Condições insalubres no Caje influenciaram mortes, afirma Conselho Federal de Psicologia

12/09/2012 - 19h48

Luciano Nascimento
Repórter da Agência Brasil

Brasília - As condições insalubres vividas pelos adolescentes que estão na Unidade de Internação do Plano Piloto, antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), têm relação direta com as mortes ocorridas na instituição. A avaliação é da psicóloga Cynthia Ciaralo, que representou o CFP durante visita feita segunda-feira (10) à unidade de internação, depois que três adolescentes foram mortos em pouco mais de 20 dias.

“Imagina você ficar o dia todo naquele lugar fétido com a presença de ratos e em celas com cinco pessoas onde cabem duas. A falta de condições básicas de higiene e a superlotação potencializaram as mortes ocorridas na unidade recentemente”, disse.

Ontem (11) representantes do Conselho Nacional de Justiça fizeram uma vistoria na unidade. Em virtude da repercussão dos assassinatos, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), fará hoje à noite uma visita ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ayres Brito, para tratar da questão.

Amanhã de manhã, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), visitará o antigo Caje, atual Unidade de Internação do Plano Piloto (UIPP). Ela participará de uma reunião onde serão discutidas as medidas de proteção que podem ser aplicadas aos jovens e o apoio da Secretaria de Direitos Humanos às medidas que vêm sendo tomadas.

A opinião de Cynthia é compartilhada pelo coordenador do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Distrito Federal, Vitor Alencar, que afirma existir uma situação muito tensa vivenciada pelos adolescentes devido às condições estruturais da unidade.

Além das condições insalubres, a suspensão das atividades socioeducativas também foi apontada com um elemento agravante da situação de tensão na unidade. A suspensão ocorreu como medida de segurança, de acordo com a direção da unidade.

Sobre a chamada “ciranda da morte” (suposto pacto entre os internos para que ocorresse uma morte por semana para chamar a atenção das autoridades), Cynthia esclarece que não viu uma ação orquestrada em função da insatisfação dos internos com o fechamento da unidade. “Não senti que isto fosse uma ação organizada para forçar o estado a alguma coisa, me pareceu uma questão de rixas externas que explodiram na unidade”, disse.

Na contramão do que foi relatado sobre o episódio, a psicóloga disse que recebeu relatos dos adolescentes a respeito de maus-trato praticados pelos técnicos. Durante a visita, eles relataram que os monitores não estão levando em consideração as divergências entre os diferentes grupos de adolescentes.

As rixas, relacionadas ao tráfico de drogas e disputas territoriais, estariam, junto com as condições insalubres, entre as causas dos assassinatos. “Os adolescentes disseram que não houve o cuidado dos monitores em separar os desafetos. Inclusive disseram que o Ronald questionou a sua transferência para outra cela onde tinha inimigos, mas seu apelo não foi levado em consideração”, disse. Ronald (morto no dia 8 de setembro) foi o terceiro adolescente assassinado dentro da unidade em pouco mais de 20 dias.

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) diz que os adolescentes devem ser agrupados em função do tipo de ato infracional, idade, compleição física, entre outros critérios. Dentro do Caje, jovens com mais de 18 anos (que completaram a maioridade durante o cumprimento da medida) estariam dividindo a mesma cela com outros adolescentes de menor idade. A separação dos grupos por idade foi feita depois do último homicídio e foi anunciada como medida de contenção.

A legislação estabelece ainda que programas e serviços de atendimento aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas devem estar articulados com serviços e programas de saúde, escolarização, profissionalização, entre outros. A instituição deve adotar medidas para garantir a segurança e a integridade física e mental dos adolescentes.

O governo do DF informou, em nota, que os internos serão transferidos gradualmente para um local provisório, com capacidade para 300 adolescentes, onde serão separados por faixa etária e haverá o funcionamento de escola e oficinas profissionalizantes. As obras das unidades de internação definitivas estão previstas para serem concluídas em 2013.

Na manhã de ontem, 22 internos foram transferidos para o Departamento de Polícia Especializada (DPE) da Polícia Civil do Distrito Federal. Os jovens tinham mais de 18 anos e a medida foi tomada em caráter emergencial para diminuir a lotação do Caje.

Tanto a representante do CFP quanto o coordenador do Cedeca acreditam que o fechamento da unidade é necessário, mas deve ser feito observando o que estabelece a legislação, a fim de evitar novas violações de direito.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), percorreu as unidade de internação em todo o Brasil, vistoriando suas condições de funcionamento, por meio do Programa Justiça ao Jovem, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ ). O relatório elaborado pelos juízes apontou que os adolescentes internos no antigo Caje viviam em “situação degradante em função da superlotação”.

A unidade abriga atualmente em torno de 350 adolescentes, mas tem capacidade para 160. O relatório dizia ainda que aos adolescentes era negado o direito à educação e à profissionalização, uma vez que as atividades socioeducativas quase não existiam ou eram insuficientes para atender à demanda e recomendava o fechamento da unidade.

Em função desse quadro, a Justiça do DF havia determinado o fechamento da unidade até março de 2011. O prazo foi prorrogado, a pedido do governo, até outubro de 2011 e somente em agosto deste ano, o governo do Distrito Federal (GDF) publicou, no Diário Oficial do Distrito Federal, o decreto prevendo a desativação da unidade até dezembro de 2012.

O governo afirmou que as mudanças no sistema de atendimento socioeducativo do DF incluem a construção de cinco novas unidades de internação, nos arredores do Plano Piloto, nas regiões administrativas de São Sebastião, Santa Maria, Sobradinho, Brazilândia e Gama. Dessas, até o momento apenas uma, de São Sebastião, foi licitada. Também foi anunciado o aperfeiçoamento das medidas de semiliberdade, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade.

Edição: Fábio Massalli