Brasília, 20/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - A esterilização precoce tornou-se uma mania arriscada entre as brasileiras. Há um crescimento preocupante no número de mulheres que se submetem à laqueadura de trompas. Muitas fazem a cirurgia e se arrependem, por desconhecer que há outros métodos contraceptivos e pensar que a operação é reversível. As conclusões são da tese de doutorado do professor da área de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Carlos Rodrigues da Cunha.
De acordo com a pesquisa, cerca de 40% das brasileiras já se submeteram à laqueadura. O índice de arrependimento, segundo Cunha, é alto. "Abaixo dos 25 anos, o percentual é de 65 a 70%", diz. Os dados foram coletados a partir de uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1998, e de recentes entrevistas com 100 mulheres que procuraram espontaneamente o serviço de reprodução humana do Hospital Universitário de Brasília (HUB) na tentativa de reverter a laqueadura para engravidar.
A principal conclusão do trabalho é que a falta de informação é grande. Diz o professor que muitas mulheres acreditam que suas trompas foram apenas amarradas e, se desamarrá-las, é possível voltar a engravidar. "Na laqueadura, as trompas são cortadas e só então cada extremidade é amarrada. Para reverter a operação, as tubas têm de ser costuradas interna e externamente. Mas só 50% das reversões são bem sucedidas", explica Cunha.
Faz-se a laqueadura, mas não há orientação e planejamento familiar, como a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) determina. "Há uma certa pressão no meio médico para fazer a laqueadura, mas primeiro deveriam ser oferecidos outros métodos contraceptivos, como o DIU e a pílula anticoncepcional, que são reversíveis", ressalta o professor. A cirurgia custa em torno de R$ 2 mil na rede privada de saúde e cerca de R$ 260 na rede pública.
O doutorado de Cunha é pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética da UnB. O campo da Bioética, que tem pouco mais de dez anos no Brasil, avalia questões ligadas à vida sob a ótica de princípios. No caso da tese sobre a laqueadura, são observados os princípios da autonomia da mulher, ou seja, o direito de decidir sobre seu corpo e sua vida, e da vulnerabilidade do sujeito. "O segundo caso refere-se principalmente às pressões vividas por muitas mulheres para que realizem a cirurgia de laqueadura, como se fossem as únicas responsáveis pelo planejamento familiar", afirma Cunha.
A pesquisa, que tem etapas na Universidade de Turim, na Itália, compara os dois países. No Brasil, segundo dados da Unicamp, cerca de 40% das mulheres em idade fértil já se submeteram à laqueadura, enquanto que na Itália esse índice não chega a 1%.
A tese, aprovada em primeiro lugar pela câmara de pós-graduação da Faculdade de Medicina, propõe uma reflexão para que as mulheres busquem métodos contraceptivos reversíveis e façam a laqueadura só por indicação médica. O trabalho será concluído até o final do ano, já que os dados sobre o perfil econômico das mulheres que recorrem à laqueadura ainda são tabulados. Como a pesquisa foi realizada no universo da rede pública, o mais provável é que se encontre mulheres com menor poder aquisitivo e pouca escolaridade.
Para a médica Isa Paula, técnica da área de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, a laqueadura é uma possibilidade, mas não deve ser usada indiscriminadamente e associada a outras práticas, como a cesárea, expondo a mulher à riscos. Ela lembra que laqueadura de trompas ainda funciona em certos lugares como uma prática eleitoreira. Os candidatos a cargos políticos "prometem às mulheres pobres com muitos filhos esterelizá-las, mas não as informam dos riscos e do caráter irreversível da cirurgia". Para Isa, qualquer pessoa que vai passar pelo procedimento dever ser aconselhada antes. "Primeiro é garantir o direito à informação, ao esclarecimento sobre os métodos disponíveis", destaca.
Em 1996 foi sacionada a lei Nº 9.263, que trata do planejamento familiar. O texto deixa claro, em seu artigo 17, que induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica é crime, com pena de reclusão que varia de um a dois anos. "Muitas pessoas acham que a esterilização em massa resolveria o problema da miséria social, e colocam a culpa no número de filhos que as mulheres menos instruídas têm. Mas nós trabalhamos dentro da concepção dos direitos sociais e reprodutivos, que são direitos humanos. A pessoa tem o direito básico e humano de decidir sobre os aspectos relacionados à sua reprodução", afirma a médica.
Segundo ela, o Ministério da Saúde envia mensalmente aos municípios dois tipos de kits para a anticoncepção. O primeiro, chamado de Kit Básico, é composto por pílulas combinadas de baixa dosagem, uma minipílula para mulheres que estão amamentando e preservativos masculinos. O outro, chamado de Kit Complementar, contém dispositivos intra-uterinos, o DIU, e hormônios injetáveis dos tipos mensal e trimestral. Mensalmente, são distribuídos 22.605 kits básicos para 4.900 municípios enquanto outras 400 cidades recebem 1.391 kits complementares. "O segundo kit só é distribuído para as localidades que têm profissionais capacitados para inserir o DIU", informa Isa.
A portaria Sas/MS nº 48, de 11 de fevereiro de 1999, proibe a esterilização durante o parto, a não ser em caso de risco de vida para a mulher. A laqueadura também só pode ser feita em mulheres com mais de 25 e com pelo menos dois filhos vivos. (Irene Lôbo)