Debate sobre produção e sustentabilidade mobiliza indígenas de Raposa Serra do Sol
A região, localizada a nordeste de Roraima, foi palco de conflitos entre índios e brancos. A disputa custou a morte de 21 líderes indígenas ao longo de mais de 30 anos de luta pela posse da terra. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a homologação da terra de forma contínua (antes era em ilhas) e a retirada de todos os não indígenas da área. Atualmente, 1,7 milhão de hectares abrigam 105 comunidades onde vivem cerca de 20 mil índios de diferentes etnias. Os macuxis são maioria, seguidos pelos wapixanas, ingaricós, taurepangues e patamonas.
Pensando na recuperação do meio ambiente e nas gerações futuras, os índios criaram um plano de desenvolvimento para a Terra Indígena que está em fase de implantação. O plano prevê ações para os próximos 30 anos. A perspectiva é que a produção focada na agricultura, pecuária e piscicultura, seja aliada a ações de reflorestamento e preservação do meio ambiente.
O planejamento traçado pelo índios tem na pecuária a principal atividade econômica. O rebanho atual chega a 70 mil cabeças, o dobro do que havia antes da decisão do STF de homologar a terra de forma contínua. A criação de gado surgiu de um projeto introduzido na metade da década de 1980 pela Pastoral da Terra para auxiliar na subsistência dos índios. Foram doadas 50 fêmeas e dois machos às comunidades que se comprometiam a repassar a mesma quantidade para outras aldeias, depois de cinco anos, mantendo consigo o excedente.
A maior parte do rebanho é comunitária, mas algumas famílias podem ter sua própria criação se quiserem. Os animais são criados soltos e são abatidos com quatro anos, quando atingem cerca de 16 arrobas. Mais da metade da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é composta pelo que os índios chamam de “lavrado”. Trata-se de uma vegetação muito parecida com a do cerrado, o que facilita a pecuária extensiva. Não há venda de carne para fora das reservas. O trabalho é acompanhado por organizações indígenas em assembleias anuais.
Gregório, que aprendeu a cuidar do gado trabalhando para os fazendeiros da região, lembra que nem tudo são flores e que a criação ainda tem muito a melhorar. “A gente tinha trabalhado com os fazendeiros e aprendeu também como cuidar do gado, então por isso tornou mais fácil pra gente, mas assim mesmo nós tem um pouco de dificuldade. Nós estamos preparando também os alunos, nós temos uma escola no Surumú que está preparando o jovem pra trabalhar também melhor do que a gente”, revela.
Ele se refere ao Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, que oferece cursos técnicos de agropecuária para os índios, por meio de gerenciamento e manejo ambiental, numa perspectiva de fortalecimento do uso sustentável dos recursos naturais. Ao final da formação, os alunos voltam às suas aldeias para disseminar as experiências adquiridas no centro de formação.
A TV Brasil veicula nesta semana uma série de reportagens em comemoração ao Dia do Índio, 19 de abril.
Além da pecuária, a agricultura vem ganhando mais espaço nas aldeias. As tradicionais lavouras de mandioca, feijão e milho têm sido incrementadas com técnicas mais modernas, introduzidas pelos próprios índios, alunos do Centro de Formação. A maior parte da produção ainda é voltada para a subsistência das comunidades, mas os índios já começaram a vender para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produtos da agricultura familiar.
“Aqui se forma um profissionalizante pra voltar pra comunidade em uma área que a comunidade precisa. Por exemplo, na agropecuária, é na qualificação de rebanhos. Na agricultura, é mostrar para não trabalhar com agrotóxicos, mas com adubo orgânico”, explica Leônidas Peres.
O tuxaua revela que o desejo dos índios é reflorestar boa parte da área e reservar outra para manter a criação de gado. “A gente tem o apoio da Funai e vamos já começar a trabalhar nessa área. Agora tem que capacitar os agentes pra trabalhar nessa área”.
Peres explica que os índios esperam contar com a doação de um banco de sementes (copaíba, cedro, maçaranduba e árvores frutíferas) para que comecem a fazer o reflorestamento. Eles estão discutindo, inclusive a criação de um grupo para prevenir incêndios, comuns na região no período de estiagem. “A gente acha que o tempo que vai levar pra que a terra volte a ser o que era é de 30 a 50 anos, ou seja, a gente vai deixar pros que vierem”, completa.
Edição: Tereza Barbosa