Gilberto Costa
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Lisboa – Os frequentes protestos em Portugal contra as medidas de austeridade econômica (elevação de impostos e corte nas despesas públicas, incluindo gastos com seguridade, saúde e educação) estão mudando de tônica. É crescente, em manifestações de rua e também nas redes sociais, campanha para que o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e integrantes do governo se demitam ou sejam demitidos.
Além de manifestantes, os partidos políticos de oposição formam o coro do “demitam-se”. Na noite de quinta-feira (21), a Executiva Nacional do Partido Socialista (PS) tomou a decisão de apresentar uma “moção de censura” contra o governo na Assembleia da República. A data de apresentação não foi marcada. Segundo a Constituição de Portugal, o Parlamento terá até 48 horas para iniciar a discussão e até mais três para debater e votar. O governo cai se a maioria absoluta votar pela moção – resultado difícil, já que os partidos no poder (Partido Social Democrata – PSD e Partido Popular – PP/CDS) têm juntos 132 das 230 cadeiras da assembleia.
A moção de censura do PS foi pano de fundo do debate com Passos Coelho, ocorrido nessa sexta-feira (22) na assembleia. O líder do partido, António José Seguro, foi categórico ao fazer a interpelação. “Vou dizer o que a maioria dos portugueses gostaria de dizer: o seu tempo chegou ao fim. Perdeu autoridade e credibilidade”, salientou ao assinalar que a execução do programa de ajustamento econômico e o posicionamento político do primeiro-ministro fecharam “possibilidade de diálogo”.
Passos Coelho fez questão de lembrar que os ajustes foram concebidos e assinados em 2011 pelo PS, quando estava no poder; e que a austeridade é efeito da falta de autonomia no orçamento do Estado português – o programa de ajustamento segue metas estabelecidas com a Troika, formada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e pela Comunidade Europeia (CE).
A instabilidade política pode agravar o momento econômico de Portugal, que nas próximas semanas vai renegociar as parcelas de pagamento da dívida com a Troika e ainda deve apresentar aos credores um plano de redução de despesas. Em nota, ao fim da missão da Troika em Portugal no dia 15 março, o FMI já enfatizava a importância da “coesão social” durante o ajustamento econômico.
Na opinião do economista José Manuel Rolo, os credores de Portugal terão de rever no futuro prazos e valores das parcelas de empréstimos. “A dívida portuguesa vai ter de ser renegociada”. Na avaliação dele, “em dois ou três anos”, o país terá parte da dívida perdoada como ocorreu recentemente com a Grécia, por causa da falta de condições de pagamento agravadas pela recessão.
Segundo ele, Portugal tem sofrido “com a atração pelo abismo” o que explica a população estar se manifestando diariamente inclusive utilizando símbolos da Revolução dos Cravos. “Isso é um indicador do mal-estar do povo”, disse, ao explicar porque as pessoas voltaram a cantar em passeatas nas ruas Grândola, Vila Morena, do compositor português Zeca Afonso (morto em 1987).
Como explica o livro do jornalista e cientista político brasileiro Walder de Góes (Revolução em Portugal; Editora UnB), a canção, que na letra diz “O povo é quem mais ordena”, foi usada como senha pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para iniciar a marcha que resultou no golpe de Estado de 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo português. “A música é um símbolo sobre a nossa aspiração de igualdade. Cantar hoje é trazer esse sonho à realidade atual”, acrescenta António Lima Coelho, da Associação Nacional dos Sargentos, que na última quarta-feira (20) protestou na porta da residência oficial do primeiro-ministro.
Outras manifestações com os símbolos da revolução, agora contra a austeridade e a favor da demissão do governo, deverão continuar a ocorrer. “As pessoas reconhecem o que é simbólico”, explica Nuno Carlo de Almeida, porta-voz do movimento “Que se lixe a Troika”. O movimento prepara-se para recolher assinaturas para uma “moção de censura popular” (sem valor legal), além de organizar atividades diárias de protesto em Lisboa e outras cidades e organizar uma nova grande manifestação em junho, como a ocorrida em 2 de março.
Edição: Carolina Pimentel
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