo absurdo. Querem tirar dinheiro das pessoas que são ignorantes, que estão com problemas financeiros. Os aposentados são os que mais frenquentam esse tipo de estabelecimento, com jogos. Uma coisa é certa, você nunca vai ganhar. A palavra já diz: é um jogo. 

 

 

 

 

 

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