Coluna da Ouvidoria - Estrada para a cidadania

04/10/2013 - 16h05

Brasília - Para o jornalista, como para qualquer autor, é gratificante ver seus textos reproduzidos ou citados em outras publicações. Para o pesquisador, as citações são um indicador da importância do seu trabalho. Nos meses de agosto e setembro, a ouvidoria recebeu 11 demandas com pedidos de informação referente à reprodução dos conteúdos da Agência Brasil. Das 11, seis solicitavam autorização para reproduzir fotos ou notícias em materiais didático-pedagógicos. Além de valorizar o trabalho da equipe profissional, esses meios de divulgação têm, para uma empresa de mídia pública, um significado especial por se tratar diretamente da formação da consciência cidadã nas crianças e nos jovens brasileiros.

Há outras maneiras mais corriqueiras de aproveitamento dos conteúdos da ABr para o mesmo fim. Quem tem acesso à internet pode consultá-los diretamente para os trabalhos da escola, como foi o caso da senhora Viviane, que enviou a seguinte mensagem para a ouvidoria no 22 de setembro: “Procurando uma reportagem sobre trânsito para auxiliar minha filha pequena numa atividade pedagógica na escola, encontrei a seguinte 'Crianças de escolas públicas enviam cartas aos motoristas na Semana Nacional do Trânsito' [1]. Considerei a temática ideal para a nossa finalidade, porém precisei desistir da ideia quando, numa leitura superficial, percebi vários erros gramaticais de concordância e regência. Fora os desencontros na estrutura coerente do texto. Fiquei decepcionada. Vocês precisam melhorar a revisão final do texto para evitar esse tipo de problema. Desculpe-me a crítica, mas penso que essa possa ser uma boa ocasião para verificar conceitos básicos. Fica a dica”.

A Agência Brasil respondeu: "Agradecemos os comentários da leitora. Certamente, o olhar de quem lê com o intuito de pesquisar sempre terá o critério da boa informação, apresentada de maneira clara e correta. O texto, de fato, estava confuso e, agora, foi ajustado para dar mais clareza às informações apresentadas” [2].

A revisão do texto condenado pela leitora deu à ouvidoria a oportunidade de acatar sua sugestão de “verificar conceitos básicos” por meio de uma análise das correções que foram feitas. Confirmou-se o preceito de que a boa informação depende de uma redação adequada. Erros de português – de vocabulário e de gramática – e de organização do texto, além de sinalizarem possíveis falhas na compreensão do assunto por quem preparou o texto, são fissuras por onde emanam dúvidas que se instalam na mente do leitor.

De acordo com o ensaísta quinhentista francês Michel de Montaigne: “O estilo tem três virtudes: Clareza, clareza e clareza”. As orientações linguísticas da jornalista e escritora Dad Squarisi são do mesmo teor. Ela cita o colega Igino Dominguez, que escreveu: “Uma frase jornalística tem de estar construída de tal forma que não só se entenda bem, mas que não se possa entender de outra forma”. Ela recomenda o uso de frases curtas, porém acrescenta: “Não pense que só frases curtas têm vez. A gente dá preferência a elas. Mas não cassa as longas. O equilíbrio é a melhor receita” [3].

Na versão original da matéria criticada pela leitora, o primeiro parágrafo era assim: “Os motoristas que passarem pela Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, vão receber a partir de hoje cartas escritas por crianças de escolas públicas que ficam localizadas às margens de rodovias para sensibilizar os motoristas sobre a importância da direção segura. O Programa Estrada para Cidadania, da concessionária CCR Nova Dutra, que administra a rodovia, está sendo feita por ocasião da Semana Nacional do Trânsito e tem o objetivo de entregar 30 mil mensagens até o dia 25”.

Na revisão, este parágrafo transformou-se em dois e cada frase desmembrou-se em duas. O primeiro parágrafo ficou: “Os motoristas que passarem pela Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, vão receber, a partir de hoje, cartas escritas por crianças de escolas públicas que ficam localizadas às margens de rodovias. O objetivo é sensibilizá-los sobre a importância da direção segura”. O segundo parágrafo ficou: “A iniciativa faz parte do Programa Estrada para Cidadania, da concessionária CCR Nova Dutra, que administra a rodovia, e está sendo desenvolvida por ocasião da Semana Nacional do Trânsito. Estima-se que 30 mil mensagens sejam entregues até o dia 25.”

Cada frase longa na versão original virou um parágrafo composto de uma frase longa seguida de uma frase curta. Além de a divisão tornar a leitura mais fácil e agradável, as alterações deixaram as informações mais claras e corretas. Na versão original, a oração subordinada “para sensibilizar....” está desamarrada, abrindo a possibilidade de interpretá-la como se a localização das escolas – e não a atividade das crianças - fosse o sujeito. Na revisão, a frase curta que começa “O objetivo é...” deixa claro que o sujeito é o conjunto de ações mencionadas na frase anterior. Do mesmo modo, no segundo parágrafo a revisão que substituiu a oração “O Programa Estrada para Cidadania ... está sendo feita por ocasião da Semana Nacional do Trânsito” por “A iniciativa faz parte do Programa Estrada para Cidadania ... e está sendo desenvolvida por ocasião da Semana Nacional do Trânsito”, corrige a impressão errada de que o Programa Estrada para Cidadania tenha surgido em função da Semana Nacional do Trânsito.

Na versão original a confusão do programa com uma das atividades que o compõem aparece de novo no segundo parágrafo: “O projeto vem sendo desenvolvido há alguns anos e leva para a sala de aula a questão de cidadania e educação no trânsito e pretende sensibilizar os motoristas por meio das mensagens escritas por alunos do 4º ano de escolas públicas municipais”. Na revisão, com a aplicação do mesmo processo de divisão das orações, a diferença fica mais clara: “O projeto vem sendo desenvolvido há alguns anos e leva para a sala de aula questões de cidadania e educação no trânsito. Agora, a partir dos conceitos aprendidos na escola, as crianças estão elaborando as cartas ...”. Contudo, ainda resta uma dúvida: Programa e projeto é a mesma coisa?

Os jornalistas frequentemente usam termos como sinônimos para evitar a repetição de palavras no texto. Esta prática é perfeitamente aceitável quando não há risco de confusão. Mas quando há uma graduação de categorias, atividades, etc., a clareza pede que a distinção seja mantida, mesmo que para isso seja necessário repetir palavras. No vocabulário administrativo, normalmente os projetos são ações ou iniciativas desenhadas para implantar programas. Embora essa ordem terminológica nem sempre seja respeitada, onde existe a hierarquia, qualquer que seja a ordem terminológica, convém segui-la. Nesse caso, a repetição do termo “programa” teria deixado mais claro que o “projeto” citado na frase se refere ao Programa Estrada para Cidadania e não à atividade agendada para a Semana do Trânsito.

Outro ponto que a revisão também revela é que às vezes é melhor parafrasear que citar. As paráfrases são indicadas quando o que se deseja da fonte é mais a ideia que a linguagem utilizada para expressá-la [4]. Quando a linguagem utilizada complica ou deixa de fazer jus ao assunto, é preferível parafrasear, salvo quando o jornalista achar importante que o leitor tome conhecimento dessas peculiaridades.

Na versão original da matéria aparece uma citação da funcionária da CCR NovaDutra responsável pelo programa: “Nós criamos o projeto para interagir as crianças com pessoas que elas não conhecem”. Na revisão, a agência considerou irrelevante a peculiaridade de expressão "interagir as crianças" e corrigiu o erro gramatical com uma paráfrase: “Além disso, segundo Carla, ao proporcionar que as crianças interajam com pessoas que não conhecem ...”. Eivada também de erros gramaticais, outra citação da mesma fonte foi julgada dispensável: “As crianças escrevem uma carta e esperam que escrevam para ela de volta. Então nós decidimos abrir espaço para os motoristas no nosso site para eles responderem as cartas e para não ser frustrante para as crianças e [elas] se sentirem correspondidas”. Nesse caso, trata-se de lapsos típicos da linguagem falada, que, apesar de não afetarem a compreensão das informações, cujo conteúdo, aliás, a ABr não achou necessário recuperar na revisão, contribuíram para a decepção da senhora Viviane, que considerou os erros inaceitáveis para o trabalho da sua filha na escola.

Até a próxima semana!

[1] http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/criancas-de-escolas-publicas-enviam-cartas-aos-motorista (texto original)
[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-09-20/criancas-de-escolas-publicas-enviam-cartas-motoristas-na-semana-nacional-do-transito (texto revisado)
[3] http://jornalismodigital.com.br/o-manual-de-redacao-e-estilo-de-dad-e-o-seo-na-redacao/
http://www.dzai.com.br//blogdadad/blog/blogdaddad?tv_pos_id=22658
[4] http://writing.wisc.edu/Handbook/QPA_PorQ.html
http://www.adelaide.edu.au/writingcentre/learning_guides/learningGuide_toParaphraseOrQuote.pdf