Brasília, 27/12/2003 (Agência Brasil - ABr) - Poucos sabem, mas o Brasil já foi contemplado com o Prêmio Nobel da Paz. O prêmio foi concedido em 1988 às tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) que atuavam em missões de paz. O único brasileiro que recebeu a honraria até hoje é o ex-cabo do Exército, Percival Furquim Vaz, que durante 14 anos correu o mundo para conseguir trazer o título para o Brasil. Percival, hoje com 62 anos, passa por dificuldades financeiras. Ele mora em Brasília e durante muito tempo dependeu dos amigos para sobreviver.
Percival nasceu no Paraná, onde trabalhou na lavoura. Após completar a maioridade, decidiu entrar para o Exército brasileiro. No final de 1961, como parte do grupo dos "Boinas Azuis", foi um dos integrantes do Batalhão de Suez, uma força de paz da ONU que atuou durante dez anos na área de conflito entre árabes e judeus no Oriente Médio. Percival ficou até o final de 64 na região entre a Palestina e Israel. "Lá era um deserto. Enfrentávamos todo tipo de perigo. Era um local que era foco de homens bomba", lembra. Mas Furquim ressalta que o batalhão trabalhava pela paz. "A ONU nos ensinou, com muito orgulho, a ter perseverança e paciência e ser prudente também. Ensinou que para a gente vencer uma batalha não precisa dar tiro e matar o semelhante. Há necessidade, sim, de ser bom, levar comida, ajudar com água, remédio. Isso há necessidade".
A guarnição de Percival em Suez era comandada pelo segundo-tenente Carlos Lamarca, que no Brasil abandonou o Exército e liderou uma guerrilha contra a ditadura militar. Percival disse que o seu comandante tinha o coração muito bom. "Não era uma pessoa ruim, contra a humanidade. Queria que o povo tivesse amor, tivesse comida, tivesse estudo. Tanto que libertou a gente no deserto para levar o resto de água e alimentação para os refugiados de guerra", conta.
Quando o então cabo do Exército voltou ao país, recebeu baixa, e segundo ele, nenhuma explicação foi dada. "Me arrancaram na tora do Exército", reclama. Com a saída do Exército, Percival foi morar em Curitiba, onde trabalhou em um banco. Em 68 um pesadelo tomou conta de sua vida. Ele acredita que por conhecer Lamarca foi perseguido e torturado. "É o verdadeiro inferno. O homem não é homem. Ele apanha, ele sofre e não tem direito de viver, de falar. Era jovem, tinha 20 e poucos anos na época, mas a gente não esquece", recorda emocionado.
Essa é uma parte da sua vida que Percival não gosta de comentar, porque sofreu muito na época. "Me arrancaram unha, quebraram clavícula, quebraram pulso, quebraram mão. Muita coisa horrorosa", diz. Por se considerar perseguido político, Percival entrou com pedido de indenização na Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça.
Percival fala com muito orgulho da honraria recebida pela ONU, que chegou às suas mãos em outubro do ano passado, depois de 14 anos de luta e peregrinação. Para conseguir trazer o título para o Brasil, o ex-cabo procurou presidentes, políticos, personalidades como Pelé e chegou a ir ao Vaticano para pedir ajuda ao Papa. Procurou também a imprensa de todo o mundo. "É muito gratificante. Não vejo como uma honraria pessoal, vejo como uma honraria nacional", afirma.
Ele considera que todos os brasileiros são dignos de receber a honraria. "Todos os brasileiros que foram "Boinas Azuis" têm direito de receber o Prêmio Nobel da Paz, as medalhas e os diplomas. Basta o interesse governamental. Será uma festa para o nosso país. Luto para que todos recebam".
Percival viveu em vários lugares, como Rio de Janeiro, São Luís, Belém e São Paulo. Casou e teve três filhos. Hoje, separado, vive em Brasília, onde recebe a ajuda de amigos. Recentemente arrumou um emprego e está finalizando um livro que conta a sua história. Continua trabalhando pela paz como delegado da Federação das Forças Internacionais em Brasília.
Além da medalha que lhe confere o título de ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Percival recebeu também uma medalha dos 50 anos das Nações Unidas, como membro das Forças de Paz da organização.