Aline Valcarenghi
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Ler uma matéria sobre Médicos sem Fronteiras (MSF) ainda na adolescência foi suficiente para Paulo Reis decidir o que queria fazer da vida. Hoje (18), quando é comemorado o Dia do Médico, ele diz que se sente realizado depois de oito anos no MSF e de 14 projetos em regiões de miséria, atendendo a vítimas de desastres e conflitos. “Ver o resultado do trabalho é muito gratificante”, contou.
Para Paulo, formado há 15 anos em medicina, é preciso ter o perfil para fazer esse tipo de trabalho longe das clínicas e hospitais. "Há pessoas que se dedicam totalmente à medicina, mas que têm o perfil de trabalhar mais em hospital, em casas. Você pode ter vocação para a medicina e não ter para trabalhar em área [de conflito e miséria]. Eu tenho esse perfil".
“No começo deste ano, eu estava no Paquistão trabalhando no combate de um surto de sarampo que, para brasileiro é uma coisa simples porque tem vacinação, mas dependendo do país mata muita gente. Recebi dois irmãos, um já em coma. Passando os dias, ele melhorou, depois que a gente nem tinha muita esperança. Três semanas depois, a família voltou para saber se ainda precisava fazer alguma coisa. Foi muito legal ver o garotinho voltar andando, mais gordinho”, lembrou o médico generalista.
Há uma semana, Reis voltou de uma missão ao Sudão do Sul, onde foi atender vítimas de conflitos internos. “Havia um problema enorme com saúde básica, eles não têm acesso ao mínimo”, contou à Agência Brasil. Há lugares, projetos, em que os médicos conseguem ficar em casas, mas em países como o Sudão do Sul normalmente se instalam em barracas. "Não há um banheiro ou uma cozinha propriamente ditos. Mas dá para se virar bem. É tudo organizado".
Quando começou a viajar pelo mundo para atender vítimas de conflitos, grandes desastres e da miséria, Reis ainda fazia alguns trabalhos temporários no Rio de Janeiro, onde mora. Mas agora se dedica somente ao MSF. O médico, de 41 anos, entende que ser solteiro e não ter filhos ajuda, “ficar mais tempo fora do que no Brasil é muito difícil para quem tem família”.
O primeiro trabalho foi em Serra Leoa, depois ele esteve na Libéria, Indonésia, Colômbia e no Afeganistão, entre outros países. No Paquistão, trabalhou com os deslocados após as enchentes de 2010. Sobre o atendimento aos refugiados do Sudão, disse que “como eram refugiados, tinham que andar muitos dias e chegavam desnutridos. Tinha que tratar malária, diarreia, infecção respiratória, que são as principais demandas”. Reis observou que não tem planos para o futuro. "Estou feliz assim”.
A anestesista Liliana Mesquita amadureceu na faculdade a ideia de participar do MSF. Depois de oito anos de formada, viu que havia um vazio em sua vida que foi preenchido com esse trabalho. Aos 38 anos, a médica, que é solteira e tem o apoio do namorado, pretende seguir com o projeto até quando for possível
Liliana relatou que de cada lugar leva pelo menos uma história marcante. Em três anos, ela passou por sete missões, sempre nas férias dos seus dois empregos em Brasília. Esteve na República Centro-Africana, no Sudão do Sul, na Faixa de Gaza e recentemente no Iêmen. No Haiti, ela foi cuidar das vítimas do terremoto de 2010.
“No Paquistão, quem me marcou muito foi um senhor de 100 anos, o mais idoso que já anestesiei. Um paciente muito debilitado. Depois da anestesia, pedi que avisassem que eu ia ficar ao lado dele, que não se preocupasse. Ele pegou minhas mãos, levou à testa, levou ao coração e falou algumas coisas que eu vi que eram orações, algum tipo de agradecimento. Então, começou a chorar e eu também. Não precisava falar pashto, urdo [dialeto e idioma falados na região] para saber que aquilo era um agradecimento”, lembrou.
Há duas semanas, Liliana voltou do Iêmen, onde trabalhou por um mês em um hospital geral e cuidou de vítimas de atentados. Ela confessa que já ficou com medo por estar em região de conflito. “No Paquistão, quando acordei com tiroteio, explosão e sobrevoo de helicóptero foi a única vez em que tive medo e me perguntei o que estava fazendo ali. Mas, depois pensei que meu medo tinha que ser menor que a necessidade das pessoas que ali estavam”.
Houve lugares em que Liliana trabalhou onde não se podia levar opióides, medicação muito usada pelos anestesistas. Outros lugares são de difícil acesso e não dá para levar determinados aparelhos. "A gente se vira com o que tem, sempre dentro dos protocolos do MSF. No final, a gente vê que todo o esforço, todos os anos de estudo valeram muito a pena", concluiu.
Edição: Graça Adjuto
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