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Rei de Ifon, na Nigéria, visita marcos da resistência negra no Rio de Janeiro

21/11/14 16h51
Isabela Vieira

Em visita ao Brasil para estreitar laços com povos tradicionais, em especial os de matrizes africanas, o Rei de Ifon, região da Nigéria, Oba Al-Maroof Adekunle Magbagbeola, esteve hoje (21) na Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens, no centro do Rio de Janeiro. Ele representa o povo Yorubá, um dos maiores da Nigéria – hoje um país republicano, com presidente. Olumoyero II, nome adotado pelo rei, chegou ao Brasil no último dia 15, e visitou cidades do interior de São Paulo, antes de desembarcar na capital fluminense.

A ideia de trazer Al-Maroof ao Brasil partiu de entidades ligadas a grupos religiosos, com o objetivo de apresentar ao rei tradições de origem africana mantidas no Brasil. “A visita é parte da tentativa de interlocução entre os povos, após as diásporas. Os de lá [do outro lado do Oceano Atlântico] estão querendo ver o que aconteceu com os de cá. E os de cá [povos tradicionais] querem saber como vivem os de lá”, comentou o escritor e jornalista Carlos Nobre.

Segundo a tradição dos povos de matrizes africanas, Al-Maroof é descendente direto de Oxalá, orixá associado à criação do mundo. No Brasil, o povo de tradição se autodeclara descendente de Yorubá, portanto, do Reino de Ifon, mas apartado de suas origens por causa da escravidão. Agora, a ideia é restabelecer as relações - inclusive políticas - com a Nigéria.

“Ele é descendente de yourubano de Oxálufan, que é uma qualidade de Oxalá - o mais velho, o mais antigo”, explicou a mãe de santo Celina de Xangô. “Ele é o representante da nossa divindade maior. Para nós, Oxalá é Deus. Representa a paz, a harmonia e a tranquilidade”, completou. A estimativa das entidades é que Olumoyero descenda de uma linhagem de aproximadamente 8 mil anos.

Durante a visita à igreja, no Rio, Al-Maroof voltou a afirmar que o racismo “não é bom” para o mundo, e cobrou o fim de toda e qualquer forma de apartheid (discriminação). “Queremos a edificação dos direitos das pessoas e liberdade para o povo negro. Cobramos que os governos atuem nessa direção. Tudo o que precisamos é equidade”, declarou.

Professora do Laboratório de Estudos Africanos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mônica Lima e Souza esclareceu que a política, na Nigéria, é marcada pela convivência entre as autoridades republicanas com os reis locais. “A autoridade institucional também governa por meio desses reis, que têm legitimidade política e espiritual nas comunidades, nos reinos”, acrescentou.

Para Mônica, a visita de Olumoyero dá visibilidade aos locais que contam a história da população descendente da África no Brasil. “Há necessidade de conhecermos, e nos reconhecermos, nessa herança africana, em todos os sentidos - ter orgulho, assim como temos [orgulho] da herança ibérica. É como se tivéssemos herdado uma riqueza, da qual estamos agora nos apropriando”, enfatizou.

O Rei de Ifon, no Rio, conheceu também o Cais do Valongo - principal porto de desembarque de africanos escravizados nas Américas – e o Cemitério dos Pretos Novos, onde foram encontrados restos mortais de jovens escravizados, que morriam antes de serem vendidos.

Ainda hoje Al-Maroof volta a São Paulo para participar de atos contra as altas taxas de homicídios de jovens negros no Brasil, e finaliza a passagem pelo país em Brasília, na quarta-feira (26), em evento que discutirá, no Congresso Nacional, políticas públicas para povos tradicionais.

A Igreja do Rosário, embora católica, foi escolhida para a passagem do Rei de Ifon, por ser um dos principais marcos da resistência da população afrodescendente à escravidão. Ainda no século 18 foi criada, no local, a Irmandade dos Homens Pretos, que financiou enterros de pessoas negras escravizadas, alforrias, a luta abolicionista e a defesa do almirante negro João Cândido.

Editor Stênio Ribeiro

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