Estados Unidos debatem experiência brasileira de controle de armas

20/01/2013 - 17h35

Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A aprovação do Estatuto do Desarmamento pelo Congresso Nacional brasileiro, há quase 10 anos, e a consequente campanha de desarmamento, estimulando a entrega voluntária de armas pela população, foram algumas das principais iniciativas abordadas durante a Cúpula sobre a Redução da Violência por Arma na América, liderada pelo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg.

A experiência brasileira sobre políticas de controle de armas foi apresentada a especialistas e pesquisadores norte-americanos que discutem mudanças na legislação dos Estados Unidos. Além do caso brasileiro, foram debatidas no evento, que ocorreu na semana passada, as experiências da Austrália e da Grã-Bretanha, onde também ocorreram campanhas de entrega voluntária e políticas rigorosas de controle de armas.

O coordenador de controle de armas da organização não governamental Viva Rio, Antonio Rangel, que apresentou a experiência brasileira, enfatizou que houve grande interesse por pesquisadores na forma como o Brasil conseguiu convencer os parlamentares a aprovar uma lei que tornasse mais rígidos os critérios para o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e munição. Ele destacou que, assim como era observado no Brasil até 2003, há entre os legisladores norte-americanos certa hostilidade à política de controle de armas em decorrência da pressão de setores da indústria.

“Aqui, até 2003, o Congresso recusava-se a mudar a legislação por causa da pressão exercida pela indústria de armas e munições, que financia campanhas eleitorais de vários parlamentares. Os movimentos sociais perceberam que a mudança tinha que nascer na sociedade e começamos a conscientizar as pessoas de que era necessário haver um controle maior sobre essa questão”, disse.

“Depois de quatro anos, desde que começamos esse movimento, pesquisa nacional apontou que 81% do eleitorado são favoráveis a uma nova lei de controle de armas e o Estatuto foi aprovado”, acrescentou.

Ele lembrou que, em 2005, dois anos após o estatuto ter sido sancionado, a população aprovou o comércio de armas de fogo no país em um referendo nacional. À época, 59 milhões de pessoas optaram por manter o comércio de armas de fogo, contra apenas 33 milhões que queriam a proibição.

O especialista do Viva Rio citou dados apresentados por pesquisadores da Universidade de Harvard, durante a conferência, que indicam que o risco de homicídio por arma de fogo em casas com algum tipo de armamento é sete vezes maior do que em residências cujos moradores não têm nenhuma arma.

Para ele, essa tese confirma os dados de um levantamento da ONG brasileira, que aponta que apenas 20% das mortes por arma de fogo são causadas por bandidos.

“Em 80% dos casos, elas são provocadas pelos chamados 'homens de bem', em situações de briga de trânsito, em bares, entre marido e mulher e coisas do gênero”, destacou.

“Por isso, quando as pessoas compram uma arma para se proteger de bandidos, elas estão no caminho errado, porque tudo isso comprova que a arma é um excelente instrumento de ataque, mas não de defesa. E quando há invasão de residências, elas ainda servem para abastecer a criminalidade, já que geralmente são roubadas pelos invasores”, acrescentou.

Antonio Rangel também citou dados da Polícia Federal para reforçar a ideia de que o problema das armas no Brasil não está relacionado à entrada clandestina pelas fronteiras, mas ao controle ainda ineficiente sobre a venda e a circulação desses produtos no país. Segundo ele, apenas 10% das armas apreendidas pelas polícias no Brasil são de fabricação estrangeira, enquanto 90% delas são produzidas no território nacional. Em relação às munições, o percentual de itens fabricados por empresas brasileiras chega a 95%.

A Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimd) negou a informação e disse que o mercado nacional não é prioritário para os fabricantes desse ramo, representando cerca de 20% das vendas. Segundo o diretor técnico da Abim, coronel Armando Lemos, também não há pressão sobre parlamentares para que aprovem mudanças que flexibilizem o controle de armas e munições no país.

“Quase não vendemos para o mercado interno. O mercado internacional, liderado pelos Estados Unidos e por alguns países europeus, responde por 80% das vendas, então não se pode dizer que existe esse tipo de pressão”, disse ele, que considera a lei brasileira “boa”, porém “muito restritiva”.

Para o coronel, o problema é que a lei regula a atividade apenas dos cidadãos de bem, enquanto “o crime organizado utiliza armamentos que entram pelas fronteiras, até mesmo armas nacionais que foram exportadas e retornam de forma irregular”, acrescentou.

O presidente da Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições (Aniam), Salesio Nuhs, também negou pressão do setor para flexibilizar o controle de armas no país. Enfatizou que   a associação “criou mecanismos que contribuem com os órgãos de fiscalização, como instalação de chip em armas, comercialização de munições em embalagem invioláveis e sistemas de rastreamento”.

Segundo Nuhs, entidades do setor estimam que, além dos 7 milhões de brasileiros que, por causa das dificuldades burocráticas, deixaram de renovar seus registros desde 2010, outros 10 milhões de armas nunca chegaram a ser registradas no cadastro federal. Ele citou dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, que apontavam 8.974.456 armas cadastradas no início de 2010 e apenas 1.291.661 registros ativos atualmente.
 
Procurados pela Agência Brasil, a Polícia Federal e o Exército, responsáveis pelos sistemas de controle de armas no país, não responderam às solicitações até o fechamento desta matéria.

Editor: José Romildo

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