Brasília, 17/9/2003 (Agência Brasil - ABr) - Os jornalistas Sérgio Dávila e Juca Varella lançaram, ontem à noite, o livro "Diário de Bagdá: a guerra do Iraque segundo os bombardeados". Na obra, Dávila narra os 30 dias em que ele e o repórter fotográfico Varella estiveram no conflito. Os jornalistas foram os únicos representantes da imprensa brasileira a cobrir a guerra. Como parte de um grupo de 180 profissionais independentes, não tinham suas notícias editadas pela Forças Armadas presentes no front.
A tentativa de imparcialidade teve seu preço. Com a tomada de Bagdá, os jornalistas que não estavam credenciados pela coalizão anglo-americana tiveram dificuldades para trabalhar. "Éramos traidores para os soldados americanos, porque havíamos concordado em permanecer em Bagdá enquanto o governo iraquiano existia. Os jornalistas que acompanharam as tropas invasoras tinham credencial que dava acesso a tudo, eram bem tratados, tinham fontes junto ao exército. Nós não tínhamos acesso a nada", afirmou Dávila.
O livro descreve a tensão durante o ataque ao hotel Palestine, onde estavam hospedados os profissionais de imprensa que cobriam o conflito. Segundo Dávila, a ação mostra o valor de um jornalista em um campo de batalha. "Foi a comprovação do que desconfiávamos. O jornalista é, cada vez menos, visto como força imparcial, que deve ser preservada", diz o repórter. Ele conta que morreram 50 profissionais de imprensa durante os 11 anos da Guerra do Vietnã. No Iraque, foram mortos 16 jornalistas em 43 dias.
O livro também mostra a relação dos repórteres com a população iraquiana. "Depois da ocupação de Bagdá, o povo estava furioso com presença americana, embora já não quisesse o regime de Saddam Hussein. O povo não se importava mais com nacionalidades. Qualquer um que estivesse registrando aquelas situações de saque na cidade, era visto com hostilidade", afirmou Varela.
"Quando descobriam que éramos brasileiros, éramos bem tratados". Dávila justifica essa atitude, explicando que a população só relacionava o país a recordações agradáveis. "Quando nos identificávamos, eles lembravam da seleção de futebol, das telenovelas e do Passat, que exportávamos para os países árabes na década de 80. No Iraque, o carro se chama brasileiro", recorda. No entanto, isso não evitou que tivessem que fugir de tentativas de agressão com facas e armas de fogo.
Varella enfatizou as dificuldades de se viver em um campo de batalha. Segundo o fotógrafo, os jornalistas dormiam, em média, quatro horas por dia, em geral devido à exaustão. Mesmo assim, tinham de fazê-lo de capacete e colete à prova de balas. Era uma medida de prevenção para protegê-los em caso de ataque.
Varella contou que a alimentação durante os 30 dias foi básica: água, frutas secas, chocolate e biscoitos de água e sal, levados de Amã, na Jordânia. Higiene pessoal, como tomar banho e escovar os dentes, era um luxo, pois não havia água no país.
Antes de partir para o Iraque, Sérgio Dávila havia presenciado um acontecimento marcante do século XXI. Em 2001, morava em Nova Iorque e cobriu os atentados de 11 de setembro. No entanto, ele afirma que jamais viveu momentos tão tensos quanto os dias que passou em Bagdá.
Dávila e Varella concordam que o anúncio do fim da guerra, feito pelo presidente norte-americano George W. Bush, foi apenas uma solenidade. Essa atitude marcou apenas um novo momento da guerra. Segundo os jornalistas, esse é um conflito que se estenderá por muito tempo.