Governo muda regras e autoriza empenho de recursos antes de apresentação de projeto

13/08/2013 - 17h42

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Uma portaria interministerial publicada no início do mês promoveu mudanças nas regras sobre a assinatura de convênios entre órgãos federais e prefeituras, governos estaduais ou entidades privadas. Entre as modificações resultantes da publicação da Portaria 274, uma delas autoriza os órgãos e entidades da administração pública federal a empenhar os valores solicitados pelo requerente antes mesmo que este apresente sua proposta de trabalho. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil acreditam que, embora a portaria não trate do assunto, as mudanças poderão beneficiar cidades, estados e organizações contempladas por emendas parlamentares.

A Portaria 274 foi elaborada por iniciativa do Ministério do Planejamento, com a contribuição do Ministério da Fazenda e da Controladoria-Geral da União (CGU). Até então, de acordo com a Portaria 507 - que regula os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação assinados entre entre órgãos federais e organismos ou entidades estaduais, municipais ou privadas -, o empenho de recursos só era autorizado após a aprovação da proposta de trabalho apresentada pelos requerentes devidamente cadastrados no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal (Siconv).

A Portaria 274 estabelece que, após aprovar o empenho, o órgão federal responsável deverá fixar um prazo para que o requerente beneficiado apresente a proposta de trabalho. Caso o prazo não seja cumprido ou a proposta não seja aprovada, o empenho será cancelado e o dinheiro não deixará os cofres públicos.

A proposta de trabalho deve conter a descrição do projeto a ser executado; justificativa; indicação do público beneficiado; resultados esperados; estimativa dos recursos financeiros necessários; contrapartida financeira a ser empenhada pelo próprio requerente; previsão de prazo para execução do projeto e as informações relativas à capacidade técnica e gerencial do proponente para execução do objeto.

Como atestaram os especialistas ouvidos pela Agência Brasil, o empenho sem a antes obrigatória apresentação prévia do projeto não é um problema, já que o empenho nada mais é que o compromisso, assumido pelo órgão que o autoriza, de liberar o valor reservado para a execução do projeto especificado no convênio. A liberação do recurso, no entanto, depende do “implemento de condição” , ou seja, neste caso, da aprovação do projeto dentro do prazo fixado.

“O empenho é o primeiro estágio para o pagamento de despesa orçamentária e serve como garantia de que existe crédito orçamentário para o pagamento das despesas assumidas”, disse o advogado Alessando Rodrigues Melo. Especialista em direito do terceiro setor e palestrante em cursos sobre o Siconv, Melo classificou as mudanças como uma “flexibilização” das regras em vigor. Para o advogado, se bem executadas, as mudanças podem ser benéficas em termos de transparência, mas faltou a Portaria 274 estabelecer o prazo para a entrega das propostas.

“Da maneira que está, o prazo para apresentação de propostas poderá ser de 30 dias para um ente cadastrado e de 90 dias para outro. Sem um critério objetivo especificado, a decisão fica à mercê do [órgão] concedente”, afirmou o advogado. “Mas se as mudanças forem bem executadas podem ser benéficas. Poderemos acompanhar quem será o beneficiário do recurso público antes mesmo da proposta, sabendo qual o destino do dinheiro e a finalidade. E, principalmente, saber que o recurso estará garantido para um determinado programa”, disse o advogado.

Para Melo, não há relação direta entre a portaria e a discussão do Orçamento Impositivo, que pode tornar obrigatória a execução orçamentária das emendas individuais parlamentares. "A portaria não prevê que as emendas parlamentares vão ser priorizadas, mas isso pode acontecer. Se o parlamentar distribui suas emendas e as entidades beneficiadas se cadastram, é como se eu estivesse dando um cheque especial aos parlamentares", disse.

“Mas é fato que existe uma cobrança dos parlamentares por velocidade do empenho das emendas”, acrescentou o advogado, lembrando que a publicação da portaria ocorreu após a presidenta Dilma Rousseff se reunir com dez ministros. “Chamou minha atenção o fato dela [portaria] ter sido editada apenas dois dias após reunião da presidenta com o objetivo de cobrar dos ministérios agilidade no processo de empenho para combater a insatisfação do parlamentares”.

Para o advogado Rodrigo Pironti, especialista em direito administrativo e empresarial, a portaria não visa a beneficiar as emendas parlamentares, pois outras propostas, segundo ele, poderão ser contempladas. "Não acredito que essa alteração tenha tido esse motivo fundamental [emendas parlamentares], mas sem dúvida essa alteração, em alguma medida, atende aos interesses parlamentares ao 'dificultar' ou condicionar as propostas voluntárias [quando órgão municipal ou estadual pleiteia recursos federais]".

Embora o empenho de recursos antes da apresentação da proposta de trabalho não fira a legislação, pode dificultar o controle da execução dos contratos, impondo maior rigor no planejamento orçamentário, conforme Pironti.

“O que a Lei 4.320, de 1964, estabelece é que nenhuma despesa pode ser realizada sem prévio empenho. [Com a Portaria 274], o controle fica mais complexo, pois a despesa está vinculada a um projeto que ainda vai ser apresentado e cuja estimativa de custo inicial e bases para ser implementado não podem ser aferidas de imediato. A necessidade de os órgãos de controle fazerem um acompanhamento constante será ainda maior, a fim de checar se os valores orçados estão adequados”.

Já o administrador de empresas e consultor de projetos Izaias de Carvalho fez ressalvas à redação da portaria. “Como vou empenhar algo sem saber qual será o tipo de despesa? Não sei qual o intuito desta portaria, mas esse texto merece uma discussão mais atenta e um detalhamento maior”.

Procurado pela Agência Brasil, desde a semana passada, o Ministério do Planejamento ainda não se pronunciou sobre o objetivo e a implementação das mudanças. Já o Ministério da Fazenda e a CGU, por meio de suas assessorias, informaram que só contribuíram para a elaboração da proposta e que, portanto, não se manifestarão sobre a aplicação da medida.

 

Edição: Carolina Pimentel//Texto atualizado às 20h13

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