Justiça do Rio suspende processo de reintegração de posse de prédio chamado de Quilombo das Guerreiras

24/09/2013 - 23h24

Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – A Justiça suspendeu por 120 dias o processo de reintegração de posse do prédio onde funcionou o Departamento de Engenharia da Companhia Docas do Rio de Janeiro, na Avenida Francisco Bicalho, na zona portuária. O local ficou abandonado por mais de 20 anos e foi ocupado em 2006 por famílias sem teto, que chamaram o lugar de Quilombo das Guerreiras.

O terreno pertencia à União e um decreto do dia 10 de setembro autoriza o município a “declarar de utilidade pública, para fins de desapropriação, o domínio útil” desse e de mais 13 imóveis da Docas, para “implantação do projeto de revitalização e urbanização da zona portuária”. No dia 18 de setembro foi feita uma audiência pública com a participação de moradores, da defensoria pública e da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), quando a juíza Maria Lúcia Obino Niederauer suspendeu a ordem de reintegração de posse movida pela Docas e determinou que fosse negociada uma solução para a realocação dos moradores.

A ocupação é dividida em duas partes: o prédio da frente, de cinco andares, e um galpão nos fundos, dividido em várias “casinhas”. Há moradores que estão lá há sete anos e outros que chegaram há dois meses, situações que dividem o Quilombo das Guerreiras.

A dona de casa Joana Cardoso Batista, de 35 anos, mora com o marido há dois meses no galpão. Ela morava no Caju e foi para o Quilombo das Guerreiras por falta de opção. “Eu estava pagando aluguel, R$ 300, mas meu marido ficou desempregado, aí minha cunhada falou que tinha esse galpão, que o pessoal estava vindo, então a gente veio. Aqui está dando mosquito da dengue, tem esse lixo, de noite tem muito rato. A gente está aqui porque precisa”.

A pipoqueira Laysa Cristina de Oliveira Vieira, de 28 anos, mora no Quilombo das Guerreiras há sete anos, com o marido e dois filhos, de 7 e 8 anos.  “Eu estava no grupo que chegou primeiro. Eu saí de casa porque minha mãe me botou para fora porque eu engravidei. Descobri o lugar quando estava todo mundo para entrar, então vim junto também”.

Laysa trabalha com Antônio Gabriel da Silva, 42 anos, há seis anos na ocupação. Ele diz que houve uma separação dentro do grupo. “A gente morava no prédio, depois passei para cá. A diferença é que lá tem associação, tipo assim, pessoal sem terra, aí eles vem e desmontam as coisas, aí a gente preferiu vir para o lado de cá, que era melhor, depois vieram mais pessoas. Cada vez está chegando mais gente”.

O jovem Fernando Gabriel da Silva, de 19 anos, está no Quilombo das Guerreiras há sete anos e diz que a ocupação deu uma função social para o local, que estava abandonado. “A gente vem aqui e vê a realidade da vida. Eu sou mais uma vítima, vim com minha família da Paraíba, não sabia que era ocupação, achei estranho no começo, depois gostei. Muitas pessoas chamam de invasão, a gente chama de ocupação, porque a gente está ocupando um espaço que está abandonado há mais de 20 anos, que não tem função nenhuma, então o certo é ter direito de moradia, uma função social”.

Silva diz que trabalha como camelô e estuda de noite, mas reclama da falta de apoio e condições básicas. “A gente vive como uma família. A gente encontra vários problemas, já foi na Light, já tentou legalizar a luz, a mesma coisa com a água, não sei porque eles não legalizaram aqui, não vêm tirar esse lixo. A gente procura a prefeitura, mas eles ficam enrolando, dizem que vai demorar muitos meses. A gente não tem apoio e vive escondido da população, só quem está aqui sabe como é que é isso aqui, a rotina nossa, o dia a dia”.

Os moradores do prédio não quiseram falar com a reportagem. De acordo com o coordenador do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Alexandre Angeli de Araújo, os moradores do prédio são defendidos pelo Centro de Defensoria Popular Mariana Criola e tem um processo de pedido de regularização de posse no Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj) desde 2007. Quando foram chamados para a audiência, os moradores do galpão procuraram a defensoria.

“Pelo levantamento que a defensoria está fazendo, cerca de 90 famílias moram nos fundos, 14 foram à defensoria, por terem sido citadas para uma audiência no dia 18 de setembro. Então nós estamos apurando ainda a situação de cada núcleo familiar para verificar quanto tempo tem a posse dessas pessoas”, disse Angeli.

De acordo com Angeli, o processo está suspenso para que seja negociada uma solução. “Estamos aguardando para verificar como será regularizada a situação dessas pessoas. Tudo depende das propostas que vierem e da resposta das pessoas que nós assistimos. Vai depender da comprovação da posse. Apesar de ser uma ação coletiva, vamos individualizar as questões e conversar com cada morador atingido para tentar uma solução digna de moradia, porque, independentemente de qualquer coisa, se forem pessoas que não tem direito a outras questões, que mesmo assim o poder público dê atenção a elas para fins de uma realocação digna”.

A advogada Ana Cláudia Diogo Tavares, do Centro de Assessoria Popular Mariana, explica que a organização acompanha a questão desde a primeira tentativa de reintegração de posse, em 2007, que não foi levada adiante pela Companhia Docas. “A Docas entrou de novo contra a escola de samba [Unidos da Tijuca, que ocupa outro galpão na região] e demais invasores, mas o acordo é que eles fiquem lá até a finalização das moradias. A juíza suspendeu por 120 dias o processo para que seja negociada a solução também para as pessoas que estão na outra parte do imóvel e que não foram contempladas no projeto”.

O presidente da Cdurp, Alberto Gomes Silva, diz que o órgão está dando assistência aos moradores no local e na intermediação para a construção de novas moradias. “Estamos fazendo estudo para reacomodar essas famílias e mais algumas de outras ocupações também no centro do Rio. Os terrenos ficam na Rua da Gamboa, perto da Cidade do Samba. O projeto do empreendimento está sendo aprovado e eles conseguiram recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida para construir”, disse.

Silva explica que a prefeitura assumiu perante a Docas a responsabilidade pela permanência dos moradores no imóvel, porém, apenas os moradores do prédio, que são assistidos por uma ONG, terão lugar garantido na realocação.

“Essa ocupação tem cerca de um mês que aconteceu, é um outro público, não pertence ao Quilombo das Guerreiras, inclusive eles ficaram muito inseguros com esse outro grupo, que não é ligado a nenhuma organização. O Quilombo das Guerreiras é um movimento organizado, eles estão lá desde 2007 e a gente reconhece a luta deles para conquistar moradia. Desde 2010 quando começamos a trabalhar eles já estavam lá e assumimos o compromisso com eles de que os apoiaríamos nesse empreendimento”.

A Docas informa que vários imóveis da companhia foram desapropriados pela prefeitura, entre eles,  O prédio onde funcionou o Departamento de Engenharia, que foi desativado em 1994, quando passou a servir de deposito, portanto, a Docas não responde mais pelo local.

Edição: Fábio Massalli

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