Jarbas Passarinho: "Não sou madalena arrependida"

29/03/2004 - 21h46

Brasília, 29/3/2004 (Agência Brasil - ABr) - Ex-senador, ex-governador do Pará e ex-ministro, Jarbas Passarinho, 84 anos, é um dos últimos remanescentes do regime militar. Participou do movimento que precedeu o Golpe de 1º de abril 1964. Ao longo dos 20 anos de ditadura, ocupou três ministérios importantes, em governos distintos do regime: Trabalho, no governo Arthur Costa e Silva (1967-69), Educação, com Emílio Garrastazu Médici (1969-74), e Previdência Social, nos tempos de João Baptista Figureiredo (1979-85).

Nascido em Xapuri, no Acre, a terra do seringueiro e ecologista Chico Mendes e do médico Adib Jatene, Passarinho, que também foi ministro da Justiça de Collor de Mello (1990-92), está aposentado como coronel do Exército. Em Brasília, leva uma vida de classe média alta. Sobrevive com o soldo de R$ 3 mil pagos pelo governo, com 70% do valor referentes ao cargo de senador, pagos pelo Instituto de Previdência do Congresso Nacional. Ele também trabalha como assessor da Presidência da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Durante sua estada no Pará, como chefe do Estado Maior do Comando da Amazônia, foi encarregado de arquitetar o plano da reação militar que depôs João Goulart da Presidência da República. Um dos estados em que o comando agiria para garantir a deposição de Jango, caso houvesse resistência civil, seria Goiás. Articulou o Golpe com os comandantes militares de São Paulo, do Rio de Janeiro e Minas Gerais. No depoimento à Agência Brasil, o ministro afirma que não se arrepende de nenhum ato que tenha realizado naquele período: "Não sou Madalena arrependida".

Organização do Golpe

"É preciso remontar a 1962, quando houve eleições gerais, e apareceu o famoso Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas). Eu era chefe de Estado Maior do Comando da Amazônia e tomei conhecimento já do movimento anticomunista, que, por trás dos americanos, financiava esse Ibase. Comecei a ver como se refletia sobre nós a Guerra Fria, e fazia uma dicotomia biológica: de um lado, a defesa da democracia e, de outro lado, a defesa do totalitarismo comunista. Em 1963, nós já tínhamos três oficiais generais que comandavam no Amazonas, e os três, por uma coincidência enorme, tinham sido colegas de turma do Colégio militar do Rio de Janeiro - o almirante, o brigadeiro e o general. E eu passei a ser uma espécie de chefe de Estado Maior clandestino ou informal deles também.

Aí começou o acompanhamento no Pará e no Rio de Janeiro. Houve aqui em Brasília um movimento armado de sargentos da Aeronáutica e da Marinha. Ocuparam o quartel de fuzileiros navais, o ministério, e foram desalojados por tropas do Exercito, com morte. A primeira grande surpresa que eu tive foi que recebi um documento reservado, sigiloso, do Estado Maior do Exército, mostrando a infiltração nos seminários católicos de jovens comunistas. Eu achei aquilo absurdo. Nunca podia imaginar que aquilo se desse.

E aí deu de ver depois o que aconteceu no Congresso das Perdizes, em São Paulo, com os dominicanos trabalhando direto com Carlos Marighella, praticamente sob suas ordens. Ele era um dos comunistas mais valiosos, mais valentes que havia. Nós começamos a juntar os fatos políticos e os fatos militares. Nos fatos políticos, não tínhamos consenso a respeito disso ou daquilo. As Reformas de Base, por exemplo, um monte de nós defendíamos. Eu sempre defendi a reforma agrária, por exemplo."

Antigolpistas

"O que nos preocupava era ouvir o nosso engenheiro Leonel Brizola dizer que era preciso fechar o Congresso para poder passar as Reformas de Base. E ainda se referia ao Congresso de uma forma deselegante. Bom, aí, apareceu uma série de constituintes: fecha o Congresso e convoca uma constituinte para poder aprovar as reformas. Não era o caso. O presidente João Goulart entra com uma mensagem, criando o Estado de Sítio, mensagem em que depois ele recuou. Mas tudo isso foi mostrando um quadro. Nós nos reunimos, os militares - se pegarem o livro do general Portella (Jayme), vão ver que coube a mim centralizar esse movimento no Norte. Então, nós decidimos tomar a seguinte decisão, foi em 63: nós vamos nos reunir e nos preparar para nos opor a um golpe.

Nós éramos antigolpistas, e esse golpe, nós víamos, em grande parte, poderia surgir da aliança de João Goulart com o Luís Carlos Prestes, que era considerado foragido e, no entanto, era recebido pelo presidente. Aí, ele (Brizola) vai a Pernambuco e é recebido pelo governador Arraes (Miguel). A imprensa toda publicou na ocasião as declarações que ele deu: "Nós, comunistas, estamos no governo, mas ainda não estamos no poder". Isso tudo foi para a prancheta do Estado Maior. Então, nós nos preparamos para nos opor.

Quando chega março, começa a mudar o clima. Nós tivemos um aumento dessas ações: havia a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), que era ilegal, mas que fazia só greves políticas. Não era greve por salários, não era greve por melhoria de trabalho. Estou fazendo sempre a separação: no campo político, nós não havíamos unidade total, no campo militar tínhamos. Porque nós não podíamos admitir que houvesse, jamais, atos de insubordinação. Aquele motim que faziam aqui em Brasília, por exemplo: ocuparam o terminal Área Alfa, que é na verdade hoje a Esplanada dos Ministérios, com morte, e nada aconteceu. Chega o ano de 64. No mês de março, começa aquela história de Comício da Central. Também não nós impressionaram."

Socialista inflamado

"Nós achávamos o Brizola um socialista exaltado e inflamado demais, muito radicalizado, apenas isso. Em 1961, por exemplo, eu fui a favor da posse de Jango. Eu achava que se devia cumprir a Constituição. Os três ministros militares do Jânio (Quadros) criaram aquele problema de que ele (Jango) não tomaria posse. E outra vez nós nos salvamos da guerra civil pelo Congresso. Inteligentemente, o Congresso inventou um parlamentarismo que era mero pretexto para Jango poder assumir, e que ele derrubou poucos anos depois com o presidencialismo. Ele começou a usar um presidencialismo imperial. O parlamentarismo foi uma farsa. Era o Jango que fazia uma farsa: chamava, mandava nomear, demitir. Era tudo ele, não era o primeiro-ministro."

Povo não queria ditadura civil nem militar

"No dia 20 de março de 1964, o presidente Castello Branco, que era na ocasião era chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro, baixou uma circular aos generais, aos seus subordinados e para eles próprios ligados ao Estado Maior. Ele faz uma advertência claríssima, mostrando que o povo não queria ditadura - nem militar nem civil. Agora, o que ele não admitia era baderna. Não admitia que o presidente da República trabalhasse claramente para violar a Constituição.

Eu recebi no Pará essa circular, que não devia receber, porque não era subordinado ao Estado Maior do Exército Brasileiro, por uma pessoa que nos levou. Nos tínhamos mandado um coronel nosso para o Rio, para acompanhar como estava a situação. Recebi a circular no aeroporto e meu general estava presente por um acaso. Eu passei para ele só no dia seguinte. Eu mesmo tinha um plano que me coube fazer, inclusive: era dominar a Amazônia e avançar sobre Goiás. Nos viríamos para cá."

Almoço e jantar

"Quando chega o dia 26, houve um motim dos marinheiros. Eles dominaram o navio de guerra, onde o corpo de esquerda passava para ver aquele Encouraçado Potemkin - que nós chamamos de "Potente" -, mostrando como os insubordinados deviam dominar, matar seus oficiais. E isso apavorou a Marinha, porque eles dominaram o navio, mas desembarcaram, foram se asilar num sindicato de metalúrgicos, que era chefiado por um líder sindical comunista. O João Goulart, com os pelegos, procurava dominar o sindicato e os comunistas trabalhavam também neste sentido.

Então, complicou demais. Quando chegou o dia 26, eles falaram que nós tínhamos que mudar de posição: ‘Se nós ficarmos esperando, se nos não almoçarmos eles, eles vão nos jantar’. Isso se completou no dia 30, quando o presidente João Goulart foi falar no Automóvel Clube para os sargentos da Policia Militar do Rio de Janeiro. A linguagem dele foi extremamente violenta, tanto que, no livro do Prestes, que ele ditou, ele disse "qual é o oficial do Exercito que poderia ouvir o presidente falar daquele modo e não ficasse intranqüilo.

Aí, o Mourão (o general Olympio Mourão Filho) inicia o processo em Minas Gerais... O que incomodou os militares foram as ações militares de crimes praticados sem conseqüência. Por exemplo, na ocasião em que os marinheiros foram se anistiar no sindicato, o ministro Silvio Mota, da Marinha determinou que os fuzileiros navais fossem prender os marinheiros. Os fuzileiros navais chegaram lá, baixaram as armas e se abraçaram. Ah! Isso pro Exercito...Eram liderados pelo famoso Cabo Anselmo, que presidia uma associação de marinheiros e cabos. Isso alarmou, evidentemente, porque em cima de nós funcionava a síndrome de 1935, que foi a Revolta Comunista que Prestes lançou, onde houve os primeiros atos claríssimos de deslealdade Isso voltou tudo à tona, e foi quando nos dizemos "ou nos os almoçamos ou eles nos jantam".

Jango instiga os quartéis

"Hoje eu tenho certeza: se não tivesse havido a ação de Brasília, seguida da ação dos marinheiros, não teria havido a ação militar. Tenho quase certeza que a área política não se dividiria, alias, nós não nos uníamos, nós nos dividíamos. Uns eram a favor, outros não. Para mim, isso foi fundamental. No dia 30, está subindo lá o helicóptero do presidente com os sargentos. Era praticamente o presidente da República estimulando os sargentos à revolta, e os sargentos iriam fazer a mesma coisa de 1935."

Condecoração de Che

"Aquilo foi mera exibição. Mas realmente chocou. Chocou os militares mais conservadores. Denys (Odylio), por exemplo, que era ministro dele, se chocou. Ele fez fora do dia (condecorar Che Guevara com a Ordem do Rio Branco), para dar uma cutucada em cima dos Estados Unidos. Fez jogo de cena. Puro jogo de cena. Passaria, como passou."

Respeito a Jango

"Nesta ocasião, nós (Comando Militar da Amazônia) passamos a ser uma espécie de apêndice do que já estava acontecendo no Rio de Janeiro, porque, do dia 1° para o dia 2, o Jango já tinha saído de Brasília para o Rio de Janeiro. Se não me engano, com uma passagem em Porto Alegre, onde ele marca uma atitude que mostra a dignidade dele, o patriotismo dele, a decência dele, quando ele impediu que o Brizola quisesse fazer uma luta armada no Rio Grande do Sul. Já não teria unidade, como quando teve em 61. Mas haveria derrame de sangue, e o Jango não aceitou. Esse ponto nele, para mim, é de alta relevância e eu respeito."

Não sou madalena arrependida

"Eu não sou madalena arrependida. Eu assumi todas as minhas responsabilidades, inclusive reconhecendo erros. É outra coisa diferente. O Delfim (Netto) fez um elogio uma vez para mim, numa entrevista que deu, em que ele diz que eu defendia até aquilo a que internamente eu não era favorável, que eu tinha responsabilidade e lealdade ao meu presidente. Eu não diria que me arrependi. Por exemplo, o AI-5 mesmo, essa história, eu pinço muito na minha expressão, "a história do espírito de consciência". Eu, quando vi o ministro dizer: "Nós não temos condições de assegurar a ordem, se as liberdades fundamentais forem mantidas", tomei a decisão de assinar o AI-5."

Apoio da Igreja

"A Igreja, que nos deu apoio maciço no dia 31 de março, começou ser trabalhada pelo grupo da Teologia da Libertação, grupo que quer fazer mártires igual a Cristo e, com isso, começou também a ter alguns padres atingidos inicialmente por essa ação do suposto rosto de identidade ‘Marx com Cristo’, que nós nunca aceitamos. E aí, aparece a PM, lá vai PM, pega padre, daqui a pouco já é bispo... Aí, ela começou se voltar contra nós. Dom Paulo Evaristo Arns chegou a dizer que ele foi ao encontro das tropas mineiras para abençoá-las e oferecer assistência religiosa. Ele estava inteiramente a favor, inclusive, com medo do comunismo. Depois se transformou no grande pólo de resistência ao ciclo militar."

64 perguntas

"Eu acredito até que o governo americano devia ter esse interesse, porque o Che Guevara já tinha falado que criaria vários Vietnãs onde ele pudesse, e ele veio pra cá nesse período, quando escolheu erroneamente a Bolívia e lá morreu, nesse período. Agora, eu posso lhe garantir, era oficial do Exército, do Estado Maior do Exército, acompanhava o Estado Maior do Exército Brasileiro este ano e, depois, como ministro, tive conversas com Magalhães Pinto, tive conversas com outras pessoas. Em nenhum momento, os Estados Unidos participaram do movimento de 64, exceto, vamos à exceção e fazer a correção histórica verdadeira, exceto porque talvez o Magalhães Pinto, que iniciou o processo revolucionário, receasse que aqui ia haver uma guerra civil.

É claríssimo que haveria mais uma ameaça de guerra civil, e nós não teríamos suprimentos. O nosso grupo não teria, porque toda a área que supôs aquele general, Assis Brasil, que seria o tripé para apoiar o Jango, não era tripé nenhum. Então, se o Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul não aderissem, os mineiros, mais quem acompanhasse, não teriam petróleo, não teriam gasolina, não teriam nada disso.

Acredito que foi uma ação dele (Magalhães Pinto) com o embaixador Lincoln Gordon, a preparação daquele plano chamado Brother Sam. Colocaram lá (em Santos) uma frota que trazia pra cá não armamento, vinha trazendo suprimentos. Se demorasse, ia ter. Claro que eles teriam interesse depois de poder ter até um apoio maior. Só que nós resolvemos em 24 horas, sem nenhum tipo de participação deles. E aqui, você pode brincar, pode ir um sujeito para a CPI e não responder nenhuma palavra, como agora apareceu um. Fizeram 64 perguntas, e ele só respondeu uma: ‘Sou funcionário público’, disse só o que ele achou que podia responder. Mas Lincoln Gordon foi chamado ao Senado americano, onde lhe fizeram esta pergunta sob juramento. Vai ser perjúrio no Senado americano e vê qual é a cadeia que você recebe em seguida. Então ele disse: ‘o Brasil se salvou por si só’. Agora, claro que os americanos tinham interesse que isso aqui se transformasse em um Vietnã."

Quem veio primeiro?

"As guerrilhas que já existiam desde 67 - elas são anteriores ao AI-5 - são outra mentira que se passa aí. Diz-se que foi o ato que levou à guerrilha. As guerrilhas é que levaram ao ato. Pois bem, se não tivéssemos pacificado, você tem hoje um exemplo perfeito para comparar: a Colômbia não mexeu numa só liberdade, não fez censura à imprensa, não tirou habeas corpus, manteve tudo. Há 41 anos, ela tem as chamadas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que são comunistas. Eu nem sei se o próprio Costa e Silva tivesse vivido, se ele teria se dado bem. E depois que o Fidel Castro não pôde mais financiar a guerrilha, porque perdeu a pensão que recebia da União Soviética, eles foram se juntar com o narcotráfico. Hoje, as FARCs têm mais dinheiro do que o exército colombiano. Olha a história outra vez. Eu aprendi uma frase da história que eu acho muito bacana: ‘A história é um facho de luz que se joga sobre o passado para evitar que cometamos os mesmos erros’."

Império das circunstâncias

"Com o final do ciclo militar, eu me sinto perfeitamente à vontade. Acabei virando amestrador de víboras, comecei a falar com o pessoal da esquerda radical, e eles acabam sendo simpáticos. Não porque eu tenha cedido, mas, sim, porque eles compreenderam a minha posição. Eu tenho as mãos limpas. Eu não apertava uma só, porque era na televisão, porque era do Fernando Henrique, eu vou logo é com as duas. As minhas mãos estão livres do sangue dos meus adversários e do dinheiro roubado da corrupção.

Eu podia ter mágoas, porque em 63, no Pará, no Sindicato de Petroleiros, meu irmão mais velho e outros petroleiros, sem uma palavra de discussão, foram apunhalados por um comunista. Apunhalados pelas costas inclusive. Felizmente não matou, porque não passou daquilo, os próprios companheiros - mulheres que estavam juntos com eles, bateram no sujeito. Ele estava com um punhal escondido.

Eu podia ter trazido esse ódio, e não trouxe. Nunca pratiquei uma violência contra ninguém e não discuto esse problema dos que tiveram de fazer. Se foi com eles, com a consciência de cada um e com a sua obrigação militar, brincadeira é não fazer. Negócio de tortura, falar muito bem, mas nós inventamos a tortura? A Alemanha, com a Gestapo torturou, a França na Indochina torturou, na Argélia torturou, os Estados Unidos no Vietnã torturaram e foram torturados. Eles todos fizeram isso. Agora, com isso, eu vou justificar? Eu digo apenas que é um império das circunstâncias".

Saldo

"Quando se compara o ciclo - eu não chamo regime militar, regime militar eu vi no Peru. O nosso foi um regime autocrático a partir do AI-5, apoiado enormemente em tecnocratas do maior valor: Roberto Campos, Bulhões de Carvalho, Delfim Netto, João Paulo Velloso, Mário Henrique Simonsen, toda essa gente. Nós conseguimos entregar o Brasil, quando acabou o ciclo, em melhores condições. O Brasil era a oitava economia do mundo. O PIB crescia a 12% ao ano. A inflação estava em 12% na sua redução, 12% ao ano. Os maiores índices indicadores da economia brasileira foram no período do Médici. A oitava economia do mundo hoje é 12ª ou a 13ª, já vai cair para 13ª. A dívida externa brasileira era de US$ 12 bilhões. Nos tínhamos US$ 6 bilhões de reserva líquida e conceito de caixa. Então, a dívida líquida (dívida bruta menos o conceito de caixa que você tem de reserva) era de US$ 6 bilhões. As exportações passavam de US6 bilhões de dólares. Em nove meses, digamos um ano, nós pagamos a nossa dívida externa.

Nós não tínhamos praticamente dívida interna, porque as ORTN’s que o governo utilizava eram poucas. Hoje, você tem uma dívida interna de quase R$ 700 bilhões e uma dívida externa de US$ 280 bilhões. Nós entregamos o poder com excelente resultado. Os Correios passaram a ser iguais aos correios do primeiro mundo e temos o telefone via satélite. Colocamos o país na condição de 6º produtor de aço do mundo, colocando as estradas, completamos aquelas estradas todas que Juscelino tinha aberto. A Belém-Brasília, por exemplo, foi asfaltada pelo Andreazza. E ele ainda criou depois a Perimetral Norte e colocou depois a de Brasília a São Paulo, de São Paulo a Porto Velho, de Porto Velho ao Acre. Hoje, você não anda numa estrada que não tenha buracos. A televisão, toda dia, mostra a situação das estradas: é uma sucessão interminável de buracos, de desastres.

Quem foi que primeiro tratou do trabalhador rural? Foi o regime militar. E não tínhamos, inclusive, depois, nem do ponto de vista da política externa, mais nenhum tipo de aliança automática com os Estados Unidos. O próprio Castelo, que era acusado disso, aceitou ir para Santo Domingo, mas, quando chegou ao Vietnã, ele disse: ‘Não. Está fora do meu plano, do meu horizonte. E o Geisel denunciou o acordo militar. O Médici fez as 200 milhas da soberania e depois foram modificadas.

Então essa comparação é enorme. Agora, tem o lado negativo, a vertente política é que foi ruim. Porque, tendo que utilizar o regime autoritário, as liberdades foram sacrificadas. Apregoamos o quê? Outro dia, escrevi um artigo dizendo: ‘Fizemos a anistia, mas levamos 14 anos para fazer’. Eu, por exemplo, era partidário do governo passado, no fim do governo Médici, de entregar o poder aos civis. Tínhamos os melhores resultados econômicos, o Médici era indiscutivelmente popular".

Pais dos pobres

"O Juscelino Kubitschek foi para mim um dos últimos presidentes que tiveram a alegria de ser presidente. Transmitia isso para todos nós, não? Qual é o marco diferencial entre Juscelino, com sua reforma agrária, e os militares? Nenhum. O que houve foram desapropriações e entrega das áreas, se você pegar o número de desapropriações feitas até Figueiredo, foi muito grande.

O ciclo militar, no meu entender - eu, que sempre fui favorável à reforma agrária, não na marra, porque a reforma agrária era lei -, foi o que fez o melhor projeto que já houve nisso, o Estatuto da Terra, do presidente Castelo. Se tivesse sido continuado, nós hoje tínhamos uma feição fundiária do Brasil completamente diferente. O estatuto acabava com o latifúndio improdutivo pelo imposto progressivo. Infelizmente, aí, sim, talvez tenha havido pressões da área produtiva conservadora, que impediram que o Costa e Silva desse prosseguimento. A miséria cresceu no Brasil durante todo esse período, e a migração para os grandes centros urbanos também".

História mal contada

"O historiador não pode ser faccioso e não pode ser totalmente neutro. O que eu tenho visto ultimamente é que se está reescrevendo a história sob um ângulo totalmente faccioso. Reescrever a história é muito importante, porque tem que haver o contraditório, como existe em Direito, e eu não estou notando isso. E há os entreguistas. Negam na íntegra. Em 20 anos, nós não fizemos nada de bom, nada. Então, isso aí é que precisa ser objeto de uma revisão.

Bolsos

"Dos meus cinco presidentes militares, eu só faço um resumo: todos morreram. Nenhum foi rico, nenhum ficou com o dinheiro da nação no bolso dele. Eu olho para o lado, olho para os vizinhos nossos, na América latina, que seja, e você não encontra um nome dos nossos que possam ser apontados ‘Olha, esse é igual a Somoza, esse é igual a não sei quem. O próprio Perón, depois de 18 anos no exílio, quando foi derrubado, os militares que o depuseram publicaram coisas terríveis contra ele do ponto de vista da moralidade pessoal.

Os militares brasileiros honraram a farda que vestiram e as funções que exerceram. Não furtaram. No passado, ouvia falar muito no Juscelino, em cujo governo eu exercia a primeira função fora do Exército, na Petrobrás, no Pará. Era um estadista extraordinário, um homem que o fez o Brasil acreditar em si próprio. Sofreu, acabou sofrendo. Então é o momento difícil da gente analisar uma questão como essa, porque acaba não falando de quem deve falar e pode não fazer justiça sobre aquele de quem falou".

Influência de Cuba

"Só longinquamente houve influência de Cuba para o Golpe. Em primeiro lugar, em 59, o único comunista era o Che Guevara. Fidel não era comunista. Poucas pessoas na história se dão conta disso. O partido comunista cubano era aliado do Fulgêncio Batista, quando Fidel Castro e Che fizeram os primeiros assaltos em quartéis militares. O americano foi, em grande parte, responsável por que Fidel Castro se voltasse para a União Soviética, porque ele tomou a iniciativa de desapropriar as firmas americanas, que eram proprietárias praticamente de Cuba, inclusive de todo o tabaco.

Cuba era uma espécie de bordel - e está voltando agora a ser claramente. Ele queria tomar posições que eram revolucionárias. Mas o Senado americano jamais concordaria com o governo de Cuba que fosse desapropriar empresas americanas. Há uma fotografia do Fidel Castro sendo objeto de papel picado caído em Nova York, sendo saudado pelo grupo que era partidário da democracia. Em dezembro de 61, ele se declarou comunista. Ele não era.

Bom, então, mais tarde você vai ver - inclusive tem um livro pequeno de uma historiadora, Denise Rollemberg, que fala sobre como Cuba ajudou as guerrilhas no Brasil. Aí é que começa. Então, desde já em matéria de 67, antes disso, no governo do Jânio Quadros, a China Comunista já treinava guerrilheiros no Brasil, no grupo de Mao Tse Tung. Por quê? Porque não estava interessado se o governo do Brasil era do Jânio ou do João Goulart. Eles queriam era ocupar o poder para aumentar o movimento comunista internacional".

Escrúpulos e favas

"A partir do A-5, eu não tinha dúvida, era um regime autoritário, apesar de alguns dizerem que não era. Era. Quando eu votei no AI-5, por exemplo, eu disse: ‘À vossa excelência, presidente, eu me recuso a enveredar pelo caminho da ditadura, mas, se eu não tenho alternativa, às favas o meu escrúpulo de consciência’. Isso aconteceu exatamente no dia em que eu tinha entrado num processo para ser antigolpista. Eu queria defender a Constituição, e agora eu entrava nas veias da Constituição. O AI-5 foi um momento muito difícil para mim.

O Marcito (o então deputado federal Márcio Moreira Alves) não era muito bem quisto no seu próprio PMDB, porque o estilo dele, a personalidade dele, não eram muito simpáticos. O discurso feito por ele, em setembro de 68, deixou os militares indignados, ele disse que as mulheres não poderiam namorar os fardados. Ele tomou isso das mulheres de Atenas, que resolveram fazer greve sexual contra seus maridos por causa da guerra que elas não queriam. Mas não era só isso, não. O pivô da história foi quando ele fez o discurso em que disse que ‘as Forças Armadas tinham virado valhacouto de bandidos’. Ah, isso chocou a hierarquia militar. Exército, Marinha e Aeronáutica passaram ser ‘valhacoutos de bandidos’. Olha, isso foi em setembro. O AI-5 só foi editado em dezembro. Não conseguimos autorização da Câmara para processá-lo - acho que, se eu estivesse lá, se fosse deputado, também votaria contra a cassação. Recorremos ao Supremo Tribunal Federal, que negou o pedido de cassação. Pelo menos desmoralizamos o princípio de que ‘quem pode o mais, pode o menos’. Quem não pode menos, acabou podendo mais: fechou o Congresso".

Guerra suja

"A guerra, toda ela, contra a guerrilha (do Araguaia), toda ela foi uma guerra que não acompanhou a convenção de Genebra: foi chamada de guerra suja. Assim como houve violência de um lado, houve violência do outro lado. Tortura eles não praticaram, porque não precisavam torturar. Ela é suja, e talvez por isso mesmo tenha sido incinerada" (ele se refere aos documentos referentes à Guerrilha do Araguaia).

Educação

"Há gente que fala que o movimento de 64 impediu o progresso. Sabe quanto eles aplicavam na educação? Eram 2,1% do PIB (Produto Interno Bruto) daquele tempo. Sabe quantos estudantes universitários o Brasil tinha? Não vou citar o IBGE, vou citar o anuário estatístico da Unesco em relação ao fim de 63, quando o anuário era de 65, mas de 64 cabia os dados: o Brasil tinha 132 universitários para cada 100 mil habitantes. A Argentina tinha 712; o Chile e o Uruguai, mais de 600. Quais eram os países piores que nós? Só Haiti, Honduras e Guatemala. Nós tínhamos um ensino secundário que era 74% pago. Foi mudado ao reverso, setenta e tantos por cento de oferta pública. Passamos a aplicar na educação 4% do PIB, não 2%, de um PIB que tinha crescido como tinha crescido nesse período de 67 para cá, até a 9% no mínimo, naquele período de Costa e Silva".

Lula mudou

"O presidente Lula nunca foi comunista. Nunca foi. No primeiro debate que eu tive com ele pelo rádio, ele me disse: ‘Eu sou torneiro mecânico’. Eu disse: ‘Este é vivo’. Mas ele nunca assinou sua filiação a nenhum partido de esquerda. Foi levado pelo irmão a participar da luta sindical, mas nunca manifestou que era comunista. Eu ainda digo que o Lula de 2002 me deu muita alegria, quando verifiquei que ele não era uma farsa do Lula de 1989, que queria fazer frente ao FMI, não pagar a dívida externa e pregava a violência e o revanchismo. O Lula que está ai é completamente diferente, houve uma evolução".

Golpes, nunca mais...

"Não há possibilidade, de jeito algum, de haver novos golpes no país. A experiência foi suficiente. Hoje eu digo brincando: ‘Não se dá golpe mais nem no Paraguai’. O da Venezuela mostrou isso. Derrubaram o Chavez e 48 horas depois ele voltou. É preciso partir do princípio de que o poder civil é que é o poder prevalente, e que os militares devem ser, portanto, profissionais: cuidar da sua responsabilidade constitucional. Qual é ela? A defesa do País, a defesa da nação no sentido de ameaça externa e o problema da ordem interna. A ordem interna outrora poderia dar margem a essas rebeliões.

Um governo civil infelizmente cai nas mãos de pessoas desastradas, como, por exemplo, o Jânio Quadros. Quando é que se esperava que, seis meses depois, ele fizesse aquilo? E acabou confessando para o neto que o que fez, na verdade, foi uma manobra para poder voltar com mais força, trazido nos braços do povo e fazer uma reforma na Constituição que lhe desse poder praticamente autoritário. Aí vem outro, que tem uma mente de demagogo... Nós já amadurecemos. Mesmo nessa posição atual, o que há é uma consciência de que o que deve ser feito é esperar a próxima eleição".