Tragédia na Boate Kiss comoveu o país em janeiro

26/12/2013 - 14h33
 
Bruno Bocchini
Repórter da Agência Brasil

 

 
São Paulo – O dia 27 de janeiro de 2013 ficou marcado pela tragédia ocorrida na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Um incêndio, que começou na madrugada daquele domingo, durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira, resultou na morte de 242 pessoas e deixou mais de 620 feridas. A festa tinha sido organizada por estudantes de seis cursos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
 
O fogo teve início no teto da boate, quando um dos músicos da banda acendeu um artefato pirotécnico no palco. A espuma usada para abafar o som do ambiente era imprópria para uso interno e, ao queimar, produziu substâncias tóxicas, como cianeto, que causaram a maioria das mortes. A boate funcionava com documentação irregular e estava superlotada.
 
Jovens que sobreviveram ao incêndio contaram que uma fumaça preta tomou conta do recinto em questão de segundos, impedindo as pessoas de encontrar uma saída. A maior parte dos corpos foi achada em um dos banheiros da boate, confundido com a saída local.
 
“Quando fomos ver o que aconteceu, olhamos para trás, e só saía fumaça pelas portas. Fumaça, fumaça. Era uma fumaça muito preta, não se enxergava nada. As pessoas estavam pretas, não queimadas, e a fumaça era parecida com toner [produto usado em impressoras], parecia que as pessoas tinham tomado banho de toner. Eu não consegui nem identificar direito os amigos que estavam saindo”, contou a sobrevivente Mariana Magalhães, que trabalhava como fotógrafa na festa.
 
No dia 19 de maio, a Secretaria de Saúde de Porto Alegre confirmou a morte da última vítima do incêndio. Mariane Wallau Vielmo tinha 25 anos e morreu no Hospital das Clínicas de Porto Alegre, quase quatro meses após a tragédia. 
 
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul pediu o indiciamento de 16 pessoas. Em 55 dias de investigação, colheu 810 depoimentos, o que resultou em 13 mil páginas de informações. O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público do estado, que denunciou formalmente oito pessoas. A Justiça acatou a denúncia.
 
O Ministério Público optou por levar ao Tribunal do Júri os quatro principais acusados no episódio, que responderão por homicídio doloso qualificado – em que a pessoa assume o risco por sua atitude, mesmo sabendo que a conduta pode resultar em morte. São eles os sócios-proprietários da Boate Kiss, Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, que acendeu o artefato pirotécnico e o produtor do grupo musical, Luciano Augusto Bonilha Leão, que comprou os fogos. O caso tramita na 1ª Vara Criminal de Santa Maria e está com o juiz Ulysses Fonseca Louzada.
 
Para o Ministério Público, os proprietários da boate e os músicos assumiram o risco de produzir o resultado, mesmo não tendo intenção de provocar o incêndio. Músicos e proprietários responderão por homicídio doloso com dois qualificaantes: asfixia e motivo torpe. O motivo torpe é que o artefato pirotécnico adequado para o uso interno estava à disposição no momento da compra, mas foi preterido por um produto mais barato, porém impróprio.
 
Os quatro acusados chegaram a ficar presos nos primeiros meses após o ocorrido, mas, em abril, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu soltá-los. Para o desembargador Manuel Martinez Lucas, responsável pela decisão, os acusados não oferecem risco de prejudicar o processo. “Não se vislumbra na conduta dos réus elementos de crueldade, de hediondez, de absoluto desprezo pela vida humana que se encontram, infelizmente com frequência, em outros casos de homicídios e de delitos vários”, disse o magistrado. A decisão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
 
Também foram denunciados pelo MP, por fraude processual e falso testemunho, os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan Severo Berleze; o ex-sócio da Kiss Elton Cristiano Uroda e Volmir Astor Panzer, funcionário do pai de Elissandro Spohr, Eliseo Jorge Spohr. Elton Uroda e Volmir Panzer cometeram falso testemunho ao afirmar perante a autoridade policial que Eliseo Spohr não era sócio da casa noturna, quando, na verdade, há indicativos de que ele seja, embora não apareça no contrato social. 
 
O Ministério Público inocentou os servidores municipais e o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, por concluir que eles emitiram alvarás presumindo a legalidade do documento expedido anteriormente pelo Corpo de Bombeiros. Quanto à divergência entre dois alvarás de setores diferentes da prefeitura – um que autorizava o funcionamento da Boate Kiss e outro que proibia -, os promotores entenderam que a legislação local não obrigava as secretarias a trocar informações entre si.
 
No entanto, o Ministério Público decidiu reabrir o inquérito civil sobre o incêndio na Boate Kiss. A Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria apresentou documentos com indícios de que houve improbidade administrativa por parte da prefeitura.
 
“Santa Maria vivencia hoje uma sensação completa da impunidade. Ninguém está preso, estão escapando – infelizmente está havendo isso. A sensação de impunidade é muito grande e há possibilidade de que não dê em nada para ninguém”, destacou o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Adherbal Ferreira.
 
A reportagem da Agência Brasil não conseguiu contato com os promotores do caso.

Edição: Nádia Franco

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