Filho de procurador que apurou crimes contra índios na ditadura diz que pai é personagem esquecido da história

26/09/2012 - 11h46

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil

Brasília – “Meu pai, hoje, é um personagem convenientemente esquecido da história, apesar de seu trabalho, na época, ter tido repercussão internacional”, lamenta o advogado Jader de Figueiredo Correia Junior ao falar sobre o pai, o ex-procurador Jader de Figueiredo Correia, que presidiu, entre 1967 e 1968, o grupo encarregado de percorrer o país e apurar denúncias de crimes cometidos contra a população indígena durante o regime militar. Após quase um ano de apuração, o então procurador produziu um extenso documento que ficou conhecido como Relatório Figueiredo. Segundo a versão mais conhecida, as cerca de 5 mil páginas foram consumidas por um incêndio no Ministério do Interior.

A importância do documento voltou a ser discutida com a decisão da Comissão da Verdade de investigar os crimes cometidos contra a população indígena entre 1946 e 1988. Até 1967, o principal órgão responsável pela condução da política indigenista era o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), sobre o qual Figueiredo afirmou, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em junho de 1968, "não ser difícil apurar os criminosos do SPI, mas, sim, os inocentes".

Ao lembrar a pressão política e as ameaças enfrentadas por seu pai, Júnior lamenta que o extenso trabalho esteja perdido. O relatório abordava, entre outros temas, casos de grilagem e expulsão de comunidades indígenas de suas terras. Com base no documento, o Ministério do Interior, em setembro de 1968, recomendou a demissão de 33 pessoas. Boa parte delas, no entanto, foi posteriormente inocentada na Justiça e voltou ao trabalho.  

“Meu pai foi ameaçado várias vezes. A Polícia Federal teve que garantir a segurança da minha família por todo o tempo que durou o trabalho dele. Policiais acompanhavam a mim e a minha mãe quando eu ia à escola. No caso da minha irmã, que é seis anos mais velha, os agentes permaneciam próximos à escola até o fim das aulas e a levavam de volta para casa. Por medo, minha mãe mantinha uma arma em casa”, conta Júnior, que tinha 5 anos na época.

Passados mais de 40 anos incêndio no prédio do Ministério do Interior, o advogado acha pouco provável que haja uma cópia da íntegra do relatório feito por seu pai, já que as máquinas de xerox ainda eram raras no país e seria muito difícil reproduzir as mais de 5 mil páginas de depoimentos, documentos e relatos de viagens feitos pela equipe chefiada por seu pai.

“Lembro de algumas coisas que meu pai conversava em casa. Lembro-me de ele falar sobre a matança de indíos, de cenas que ele descrevia. Era tudo muito brutal. Ele falava sobre o genocídio de aldeias inteiras. Meu pai contava ter chegado a aldeias e encontrado toda uma comunidade morta por envenenamento, pelo contato [com os não índios] ou por outros meios. Lembro de ele contar que em uma aldeia o grupo encontrou uma índia amarrada a duas árvores pelos pés, de cabeça para baixo e cortada a facão”, conta o advogado, garantindo que, por questão de segurança, seu pai não guardava cópias dos documentos em casa.

Para o advogado, o Relatório Figueiredo seria de valia inestimável para o trabalho da Comissão da Verdade. “Seria maravilhoso se uma cópia desse documento fosse encontrada. O que é uma pena. Primeiro porque algumas pessoas que, de alguma forma, podiam ser incriminadas, ficaram impunes. Depois, porque os índios ainda hoje sofrem com os efeitos de alguns crimes apontados pelo meu pai, como a grilagem de terras. Por fim, porque é lamentável que continuemos sem saber o que de fato acontecia na época”, destacou.

 

 

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo // Matéria alterada às 12h26 para correção de informação