Estudos sobre demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul devem ser concluídos em 2011

23/11/2010 - 11h53

Gilberto Costa
Enviado Especial*

Campo Grande (MS) – Grupos técnicos de identificação e demarcação de seis terras indígenas em Mato Grosso do Sul devem encerrar os estudos nas bacias dos rios Apa, Dourados, Brilhante, Ivinhema, Iguatemi e Amambaí nos primeiros meses de 2011. No estado, onde vivem cerca de 45 mil índios das etnias Guarani Kaiowá e Guarani Nhandéwa, um grande problema fundiário arrasta-se há anos.

Muitas das áreas vistoriadas em mais de 25 municípios pelos grupos técnicos, contratados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2008, são ocupadas por fazendeiros e empresas que detêm o título da terra. De acordo com as lideranças indígenas, cerca de 3 mil índios vivem em 22 acampamentos de beira de estrada nas rodovias do estado.

Para os indigenistas, os interesses econômicos sobre a terra altamente produtiva e o preconceito contra os índios fazem com que a demarcação ainda não tenha sido concluída. O processo foi diversas vezes interrompido por decisões judiciais em várias instâncias. “As ações caem na mão de juízes e desembargadores que têm pouco conhecimento sobre o tema e trabalham muito em cima do senso comum”, avalia Rubem Thomaz de Almeida um dos antropólogos contratados pela Funai para trabalhar na demarcação.

Ele acredita que o senso comum estigmatiza os índios e alimenta as decisões contrárias a eles. “O preconceito tem um peso gigantesco. Digamos que ele sempre existiu, mas era latente. Com a demarcação da terra, isso veio à tona de maneira atroz”, pondera Almeida que aponta como marco a morte de dois policiais em abril de 2006 por causa do conflito com os índios. “A partir daí, o preconceito cresceu de maneira exacerbada. Isso contribuiu bastante para que a população ficasse contra os índios. Não há discernimento sobre a legalidade e o direito deles. Isso foi absolutamente desconhecido”, avalia.

“Onde tem indígena, o Estado cria preconceito” reclamou o guarani kaiowá Anastácio Peralta, do Conselho Nacional de Política Indigenista. Segundo ele, “o que vale para o Estado é o boi, a soja e a cana. A produção vale mais que um ser humano. O boi tem direito a ficar em 3 hectares, o índio tem que ficar no meio da rua”, disse durante a reunião com Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), encerrada ontem (22) à noite em Campo Grande (MS), na presença do presidente da Funai, Márcio Meira, do ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat.

O presidente da Funai destacou que essa é a primeira vez que o processo de demarcação consegue dar alguns passos e que houve erro na titulação das terras para os fazendeiros. “O objetivo era trazer os índios para pequenas áreas”, disse se referindo à demarcação feita pelo Serviço de Proteção aos Índios, órgão que antecedeu à Funai (antes da década de 1970). Para ele, a demarcação não respeitou o modo de vida dos índios Guarani Kaiowá que se organizam isoladamente em famílias extensas e circulam pelo território.

O juiz Marcelo Martins Berthe, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Fórum Nacional Judiciário, propôs durante a reunião do CCDPH, a realização de um seminário em Brasília com a presença de juízes estaduais e federais para discutir a demarcação das terras indígenas. “A questão fundiária é um dos maiores problemas e mais mal resolvidos no país”, enfatizou.

O ministro Paulo Vannuchi afirmou que espera que a União, o estado de Mato Grosso do Sul, o Ministério Público Federal e a Justiça sentem para negociar uma “solução abrangente”, se referindo à possibilidade, inclusive, de alterar a Constituição Federal para atender os direitos dos índios e dos fazendeiros.


*O repórter viajou a convite do CDDPH    // Edição: Lílian Beraldo