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Professor da UnB alerta para riscos do mercúrio em vacinas infantis

07/08/13 11h35
Barbara Arato
Mercúrio é usado para conservar vacinas (Ascom Prefeitura de Votuporanga / Creative Commons)

Em janeiro deste ano, representantes de 140 países se reuniram em Genebra, na Suíça, para aprovar o texto final de um tratado ambiental que pretende restringir o uso e as emissões globais de mercúrio em produtos e processos industriais que utilizam o metal pesado, nocivo para a saúde e para o meio ambiente. Até 2020, o acordo deverá banir a produção, exportação e importação de certos tipos de lâmpadas fluorescentes, a maioria das baterias, pilhas, cimento, cosméticos, além de termômetros e aparelhos para aferir pressão arterial que utilizam a substância.

O documento, que estará aberto para assinaturas em um reunião no Japão, em outubro, ficou conhecido como Convenção de Minamata, em homenagem à cidade japonesa que sofreu com a contaminação de suas águas por mercúrio na década de 20. Apesar de considerado um avanço, o tratado deixou de fora um produto utilizado em larga escala: as vacinas para crianças. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, as doses são conservadas com uma substância chamada timerosal, à base de mercúrio. “Nações ricas como países da Europa, Estados Unidos e Canadá, já não usam mercúrio para preservar vacinas infantis”, afirma o professor do Departamento de Nutrição da UnB José Dórea, uma das maiores referências mundiais em pesquisas sobre o uso do metal pesado na área da saúde. Confira a entrevista concedida ao radialista americano Gary Null sobre o assunto:

Veja a entrevista - The UN’s Mercury Treaty Favors Corporate Wealth Over Children’s Healt

O professor Dórea esclarece que o mercúrio pode ser particularmente nocivo para o feto, recém-nascidos, crianças e mulheres grávidas. “Esse grupo é mais vulnerável a qualquer substância, porque é um estágio delicado de desenvolvimento do sistema nervoso central”, explica. Estudos de Dórea sugerem que pequenas doses de mercúrio em vacinas para crianças podem impactar no desenvolvimento motor e intelectual a longo prazo. “Não falamos de consequências debilitantes, como deixar de andar ou dirigir um carro”, ressalva.  “Trata-se do desenvolvimento de suscetibilidades para alterações do comportamento, de inteligência, coisas que ao longo da vida trazem desvantagens”, conclui.

O especialista afirma que não há riscos evidentes para adultos. “Para esse grupo, a dose relacionada por peso, nesse momento, não apresenta nenhum problema”, explica. O professor Dórea ressalva que, em casos emergenciais, não se pode prescindir do mercúrio como conservante para vacinas. “O problema é o uso regular, sistemático e progressivo”, diz. “Se houver um surto, uma epidemia, e for necessário que a vacina seja preservada com o timerosal, ninguém vai discordar”, exemplifica.

José Dórea argumenta que a Convenção de Minamata evidenciou a diferença de tratamento entre crianças de países ricos e pobres. “O que faltou nesse tratado foi uma cláusula que garantisse a simetria entre as crianças do mundo”, diz. “As crianças ricas podem receber um tipo de vacina e as pobres podem receber outro, sem problemas?”, questiona. “Somos a quinta economia do mundo, não temos problemas de dinheiro. Devemos desejar para nossas crianças o que os países ricos desejam para as delas”, conclui. Para Dórea, o debate deve ser levado às autoridades sanitárias brasileiras. “Ninguém fala nisso, é como se não existisse”, diz. “As autoridades deveriam dizer para a população não se preocupar, se o mercúrio não é um problema. Por outro lado, se não é um risco, por que existe um tratado internacional?”, questiona.

“O mundo todo já abandonou essa prática, mas o Brasil continua a gastar dinheiro em vacinas baratas, que obviamente têm que vir em embalagens múltiplas, que requerem preservativos”, continua o professor. José Dórea lembra que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já proibiu o uso de merthiolate, outro produto a base de mercúrio, utilizado para tratar ferimentos externos, mas permitiu que a substância continuasse nas vacinas. “O que parece é que não ligamos para o bem-estar dos nossos compatriotas”, observa. “Achamos que as coisas lá fora são melhores e, realmente, são. Por que não imitamos o que eles têm de melhor?”, defende Dórea.

PESQUISAS – O professor José Dórea se dedica a pesquisas na área que ele denomina Ecotoxicologia. “São questões de natureza ecológica, que têm complicações tóxicas em baixas quantidades e que estão permeadas na cadeia alimentar”, esclarece. Os focos são o mercúrio orgânico (metilmercúrio), que entra na cadeia alimentar e é encontrado na natureza, e o timerosal (ou etilmercúrio), fabricado artificialmente.

Dórea desenvolve trabalhos com populações ribeirinhas da Amazônia Ocidental, investigando as mudanças no comportamento em função do consumo de peixe, a exposição ao mercúrio e as consequências na saúde. Ele analisa ainda o uso do amálgama dentário, seus reflexos na transmissão do mercúrio ao feto, durante a gravidez, e ao recém-nascido, por meio do leite. O professor também realiza estudos para avaliar se a carga natural de mercúrio adquirida em vacinas, por exemplo, tem repercussão no desenvolvimento motor da criança.  “O peixe a gente sabe que tem repercussão na saúde do ponto de vista da nutrição. Mas não sabemos ainda se o mercúrio que ele carrega atrasa ou não atrasa o desenvolvimento”, explica.

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