Caso de garoto desaparecido após abordagem de policiais em Goiânia faz oito anos

22/04/2013 - 16h17

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Informações desencontradas, expectativas frustradas, ameaças de morte, o contato com a burocracia e a “falta de sensibilidade” do Estado levaram a dona de casa Maria das Graças Soares a acreditar que ninguém será punido pelo desaparecimento do filho, Murilo Soares. Hoje (22), dia em que o desaparecimento do adolescente completa oito anos, Graça declarou à Agência Brasil que o que a sustenta é o desejo de localizar o corpo do filho e enterrá-lo dignamente. “Acabaram com a minha vida”, disse Graça.

Murilo é uma das 39 pessoas que desapareceram na região metropolitana de Goiânia, nos últimos anos, após serem abordadas por policiais. O adolescente tinha 12 anos quando, no dia 22 de abril de 2005, policiais do grupo Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) pararam o carro dirigido pelo servente Paulo Sérgio Pereira Rodrigues, 21 anos, um conhecido da família do garoto.

A pedido do próprio pai, que tinha que trabalhar e - na época, já estava separado de Graça - Murilo pegou uma carona com Paulo para voltar para a casa da mãe, com quem o garoto vivia. No caminho, o carro foi parado por policiais da Rotam. Várias pessoas testemunharam o momento em que os policiais revistaram o motorista enquanto o garoto permanecia em pé, ao lado do veículo, e depois levados pelos policiais. Foi a última vez que Murilo e Paulo foram vistos. O carro foi encontrado no dia seguinte, carbonizado e sem a aparelhagem de som e as rodas. Os corpos dos dois ocupantes, no entanto, jamais foram localizados. Segundo Graça, Paulo tinha antecedentes criminais.

Oito policiais foram acusados de assassinato e ocultação de cadáver. Seis deles chegaram a ser temporariamente detidos. A Justiça de Goiás absolveu Allan Pereira Cardoso, Neill Gomes da Rocha, Anderson Amador de Jesus, Wellington da Costa Cunha, Cleiton Rodrigues da Silva, Fernando Gabriel Pinto, Thiago Prudente Escrivani e Marcello Alessandro Capinam Macedo por falta de provas materiais, já que os corpos nunca foram encontrados. Citado em outros crimes, o cabo Capinam Macedo foi morto a tiros em março do ano passado. O crime ocorreu em plena luz do dia, em uma avenida movimentada do Setor Cidade Jardim, em Goiânia. Os criminosos dispararam ao menos 12 vezes contra a caminhonete em que o militar estava e fugiram, de moto.

“Falta vontade das autoridades. Tem imagens do carro da polícia; uma conversa gravada de dois policiais dizendo que 'dois passarinhos estavam presos na gaiola'; manchas de sangue na viatura; várias pessoas disseram que viram meu filho com os policiais [...] Mesmo assim, o processo foi arquivado [por falta de provas]. Eu sou pobre, não é? Por isso não acredito mais na revisão da absolvição desses policiais. Porque eles nunca vão confessar e vai continuar tudo do jeito que está: eu com a minha dor”, desabafa Graça, revelando que desde que o filho foi visto pela última vez, ela teve um quadro de depressão profunda, faz tratamento psiquiátrico e se mantém a base de remédios.

“A única coisa que fizeram por mim nesse tempo foi me ameaçar. A cada vez que eu dou uma entrevista sobre esse assunto, no dia seguinte eu recebo uma ameaça por telefone”, disse Graça, que não teme divulgar o número de seu celular nos folhetos em que pede a ajuda de quem tiver qualquer informação sobre o caso. “A última notícia que eu tenho é que os policiais continuam todos nas ruas, trabalhando. Menos o que foi morto”, acrescentou Graça.

“Minha vida virou uma tristeza, um inferno, e minha única esperança é encontrar meu filho. Batalho, continuo correndo atrás para um dia encontrá-lo, mas o pouco que eu posso fazer é dar entrevistas para que o caso não seja esquecido e participar de reuniões de grupos de direitos humanos”, comentou Graça, citando, como exemplo, a reunião extraordinária do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da qual a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, participou, em setembro do ano passado.

“Infelizmente, de lá para cá, nada aconteceu”, lamentou Graça. Há pouco mais de dois anos, o Instituto Médico-Legal (IML) de Goiânia fez exames para verificar se uma ossada, supostamente de um adolescente, era de Murilo. “Disseram que o resultado ia demorar uns seis meses, mas, até hoje, eu nunca tive uma resposta se o exame deu positivo ou negativo. Já fui lá e não me deram resposta”. O advogado Alan Hahnemann Ferreira, que hoje representa Graça, disse estar tentando obter uma resposta oficial do IML. Mas, segundo ele, extraoficialmente a informação é que a ossada não seria de Murilo.

Na semana passada, ao pedir a federalização da investigação e julgamento dos 29 assassinatos de moradores de rua registrados em Goiânia desde agosto de 2013, a ministra sugeriu que também os desaparecimentos fossem federalizados. “Isso seria positivo. Não só para o meu caso. Porque se a Polícia Federal não entrar no meio, isso vai ficar assim para o resto da vida”, comentou Graça.

A Agência Brasil entrou em contato com a assessoria do Tribunal de Justiça de Goiás, mas não obteve respostas até o momento. Por meio do chefe de Comunicação Social, coronel Anésio Barbosa Júnior, a Polícia Militar informou que acompanha os desdobramentos do caso, classificado como “extremamente complexo”, e tem o maior interesse no esclarecimento dos fatos para que, se comprovadas as acusações, os eventuais responsáveis sejam punidos. Ou que, caso contrário, não restem dúvidas sobre a atuação de quaisquer servidores públicos ou da corporação.

 

Edição: Carolina Pimentel

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