Márcia Cristina de Sena Oliveira (*)
O leite é um alimento rico em nutrientes composto por diversas vitaminas, gorduras, carboidratos, proteínas, sais minerais e água. Por isso é muito suscetível à ação de microrganismos que nele facilmente se desenvolvem. Ao ser retirado da vaca, o produto já contém uma certa quantidade de microrganismos que são normalmente encontrados no animal e que saem durante a ordenha.
Após a retirada, o leite pode receber, do meio ambiente, vários microrganismos contaminantes.
Outro aspecto importante que pode influenciar na qualidade desse alimento é a saúde dos animais, já que muitas doenças dos bovinos podem ser transmitidas para o ser humano. A limpeza da sala de ordenha atua de maneira decisiva sobre a qualidade do leite, de modo que, quanto mais limpa e protegida de correntes de ar, melhor será a qualidade do produto. Os equipamentos de ordenha devem ser rigorosamente limpos, assim como todos os utensílios usados. Finalmente, todas as pessoas que atuam na produção, desde a ordenha até o processamento na indústria, devem passar por exames médicos periódicos, para que o leite não seja contaminado por microrganismos transmitidos por essas pessoas.
A quantidade de microrganismos presentes no leite serve como base para a sua classificação. Também por meio da análise da flora microbiana do produto, é possível obter dados que permitem comprovar as condições de higiene em que o leite foi produzido. A multiplicação de bactérias provoca, essencialmente, alterações químicas das gorduras, açúcares e proteínas. Essas alterações químicas modificam as suas características normais, tornando-o impróprio para o consumo humano e para a indústria de laticínios.
O leite precisa ser submetido, na indústria, à elevação de temperatura, para eliminar os agentes causadores de doenças, garantindo também a sua conservação. Nesse sentido, é importante alertar que esse alimento só deve ser consumido após ser pasteurizado na indústria. Não se recomenda a compra do produto diretamente das propriedades rurais, sem ter sido submetido a altas temperaturas (pasteurização), pois pode transmitir doenças.
O apelo do leite "natural", "saído diretamente da propriedade", não é verdadeiro, pois o produto pasteurizado na indústria é igualmente natural, sendo proibida a adição de produtos químicos, exceto para o leite longa vida (ver detalhes abaixo). Antes e após a pasteurização, amostras são examinadas, pelo Serviço de Inspeção Federal (Sif), para verificação de sua qualidade e ausência de eventuais fraudes ou adição de substâncias estranhas.
Pasteurizado - A pasteurização visa a destruição da flora microbiana causadora de doenças, sem tirar as características próprias do produto. Existem dois tipos de pasteurização, a lenta e a rápida. A primeira é feita pelo aquecimento, entre 62 e 65 graus, por 30 minutos, em equipamento próprio e com dispositivo de agitação do leite. A pasteurização rápida é feita em outro equipamento (placas), com temperatura entre 72 e 75 graus, por 15 a 20 segundos. Após a pasteurização, é rapidamente resfriado de 2 a 5 graus e em seguida é envasado.
Longa vida - O leite pode ser ainda submetido ao tratamento UHT (temperatura ultra alta), que é o popularmente chamado leite longa vida. Nesse tratamento o produto é homogeneizado e submetido a uma temperatura de 130 a 150 graus, por cerca de 2 a 4 segundos, em processo térmico de fluxo contínuo. O leite é então rapidamente resfriado, a temperatura inferior a 32 graus e envasado em condições limpas, em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas. O leite longa vida, da mesma maneira que o pasteurizado, pode ser integral (com toda a gordura), semi desnatado (menor teor de gordura) e desnatado (praticamente sem gordura).
O leite longa vida pode trazer estabilizantes químicos, como citrato de sódio, monofosfato de sódio e trifosfato de sódio, separados ou em combinação. Segundo a legislação, em quantidade máxima de 0,1g/100 ml.
Vale lembrar que o leite longa vida é também popularmente chamado de "leite de caixinha", devido à sua embalagem. Mas é preciso observar a embalagem com muita atenção, pois existe leite em garrafa plástica, que pode ser pasteurizado ou longa vida. É importante ler a embalagem, inclusive a parte escrita com letras pequenas. Garrafas plásticas nas prateleiras, fora das geladeiras dos supermercados e padarias, são leite longa vida. Nesses casos, na embalagem deve estar escrito "longa vida" ou "UHT". O leite pasteurizado em garrafa plástica fica na geladeira e traz no rótulo sua especificação ("pasteurizado"), trazendo a inscrição "A", "B", "C", "integral", "semi-desnatado" ou "desnatado". Neste caso, mesmo vindo na garrafa plástica, estes leites são pasteurizados (e não longa-vida), iguais àqueles "de saquinho". Todos os tipos - pasteurizado ou longa vida - devem ser mantidos em geladeira após abertos e consumidos em curto espaço de tempo.
A, B, C - O leite pasteurizado é classificado em A, B e C, de acordo com sua qualidade. O leite tipo A é aquele pasteurizado em indústria que fica na própria fazenda ou sítio, sendo mantido a 10 graus até o momento da pasteurização, que é imediata. Com ordenha mecânica, o leite A é integral e deve ser avaliado para os teores de resíduos de antibióticos, cujo limite legalmente permitido é de 0,05 UI/ml. Quanto ao número máximo de microrganismos aceita-se 2000/ml de leite e ausência de coliformes fecais.
O tipo B é integral, produzido em sistema de ordenha preferencialmente mecânica, devendo ser transportado e resfriado a 10 graus, em no máximo 6 horas após a ordenha. O número máximo de microrganismos é 80.000/ml e coliformes totais 4/ml e coliformes fecais 1/ml.
O tipo C é produzido por meio de ordenha manual sem resfriamento obrigatório. O número total de bactérias máximo é de 300.000/ml, coliformes totais até 4/ml e fecais 2/ml.
O leite desnatado (praticamente sem gordura) pode ter sido produzido tanto nas condições de B como de C, sendo que a característica "desnatado" deve ser especificada no rótulo. O leite pode ser ainda reconstituído, quando se origina da mistura de leite em pó e quantidades adequadas de água, obedecendo os critérios estabelecidos pelo Sif. Esse tipo é hoje pouco usado, mas foi comum até passado recente, quando a entressafra era mais acentuada, com grande queda de produção, o que obrigava as indústrias a trabalharem com leite em pó, para "reconstituir", pasteurizar e envasar o produto.
Outros - Quando o produto não é de vaca, a sua embalagem deve sempre especificar: leite de cabra, leite de ovelha, leite de búfala e outros. Uma curiosidade: alguns países da África Ocidental, como Mauritânia e Burkina Fasso, produzem e consomem leite de camela, pasteurizado normalmente e também com produção de derivados, como queijos e iogurtes. Há também o leite misturado, de vaca e de camela. Tudo legal e obedecendo a normas sanitárias.
Bebida láctea não é leite - Finalmente, uma questão que vem sendo discutida nos últimos meses: a adição de soro (do próprio leite) ao leite. Isso é permitido, mas aí deve constar na embalagem o termo "bebida láctea" e não "leite". O consumidor deve estar atento a isso, pois são dois produtos diferentes. A "bebida láctea", por conter soro lácteo, não possui todos os nutrientes do leite. O soro é o produto resultante da fabricação de queijos e mais barato, por ser um subproduto. É porém mais pobre, principalmente em proteínas. Um dos pontos que está sendo discutido, entre técnicos do Sif, pecuaristas e indústria de laticínios, é a obrigatoriedade de maior destaque para o termo "bebida láctea" e de, possivelmente, maiores explicações sobre a diferença entre esse produto e o leite.
(*) Márcia Cristina de Sena Oliveira é médica veterinária, doutora em sanidade animal e pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP).