Gilberto Costa
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Lisboa – Um grupo de técnicos da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional inicia nesta segunda-feira (25), em Lisboa, o sétimo exame regular do programa de ajustamento financeiro de Portugal. A missão fiscalizará as despesas públicas do Estado e avaliará os números da macroeconomia do país. Os pareceres das missões técnicas antecedem as liberações das parcelas do empréstimo contratado por Portugal nas instituições denominadas Troika pelos portugueses.
Os dados e as perspectivas sobre a mesa não são bons: a economia portuguesa encolheu 3,2% em 2012 e o Produto Interno Bruto, o PIB, poderá continuar diminuindo em 2013 (-2%, segundo o Banco de Portugal). O desaquecimento da economia desempregou até dezembro passado 932 mil pessoas, o que representa 16,9% da população economicamente ativa. A tendência é fechar mais postos de trabalho, atingindo 17,3%, segundo previsão da Comissão Europeia.
A situação econômica tem aumentado os protestos contra o governo e a Troika. Virou cena comum em Lisboa ver cartazes, pichações e pinturas contra a Troika e o governo. Manifestantes acompanham ministros de Estado em eventos públicos - quando invariavelmente cantam Grândola Vila Morena, canção que equivale no Brasil a Apesar de Você, composta por Chico Buarque e censurada pela ditadura militar.
A vice-presidenta da Comissão Europeia, Viviane Reding tentou tirar a Troika do foco dos protestos. “A Troika não está fazendo coisa nenhuma”, disse na sexta-feira (22) aos estudantes da tradicional Universidade de Coimbra. “Eles [a equipe da Troika] fazem análise técnica não tomam decisões (...) Os políticos é que tomam decisões”, disse.
Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, o economista Alexandre Abreu acredita que a Troika e os políticos portugueses têm tomado as decisões erradas. O programa de ajustamento é focado na dívida pública quando o problema tem origem em desajustes estruturais da economia lusitana, que provocam déficits fiscais e nas transações correntes.
“Na verdade, o problema é a competitividade inserida no contexto da economia internacional”, salientou à Agência Brasil. Segundo ele, Portugal se endividou excessivamente a partir do anos 1990, quando se beneficiou de taxas de juros favoráveis de financiamento. Os portugueses apostaram na economia interna, hoje limitada a 10,2 milhões de consumidores, e investiu pouco na capacidade produtiva industrial de bens exportáveis.
Conforme Alexandre Abreu, o programa de ajustamento não observa o problema de competitividade e ataca o déficit orçamentário, “aumentando muitíssimo a carga fiscal e, em outro sentido, reduzindo as despesas de apoio social [o seguro-desemprego, por exemplo] e nos componentes centrais do Estado social [saúde, educação e seguridade]”. Os cortes nos gastos sociais e o desemprego em massa são as principais razões dos protestos. O cenário é de empobrecimento da economia portuguesa - com riscos de aumento da desigualdade.
Para o economista João César das Neves, professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa, “é difícil medir o aumento da desigualdade”. Ele lembra que, se houver empobrecimento da classe média, é teoricamente possível que a desigualdade diminua porque os estratos intermediários e pobres se aproximarão.
Neves é favorável a que Portugal busque gerar riqueza por meio dos setores econômicos em que é mais competitivo, mas discorda que isso tenha que ser capitaneado necessariamente pela indústria. “Não tenho nenhum fetichismo com a industria. Portugal é excelente em serviços, e a exportação de serviços está aumentando. Indústria, como teve no passado, é ficção científica, é impossível”.
Em 1978 e 1983, quando também se submeteu a um programa de ajustamento econômico acordado com o Fundo Monetário Internacional, Portugal conseguiu estimular a indústria com a desvalorização da moeda, mas depois da entrada em circulação do euro não é mais possível fazer essa política cambial unilateralmente.
A eventual volta à uma moeda própria e o abandono do euro não reúnem consenso entre os analistas econômicos. Para Alexandre Abreu, “a saída da zona do euro coloca problemas graves de curto prazo, porém pode ser a única saída para evitar declínio contínuo no médio e longo prazos”. Na avaliação de João César das Neves, o euro é “apenas a causa material da crise”. A razão está nas dívidas que o Estado, empresas e famílias fizeram nas duas últimas décadas. “Largar o câmbio traria consequências desastrosas em todos os aspectos, e mesmo o setor exportador industrial poderia ser afastado pelos mercados".
Edição Beto Coura
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