Coluna da Ouvidoria - Números não falam por si

09/12/2011 - 9h58

Brasília - O emprego da estatística pela mídia como recurso para facilitar a compreensão dos fatos que reporta virou uma praxe tão rotineira que as realidades retratadas às vezes ganham vida própria, transformando-se em fatos (ou “factoides”) por si mesmos. É como se os números fossem portadores de verdades absolutas, incontestáveis. Nesta coluna veremos que talvez não seja bem assim.

Números são apenas números, mas a eles o jornalismo associou a ideia de objetividade e de precisão, como se com isso dispensassem a necessidade de contextualização.

Os números de uma pesquisa, por exemplo, refletem apenas a medida de alguma coisa que se pretende dimensionar a partir de determinado ponto de vista e é aí que começa o subjetivismo que as estatísticas nunca revelam. Além disso, dependendo da metodologia utilizada, por mais crível que seja a fonte, há muitas maneiras de se obter e processar os dados para se chegar aos resultados.

A objetividade identificada com as apresentações estatísticas tende a reforçar o poder de persuasão da mídia conferindo uma aparente credibilidade à informação. O leitor, sem conhecimentos especializados, encontra-se praticamente desamparado diante da avalanche de números, contando apenas com sua desconfiança natural e com eventuais contrapontos colocados por especialistas, quando estes são ouvidos, para relativizar sua importância.

Protestando contra a maneira que a Agência Brasil divulgou a pesquisa Índice Fiesp de Competitividade das Nações na matéria Para Fiesp, Grécia, Portugal e Itália, mesmo em crise, são mais competitivos do que o Brasil ... , o leitor José Ivan Mayer de Aquino escreveu: “É falta de maturidade ... ou má fé da EBC divulgar uma  pesquisa dessa sem críticas? Não passa nem perto da melhora da nota de investimento do Brasil no mesmo dia.”

Ao leitor a Agência Brasil respondeu: “Agradecemos a mensagem do leitor. De fato a matéria poderia ter uma avaliação crítica para melhor situar o leitor. Quando voltarmos a publicar um estudo mais atualizado sobre o assunto faremos um contraponto.”

Só para esclarecer, a “nota de investimento”, a que o leitor se refere, trata-se da nota atribuída por Agências de classificação de risco, que diz respeito à possibilidade de que mudanças no ambiente de negócios de um determinado país impacte negativamente o valor dos ativos de indivíduos ou empresas estrangeiras naquele país, bem como os lucros, dividendos ou royalties que esperam obter dos investimentos que lá fizeram.

A nota de investimento, ou risco-país, no dia em que foi divulgada a pesquisa da Fiesp recomendava aos investidores que o Brasil é um bom país para se investir. Seria esse um contraponto à informação de que nosso país é pouco competitivo ao ser classificado em 37º lugar entre as 43 nações analisadas?

Divulgar uma pesquisa que coloca um rótulo em nossa nação como um país “pouco competitivo”, sem uma avaliação crítica, sem analisar a lógica de como foi montado o Ranking, sem considerar quais são e como foram escolhidos os indicadores de competitividade é no mínimo temerário e não ajuda “a situar o leitor”, como cita a própria ABr.

 

O índice da Fiesp

Segundo a definição da Fiesp: “Competitividade é a capacidade de um país de criar condições para que as empresas e organizações nele instaladas produzam o maior bem-estar possível para seus cidadãos e para que o façam crescer ao longo do tempo em relação ao dos cidadãos de outros países.”. O argumento, no entanto, é pouco esclarecedor quando se trata de entender quais indicadores foram utilizados para determinar o Índice de Competitividade de Nações - IC-FIESP: “O valor do índice é o resultado da correlação estabelecida entre as 83 variáveis independentes com o PIB per capita dos 43 países...”.

Observa-se de modo geral uma falta de transparência na exposição do Índice. A FIESP afirma que resulta de uma correlação cujos valores, na primeira pesquisa, de 2005, variavam de (+1) a (-1), hoje variam de zero a cem. Quanto maior o numero maior a competitividade. Para quem tem conhecimento da estatística, isto sugere o uso do Coeficiente de correlação de Pearson . Neste caso, quanto maior o valor do índice, mais próxima a posição do país à curva que melhor representa a relação entre a variação do índice e a variação do PIB per capita dos 43 países. Porém, uma observação mais detalhada do gráfico que mostra a relação entre o IC-FIESP e a renda dos países invalida esta hipótese. Resta então a pergunta: que correlação é esta?

Quanto as 83 variáveis independentes estabelecidas pela Fiesp, não há nenhuma lista completa, há apenas uma tabela que mostra seu agrupamento em oito “fatores determinantes” (economia domestica, abertura, governo, capital, infraestrutura, tecnologia, produtividade e capital humano) e 21 “subfatores”. Fora isso, a FIESP informa que as fontes utilizadas são “internacionalmente confiáveis, como FMI, Banco Mundial, CIA , UNESCO etc.”

O índice de competitividade do Fórum Econômico Mundial

Outra prática recomendável na divulgação desse tipo de pesquisa é situar o leitor com relação ao desempenho do Brasil em rankings semelhantes, produzidos com outras metodologias, como o Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, também divulgado pela Agência Brasil. Segundo a notícia Brasil ganha cinco posições em ranking global de competitividade, publicada no dia 7 de setembro, nosso país é a 53ª economia mais competitiva do mundo entre 142 países analisados. O que difere esse índice do da Fiesp? A ABr não apresenta nenhuma análise comparativa entre os dois indicadores e tampouco faz qualquer tipo de associação entre as duas notícias.

Porque medir a competitividade de um país?

Segundo o jurista e economista Rubens Ricupero, no artigo De volta a 1937, publicado na Folha de São Paulo dia 28 de novembro, a competitividade é um dos aspectos que o Brasil precisa se preocupar, principalmente nos tempos de crise do capitalismo em que vivemos: “A lição desse tempo distante [1937] é clara. Os ganhos com commodities, mesmo o sonho-pesadelo do petróleo, não podem nos distrair do desafio essencial. A crise deve servir para retomar a preocupação com avanços reais de produtividade, competitividade e eficiência, com reformas que façam do Brasil uma nação verdadeiramente moderna e equitativa.” (*)

Falar de competitividade dentro da perspectiva de uma pesquisa isolada, independentemente da metodologia utilizada, acrescenta pouca informação para que o leitor entenda em que contexto o Brasil está competindo. Daí a necessidade de se repercutir os resultados estatísticos com especialistas que os analisem a partir de um contexto mais amplo que leve em conta os diferentes competidores e as relações de poder político-econômico que determinam essa competição, ou seja, quais são regras do jogo de poder mundial, quem as arbitra e como as nações se inserem neste jogo – soberanamente ou subalternamente.

Neste sentido, o artigo do economista Carlos Lessa (**), ex-presidente do BNDES, pode trazer elementos para que o leitor aprofunde essa discussão sobre competitividade e entenda sua importância para nossa nação e para a qualidade da cidadania que queremos e que teremos nos próximos anos.

A comparação com a China dá uma clara dimensão de o quê esta em disputa e como é disputado, quando se fala em competitividade entre nações. Para traçar esse paralelo o autor baseia-se em fatos concretos muito mais do que nos números das economias – o Brasil fornecia geradores elétricos para hidrelétricas chinesas, hoje, os importa; a Embraer vendia aviões para a China, hoje, sofre a competição de uma fabrica chinesa...

Talvez essas informações sejam muito mais relevantes para os leitores entenderem a competitividade do que saber se o Brasil ocupa a 37a. ou a 53a. posição em tal ranking. É por isso que a Agência Brasil ao pautar a divulgação de determinada pesquisa precisa pautar também a análise de sua metodologia, a contextualização dos resultados e a sua repercussão junto a quem possa dar interpretações diferenciadas, não se limitando à versão declarada por seus autores ou patrocinadores.

Outro leitor que protestou contra a forma que a Agência Brasil divulgou uma pesquisa foi Benicio Jose de Souza. Sobre a matéria Produção industrial diminui em metade dos locais pesquisados pelo IBGE ..., ele escreveu: “Dados isolados desse jeito sem uma analise mais detalhada, mais a opinião  
de ‘especialistas’, é o jeito que o PIG [partido da imprensa golpista] usa na campanha contra o governo. A Agencia Brasil poderia oferecer algo melhor em termos de noticiário.”

Até a próxima semana.

Pesquisa: David Arthur Selberstein

(*) – disponível só para assinantes em: http://www1.folha.uol.com.br/fs...ndo/11703-de-volta-a-1937.shtml

(**) – leia a integra do artigo de Carlos Lessa Barbas de molho em: http://www.aepet.org.br/site/colunas/pagina/184/Barbas-de-molho