Audiência pública discute remoções causadas pelos grandes projetos no Rio

03/12/2013 - 16h25

 

Flávia Villela
Repórter da Agência Brasil 

Rio de Janeiro - Representantes de comunidades removidas ou em vias de remoção por causa de obras para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 participaram hoje (3) da audiência pública Remoções por Grandes Projetos na Cidade do Rio de Janeiro, na Câmara dos Vereadores da capital fluminense. A violação de direitos humanos, privatização do espaço público e exclusão das comunidades envolvidas foram algumas das denúncias feitas no encontro que reuniu mais de 100 pessoas no plenário da Casa. 

Os moradores dessas comunidades queixaram-se da falta de informação e esclarecimento a respeito das obras e das desapropriações. Alguns reclamaram de agentes da prefeitura por fazer falsas promessas de aluguel social e de indenizações que nunca foram pagas.

Para Roberto Marinho, morador do Morro da Providência, na zona portuária da cidade, os interesses comerciais estão passando por cima dos sociais na região. "Esta é uma cidade que exclui o pobre, que é cidadão, que paga impostos, trabalha e contribui para a cidade" disse. "É doloroso e deprimente sofrer uma remoção. De uma hora para outra saber que sua casa será removida, sem uma satisfação. Nunca vi nenhum projeto, por onde vai passar a obra, quantas casas exatamente serão removidas", declarou ao ressaltar que alguns moradores tiveram que sair de casas confortáveis com varandas e foram realocados “em cubículos nos confins da cidade, mais distantes do centro”, denunciou. 

De acordo com o pesquisador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbanístico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Vainer, entre 60 mil e 70 mil pessoas deixarão suas moradias no Rio até 2016. “É uma política que empurra essas pessoas para os extremos da cidade, onde os mais pobres ficam mais afastados. E os projetos de mobilidade estão voltados para a especulação imobiliária em áreas vazias da zona oeste, quando 70% a 80% da demanda de transporte estão na zona norte e na Baixada Fluminense”, disse.

Para Vainer, o legado que os megaeventos deixarão para Rio será trágico. “Uma dívida pública acrescida, uma cidade brutalmente segregada, o Poder Público cada vez mais autoritário. A população não sabe quanto custarão esses eventos, o que isso vai implicar nos próximos dez anos, 20 anos, em redução de recursos para investimento em educação, saúde, além de aumento de impostos”, declarou. 

Membro da comissão, o vereador Renato Cinco disse que o Poder Público tem um histórico de privilegiar áreas abastadas em detrimento das menos valorizadas e de afastar os pobres das regiões com alta especulação imobiliária. "O reassentamento é uma medida excepcional e deve ocorrer somente quando não há alternativa. Nesses casos, a Lei Orgânica do Município, no Artigo 429, prevê laudo técnico prévio, participação da comunidade na análise e definição das soluções, assentamento em local próximo", ressaltou ao alegar que nada disso tem sido cumprido no município. "Ao perderem suas casas, as pessoas perdem também seus laços com a comunidade e seu entorno, perdem a escola onde seus filhos estudam. Muitas vezes perdem sua fonte de renda. E ao serem reassentados, em regiões distantes e sem infraestrutura urbana adequada, passam a ser reféns do precário sistema de transporte", explicou o vereador.

Inalda Mendes Brito, representante do Comitê Popular Copa e Olimpíada, reclamou da falta de acesso à informação sobre os projetos, como custos financeiros. Ela que mora na Vila Autódromo, comunidade na zona oeste ameaçada de remoção há quase uma década, disse que as violações por causa dos megaeventos aumentam à medida que os eventos se aproximam.

Por causa das obras via expressa Transoeste, Jorge Santos perdeu a casa onde morava na antiga Vila Recreio 2, em Jacarepaguá. “Existem leis demais e pessoas de menos capazes de fazer com que essas leis sejam cumpridas. O que mais precisamos no Rio de Janeiro é de transparência. Precisamos de uma CPI [comissão parlamentar de inquérito] em relação à moradia, pois o que passamos e que ainda vamos passar é uma vergonha", lamentou. 

Maria Lúcia Pontes, defensora pública do Núcleo de Terras e Habitação, qualificou a atual política municipal de reassentamento de “processo cruel que destrói histórias e espaços de convivência abandonados pelo mercado imobiliários”. Segundo ela, as desigualdades sociais vão permanecer enquanto a moradia for encarada como mercadoria. “Como erradicar a pobreza se não melhoram a vida dos pobres, se tiram as pessoas da comunidade para colocá-las em apartamentos afastados de 40 metros quadrados?”

Para a defensora, apenas a união e organização dos moradores podem reverter esse quadro. “Vocês precisam se apropriar desse direito à casa, à regularização de sua comunidade. Precisam exigir o respeito ao direito humano à moradia”, declarou.

A presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara de Vereadores, Teresa Berguer, declarou que o prefeito Eduardo Paes foi convidado para participar da audiência, mas nenhum representante do Poder Público municipal apareceu.

“Hoje mesmo vamos entrar com uma moção na prefeitura sobre a questão da Vila Autódromo e uma reavaliação na questão das remoções em função de grandes projetos envolvendo os megaeventos”, disse ao informar também que enviará um ofício ao presidente da Casa, vereador Jorge Felipe, para protestar a ausência de representante do Executivo municipal na audiência. 

A Secretaria Municipal de Habitação informou, por meio de nota, que os reassentamentos são feitos com base no decreto sobre direitos humanos e na busca da moradia digna.

 

Edição: Aécio Amado

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