Coluna da Ouvidoria - O assunto jorrava no mar

25/11/2011 - 9h01

Brasília - Quais são os assuntos prioritários na pauta da agência pública de notícias? Quando é chegada a hora dela entrar em determinado assunto? Essas e outras questões foram levantadas a partir de insistentes demandas de um leitor que procurava nas páginas da Agência Brasil uma cobertura consistente do desastre ambiental que acontecia naquele momento na costa brasileira.

No dia 8 de novembro, teve início um vazamento de petróleo de um poço explorado pela multinacional Chevron a 1,2 mil metros de profundidade na Bacia de Campos, no litoral do Rio. No dia 12, a empresa apresentou à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) um plano para “matar” o poço e acabar com o vazamento, aprovado no dia seguinte (13/11).

Porém o tal plano, implementado a partir do dia 16 – pelo menos, era isso que a Chevron dizia à Agência Nacional de Petróleo - ANP, dependia de um equipamento que só chegou dos Estados Unidos segunda-feira (21/11), e isso a Chevron não contara antes. Ao longo de dez dias informações contraditórias foram sendo divulgadas em comunicados oficiais reproduzidos pela mídia que até então se mantinha a certa distância do caso.

No dia 16 o leitor, que pediu para não divulgarmos seu nome, começou a escrever uma série de mensagens para esta Ouvidoria cobrando que a Agência Brasil fizesse uma cobertura realista dos fatos uma vez que, segundo ele, “a grande mídia estava sendo omissa e apenas publicando releases com versões mentirosas”.

Para provar o que estava dizendo o leitor enviou fotos tiradas por satélites da Nasa (1) interpretadas pelo geógrafo John Amos, diretor do site SkyTruth (2), especializado em interpretação de fotos de satélites com fins ambientais.

Segundo descrevia aquela fonte: “A imagem de satélite MODIS / Aqua da NASA , foi tirada há três dias [12/11]. Ela mostra uma mancha de óleo aparente originária do local de perfuração e que se estende por 2.379 quilômetros quadrados (o extremo sul da mancha fica aprisionado em um redemoinho no sentido horário aprisionado nas correntes oceânicas), de 1 micron de espessura, representando um volume de 628 mil galões (14.954 barris) de petróleo.”

John Amos concluiu: “Supondo que o vazamento tenha começado a meio-dia do dia 8 de novembro (24 horas antes que o observamos pela primeira vez na imagem de satélite), estimamos uma taxa de vazamento de pelo menos 157.000 galões (3.738 barris) por dia. Isto é mais de 10 vezes maior que a estimativa da Chevron de 330 barris por dia.[ tradução nossa]”, ou seja, mais de 10 vezes o que a ANP oficialmente informava.

As mensagens do leitor foram encaminhadas pela Ouvidoria para a Diretoria de Jornalismo da EBC, que no dia 18 de novembro respondeu: “Agradecemos a mensagem. Esclarecemos que estamos publicando informações diárias sobre o caso. Assim como outros veículos de comunicação temos dificuldade de conseguir informações confiáveis da Chevron. Estamos publicando matérias sobre o caso com as informações de autoridades brasileiras, como as do ministro de Minas Energia, do ex-ministro Carlos Minc, de autoridades do Ibama e da Polícia Federal. Sem dúvida gostaríamos de ter informações reveladoras sobre o caso, mas temos dificuldade de acesso ao local do acidente e de outras fontes confiáveis de informação. Estamos atentos e assim que tivermos fatos novos levaremos ao conhecimento dos leitores.”

Até aquela data, decorridos dez dias do vazamento (17/11) a Agência Brasil havia publicado 10 matérias. A cobertura limitava-se à reprodução de informes da empresa e de autoridades do governo. Mesmo grandes empresas jornalísticas privadas, que possuem inclusive aviões e helicópteros a serviço de seu telejornalismo, divulgavam pela tevê apenas notas e fotos distribuídas pela empresa norte-americana, fazendo parecer que o jornalismo havia retroagido a meados do século passado.

As Contradições

A matéria Chevron começa a cimentar poço de petróleo e diz que vazamento já se resume a gotejamento ocasional , informava: “Segundo a empresa responsável pelo poço, o volume vazado equivale a 65 barris.”, mas segundo outra fonte, na mesma matéria, “o total vazado até o momento seria de 2,3 mil barris”. Portanto essas contradições indicavam que para saber em quem o leitor deveria acreditar seria necessário muito mais informação, pesquisa e apuração. Nesses momentos o paradigma do jornalismo de “ouvir os dois lados” consegue no máximo gerar uma polêmica e expor a fragilidade da cobertura.

Nos dias seguintes finalmente a ABr entrou no assunto de forma mais decidida. Foram publicadas nove matérias no dia 18 e doze no dia 21.

As fontes

Na cobertura realizada durante os dez primeiros dias decorridos do acidente (até 17/11) 60% das fontes eram notas oficiais do governo e da empresa. 15 fontes foram citadas nas 10 matérias publicadas até o dia 17/11:

A partir de 18/11 foram publicadas 28 matérias nas quais foram ouvidas 38 fontes (até quarta-feira 23/11 às 17h20):

7 dessas fontes – 18% do total – foram cinco notas divulgadas por órgãos do governo federal e duas pela Chevron, uma redução significativa em comparação aos 60% de notas observadas na primeira semana da cobertura.

A distribuição das fontes, por setor do governo e da sociedade civil foi a seguinte: governo federal (ministérios e presidência): 20 (53%), Defensoria Pública da União no RJ: 1 (3%), governo estadual (Secretário do Meio Ambiente, RJ): 5 (13%), Senado Federal (Comissão do Meio Ambiente): 1 (3%), empresas petroleiras (Chevron e Petrobras): 8 (21%), Ong (Greenpeace): 1 (3%), sindicato de trabalhadores (Sindipetro): 1 (3%), e especialista (professor da Coppe, UFRJ): 1 (3%).

Em relação à cobertura durante a primeira semana, as principais diferenças nos setores consultados a partir do 18/11 são:

  1. Um aumento no percentual das fontes que, em conjunto, representam os poderes executivos federal e estadual, de 47% para 66%, e dentro do poder executivo federal, uma presença proporcionalmente maior do Ministério da Justiça (PF) e do Ministério do Meio Ambiente (ministra e IBAMA);

  2. Uma diminuição no percentual das fontes parlamentares, de 13% para 3%;

  3. Uma diminuição no percentual das fontes que representam a sociedade civil (empresas petroleiras, Ongs, sindicatos e especialistas), de 40% para 30%, devido à redução proporcional das citações da Chevron (embora valha a pena notar que 4 das 7 citações no período mais recente são declarações do presidente da subsidiaria da empresa no Brasil, enquanto todas as 5 citações na primeira semana foram notas da empresa).

Cercando a notícia

Tal como afirma a resposta da Dijor ao leitor: “Assim como outros veículos de comunicação temos dificuldade de conseguir informações confiáveis da Chevron. Estamos publicando matérias sobre o caso com as informações de autoridades brasileiras, como... Sem dúvida gostaríamos de ter informações reveladoras sobre o caso,mas temos dificuldade de acesso ao local do acidente e de outras fontes confiáveis de informação.”, constatamos que ocorria deliberadamente um cerco à informação por parte dos principais envolvidos no episódio: governo e empresa.

No entanto, talvez a informação que o leitor precisasse naquele momento não estivesse “no local do acidente” e sim em seu entorno. Em casos como esse, a contextualização pode ser muito mais útil do que os fatos em si. Algumas perguntas poderiam ter sido feitas, até porque tinham as respostas disponíveis:

1 – Quais as medidas previstas pela empresa para o caso de acidentes como esse contidas no Relatório de Impacto Ambiental apresentado pela Chevron em 2007 ao Ibama?

2 – O que diz a legislação braseira sobre o assunto? De quem são as responsabilidades de outorga, de fiscalização e de prevenção?

3 – Quais são e o que falam os decretos e portarias que regulamentam a concessão, a prospecção, a exploração e a operação de poços de petróleo?

4 – O que foi feito do Plano Nacional de Contingência para Derramamento de Óleo, que deveria ter sido entregue Congresso Nacional ainda em meados de 2010?

5 – Quem são Chevron e Transocean – qual é a história destas empresas em termos de exploração de petróleo e de acidentes ocorridos?

6 – Quais são os procedimentos técnicos para exploração de petróleo?

7 – O que significa o Daily Drilling Report, uma espécie de “diário de bordo” da  perfuração, onde são registrados todos os acontecimentos e medições da  perfuração. Os diâmetros de furo, a instalação de sapatas provisória e  definitiva na boca do poço, os incidentes de percurso, como as perdas de  colunas de perfuração – que não são raras – a sua recuperação ou  eventual abandono, tamponamento e desvios de rota de perfuração, os testes  de injeção de pressão e os encontros com rochas impregnadas de petróleo, tudo com data, hora e ações adotadas.?

8 -  E o Cement Bond Logging, uma avaliação da resistência e homogeneidade do cimento  injetado para fixar as sapatas presentes a cada mudança de diâmetro do furo  de exploração e que deve preencher todo o espaço entre o furo (mais largo)  e os tubos que fazem o poço propriamente dito, além de formarem uma sapata  de sustentação de cada setor da tubulação telescópica. O cimento, injetado pelo  tubo, sobe pela parte externa deles, formando uma parede que evita que a  pressão externa “amasse” a tubulação e ainda que o óleo possa subir  pelo vão entre a parede de perfuração  e o lado de fora da tubulação, indo por aí até a superfície do solo marinho, ou subir até lá se  infiltrando em fendas do próprio solo?

9 – No Brasil quem são os especialistas que podem seguramente falar sobre isso?

Somente no dia 18/11 a Agência Brasil foi ouvir o professor Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe) que informara que o Brasil não tem um plano eficaz de contenção de vazamento de petróleo em alto-mar..

Algumas das respostas a essas perguntas não estavam em alto mar, mas aqui na terra, o tempo todo. Elas constam do artigo A Chevron e suas declarações vazias (3), divulgado dia 21 de novembro, justamente por aqueles que estão cotidianamente envolvidos na exploração de petróleo: os representantes do Sindicato dos Engenheiros da Petrobrás - Aepet .

Segundo Fernando Siqueira, presidente da Aepet:mesmo já tendo alguns poços em produção, o que fornece a pressão no reservatório, os engenheiros erraram no dimensionamento da densidade da lama de perfuração quando chegaram à zona produtora do reservatório, após 60 dias de perfuração, eles perceberam um Kick de pressão (com perigo de perda de controle do poço), em função, provável, de lama mais leve do que o necessário.

Continuando, o engenheiro explica: “Depois erraram na injeção de lama mais pesada, com pressão acima do suportável pelo reservatório e fraturaram o seu reservatório. Afobados, começaram a injetar uma lama mais densa para controlar o poço. Só que, ao injetar essa lama eles o fizeram com pressão mais elevada do que o invólucro selador do reservatório suportava e, assim, causaram a fissura do mesmo. Portanto, uma sucessão de erros operacionais cometidos e não confessados.

 Por último, Fernando Siqueira informa: “Segundo o Wall Street Journal, a plataforma que está perfurando, é uma plataforma improvisada. Era obsoleta e funcionava como flotel (hotel flutuante) no Mar do Norte; Foi "armengada" e foi alugada por U$ 315 mil por dia. Uma plataforma moderna e adequada para essa atividade custa cerca de U$ 700.000 por dia. No inicio, a Chevron tentou por a culpa na Petrobrás insinuando que o vazamento era do campo de Roncador. Foi preciso o Cenpes analisar o óleo para verificar o DNA do mesmo e identificá-lo como do campo de Frade, desmentindo os irresponsáveis.”

Cercando a notícia lá fora

Nos EUA as agências noticiosas pareciam estar mais preocupadas com a atuação da Chevron do que suas congêneres brasileiras.

Segundo matéria (4) publicada pela agência Reuters em 14 de novembro fomos informados que: “A Chevron é a concessionária operadora do bloco com 51,7 por cento de participação, em consórcio formado com a Petrobras (30 por cento) e o grupo Frade Japão, que possui 18,2 por cento.”

Esta informação, fundamental para se apurar responsabilidades, esteve disponível o tempo todo, mas ninguém da imprensa brasileira foi atrás dela.

No dia 21 de novembro a mesma Reuters, perseguindo responsabilidades, voltou a carga na matéria O vazamento da Chevron pode complicar os sonhos brasileiros do petróleo (5), de seu correspondente no Rio de Janeiro, o jornalista Jeb Blount.

Segundo suas apurações: “Embora a Chevron não seja o único proprietário do projeto, ela é a única empresa com participação no campo a sofrer os ataques das autoridades do governo. O diretor da agência reguladora brasileira do petróleo, a ANP, disse na segunda-feira que somente a Chevron, e não seus parceiros, Petrobras e o grupo japonês Frade Japão, seria multada pelo vazamento.
De acordo com a lei brasileira, todos os sócios de uma parceria petrolífera são ‘conjunta e solidariamente’ [‘jointly and severally’ no original em inglês] responsáveis pelo campo ou concessão, disse Marilda Rosado De Sa Ribeiro, advogada especializada em direitos do petróleo e sócia da Doria, Jacobina, Rosado, Godinho, firma de advocacia do Rio de Janeiro.”

A pauta transbordava no mar e em terra

A pauta também transcendeu a própria reportagem da Agência Brasil.

No Observatório da Imprensa o jornalista Carlos Brickmann publicou na sua coluna A velha, boa e ausente reportagem, em 22/11/2011: “O repórter Vladimir Platonow, da Agência Brasil, faz aos grandes meios de comunicação perguntas das mais pertinentes (que poderiam ser estendidas à própria Agência Brasil, que também não foi buscar os fatos em primeira mão): ‘Os próprios releases dizem que há 18 navios trabalhando no combate ao vazamento. Devem ser navios-fantasmas, como é a direção da Chevron. Não têm nome, não têm comandante, não têm tripulação, não têm coordenadores. Não há uma pessoazinha que seja, com nome e sobrenome, que diga: olha, as coisas aqui estão assim ou assado. Ninguém tem uma máquina fotográfica, uma filmadora, um reles celular que tire fotos. Internet, então, nem pensar. Será que vamos ter que esperar que coloquem uma mensagem na garrafa, para que a nossa imprensa publique algo além de notas oficiais?’”

Até a próxima semana.

(1) – disponível em: http://lance-modis.eosdis.nasa.gov/imagery/subsets/?subset=FAS_Brazil4.2011313

(2) – disponível em: http://www.skytruth.org/

(3) – disponível em: http://www.aepet.org.br/site/noticias/pagina/8078/A-Chevron-e-suas-declaraes-vazias

(4) – disponível em: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRSPE7AD0OR20111114?pageNumber=3&virtualBrandChannel=0

(5) – disponível em: http://www.reuters.com/article/2011/11/21/us-brazil-chevron-spill-idUSTRE7AK23O20111121